Leonardo Teixeira
O ciclo de vida de um one hit wonder é curto e traiçoeiro. Depois do sucesso, tentativas de replicá-lo e o ostracismo costumam fazer parte do roteiro. Mas Carly Rae Jepsen, dona de uma das músicas mais vendidas da história, não é vítima do passado. Ela uniu a aura dionísica das pistas dos anos 80 com amor sem vergonha de ser e conquistou a todo mundo que deu atenção ao impecável E•MO•TION (2015). Quatro anos depois, mais um sucessor difícil é posto em seu caminho: conseguimos nos apaixonar por ela uma terceira vez?
Uso termos como “paixão” e “conquista” com propósito: descobriu-se que o efeito da música de Carly Rae sobre seus fãs é assim, emocionalmente grandioso, mesmo que o sucesso mainstream de outrora já não seja uma realidade. Mas quem liga? Longe da urgência chiclete de Call Me Maybe, o público descobriu que a cantora canadense consegue cantar um milhão de amores diferentes como se fosse o primeiro. Sempre pegajosa e dificilmente soando cafona.
Essa habilidade, combinada à produção cuidadosa que a acompanha aonde for, pode ser a fórmula para o futuro de Jepsen. E Dedicated é mais um passo em direção a esse destino brilhante.
Não há nada de inédito aqui. Ainda que Carly tenha, de alguma forma, cativado a um tipo de público que geralmente oferece resistência ao que muitos chamam de “pop radiofônico”, a proposta oferecida é muito parecida com momentos marcantes de artistas como Robyn e Madonna. O pulo do gato está na forma com que traços da personalidade peculiar e apaixonada da intérprete se revelam. E é aí que somos fisgados.
Por exemplo, percebemos na sensual No Drug Like Me que Jepsen, quando encontra segurança para ser vulnerável, não tem medo de quebrar a cara e se entrega por completo a uma pessoa. “É uma promessa que fiz ao amor”, ela explicou à imprensa. Essa coragem, no entanto, perde força quando um coração partido ameaça na esquina. “Se tem algo entre nós, / baby, eu não tenho tempo pra isso. / Eu estou feliz não sabendo de nada”, é o mantra de Happy Not Knowing.
O synthpop — às vezes totalmente imerso nos anos 80, outras bebendo de fontes mais atuais — é o som aqui. Uma decepção para quem esperava a renovação do universo sonoro da cantora, mas a escolha confortável trás frutos: a produção quase nunca erra. É o caso da de Want You in My Room, assinada pelo queridinho Jack Antonoff. A faixa soa como uma versão queer musicada da filmografia de John Hughes.
Na sequência, uma das preciosidades do disco. Everything He Needs sampleia um número musical do fracasso de bilheteria Popeye (1988), em que Olívia Palito canta o seu amor pelo protagonista. É uma tirada de mestre, pois preserva a aura adolescente já característica da canadense, mas viaja para longe nas referências.
Outra forma de fuga da mesmice é a inteligência emocional que o eu-lírico carrega. É fascinante como Carly, escorpiana como ela só, consegue descrever as engrenagens que dão movimento às relações que narra. Algo parecido com o que a britânica Annie Lennox fez durante toda a sua carreira. É o tipo de abstração analítica que serve de ajuda às vivências de quem ouve, daí a devoção dos fãs.
Exemplo dessa capacidade é a explosiva Real Love, faixa que encerra a versão padrão do LP. Aqui a intérprete se mostra bastante consciente do tipo de amor que considera verdadeiro: um amor incondicional e fortalecedor. É o refrão mais explosivo do disco e também um dos mais cativantes.
De tal forma que outros momentos da tracklist, ainda que bem pensados, podem passar despercebidos. É o caso da simpática For Sure, que não cheira nem fede.
Mesmo assim, o saldo é positivo. Está tudo aqui, todos os elementos que nos encantaram desde o começo: o sopro adolescente que levou Carly Rae Jepsen para o topo das paradas em 2012, a positividade acessível e dançante de seu renascimento anos depois e a produção caprichada com a qual já não vivemos sem. Dedicated não adiciona muito mais à soma, mas o produto final é suficiente para que o nosso pacto de amor incondicional com a cantora seja renovado, com sucesso.
2 comentários em “Carly Rae Jepsen e a probabilidade de amor à terceira vista”