A subversão em camadas de Brat and it’s completely different but also still brat

Capa do álbum de remixes de brat. Imagem quadrada com fundo verde vibrante contendo texto em preto, exibido de forma invertida (espelhada). A frase é: 'Brat and it's completely different but also still Brat', traduzindo-se para 'Brat e é completamente diferente, mas ainda assim Brat'.
Em entrevista à Apple Music, Charli XCX revelou que o motivo da simplicidade da capa de Brat foi para economizar na sessão de fotos (Foto: Atlantic Records)

Henrique Marinhos

Não é novidade que ‘ser brat’ é sobre quebrar regras. Charli XCX não só entende isso como vive essa filosofia há um bom tempo. Brat and it’s completely different but also still brat é paradoxal e só poderia ser assim. A coletânea de remixes – se é que podemos definir assim – não se trata da adição de versos ou uma versão estendida; é uma desconstrução completa do álbum original, completamente diferente e, ainda assim, brat.

Mais lento, impregnado de colaborações e profundamente diferente, ele chega a soar como a versão primária quando aplicamos o que comumente consumimos como remix. O álbum conta com a produção de A. G. Cook e Danny L Harle, mestres do experimentalismo eletrônico que moldaram o hyperpop e PC Music como os conhecemos. Com um toque etéreo, as faixas são mergulhadas em novas camadas de distorção e vulnerabilidade. Ironicamente, com sua atmosfera eletrônica frenética e caótica, Brat poderia facilmente ser o verdadeiro remix.

Por que mudar todas as músicas? Porque ela quer e pode. E quem quiser a versão original, que volte para ela. Reclamar disso é como resmungar sobre um buffet que oferece dezenas de opções: escolha o que quiser e vá em frente. XCX nos dá fartura sonora e liberdade total. O remix não substitui, ele expande, amplia e destrói ao mesmo tempo. É completamente diferente. Ela sabe disso e nós sabemos disso, não foi falta de aviso.

Para alguns, pode soar frustrante, mas essa é exatamente a graça: não entregar ao público o que ele espera – algumas vezes funciona, outras nem tanto. Sympathy is a klnife featuring ariana grande, a aguardada colaboração com a ‘dangerous woman’, é para quem alcançou o topo e descobriu que a vista é solitária. Enquanto todos esperavam que Grande assumisse o protagonismo, ela surge como uma backing vocal quase imperceptível, jogando contra as expectativas e deixando um gosto agridoce. É o desconforto em forma de som e do que ele poderia ser.

Por outro lado, B2b featuring tinashe, segunda colaboração com a intérprete de Nasty, é um dos momentos mais iluminados do projeto. A química entre as duas se renova e brilha mais uma vez, celebrando a trajetória de ambas. As artistas relembram sucessos como 2 On e Boom Clap, enquanto a faixa carrega a energia pulsante de 5 In The Morning. É como se as duas se reconhecessem e abraçassem nesse reencontro, celebrando anos de luta, perseverança e evolução artística em uma indústria implacável.

A campanha visual foi um espetáculo à parte. Outdoors espalhados pelos Estados Unidos anunciaram as colaborações como se fossem atrações de um festival: Ariana Grande, Tinashe, Caroline Polachek, The 1975, Lorde, Troye Sivan, Billie Eilish, shygirl e muitos outros. Cada um, cuidadosamente escolhido, foi encaixado em faixas que potencializam o tema original. Essas escolhas foram estupidamente precisas.

Lorde, por exemplo, traz uma sensibilidade quase espectral à faixa em que participa, com vocais suaves que pairam como uma névoa e ressoam sobre polêmicas de anos: a rivalidade feminina encontra sua redenção em Girl, so confusing featuring lorde. Já 365 featuring shygirl, é pura insanidade sonora. Um frenesi eletrizante que invade os sentidos, como se cada batida fosse uma chicotada, com menos batidas por minuto em relação à primeira versão, mas tão potente quanto.

Fotografia de uma apresentação ao ar livre da cantora Charli Xcx, uma mulher  de cabelos pretos e blusa branca que está atrás de uma mesa de som verde, tocando para uma grande multidão. Ao fundo, uma estrutura verde-limão exibe textos pretos invertidos e desordenados. A luz do sol ilumina o ambiente, e várias pessoas na plateia parecem estar aproveitando o evento, usando óculos escuros e roupas casuais.
Poliglota: os áudios em espanhol e francês de Talk talk featuring troye sivan são da Dua Lipa (Foto: Henry Redcliffe)

Se a melancólica I might say something stupid featuring The 1975 & Jon Hopkins captura o peso do arrependimento, a agitada B2b featuring tinashe, celebra as garotas workaholics. Enquanto Talk talk featuring troye sivan provoca: “vamos para minha casa?”, Everything is romantic featuring Caroline Polachek, desacelera em uma balada trágica e esperançosa. Lado a lado, Von dutch a. g. cook remix featuring Addison Rae e Guess featuring Billie Eilish são cult, clássico, pop, e brincam com calcinhas deixadas para trás. Essas e outras faixas têm seu momento: o que hoje é um skip, amanhã é o repeat.

Tudo é sobre fartura e liberdade, que não agradam a todos e tampouco se preocupam em ser previsíveis. A dinâmica das colaborações não é só complementar; elas expandem o que as primeiras versões tinham a dizer. Definitivamente não são enfeites, mas peças-chave e indispensáveis, na maioria dos casos. Mesmo que algumas faixas não tenham suprido as expectativas de alguns, ainda sobram 16 no original e mais três na versão deluxe.

Brat and it’s completely different but also still brat é um manifesto sobre liberdade criativa e uma rejeição declarada à ideia de que algo precisa ser definitivo. A artista nos convida a abraçar o imprevisível, aceitando que a Arte nunca está pronta e, sim,  em constante construção, como nós. No fim, o álbum é uma metáfora para a própria vida: nada é imutável e cada versão é só mais uma entre tantas outras possíveis.

Não gostou? Sem problemas. A versão original ainda está disponível, esperando por você. Agora temos mais opções. Podemos comparar, escolher ou simplesmente nos perder em todas elas. Em um mundo obcecado por estabilidade e nostalgia, Charli XCX nos lembra que a verdadeira diversão está na transformação constante. Afinal, ‘ser brat’ é isso: viver sem pedir permissão.

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