
Davi Marcelgo
A estreia de Rocketman (2019) trouxe frescor ao ‘mundinho’ de cinebiografias de Hollywood, lançado com poucos meses de diferença do trivial Bohemian Rhapsody (2018), o filme sobre Elton John apostou no lúdico dos musicais, em novos arranjos para músicas de sucesso e, sobretudo, deixou as canções invadirem os quadros para além dos palcos. Porém, a roda continuou a girar da mesma forma, já que a grande maioria do gênero ainda segue o roteiro sobre ascensão e queda dos artistas, assim como a fórmula dos hits serem cantados apenas em apresentações ou como música de fundo. Mas em Better Man – A História de Robbie Williams, um ‘macaquinho’ decidiu balançar o galho e os melhores frutos caíram dessa empreitada.
O drama sobre o cantor britânico Robbie Williams não foge totalmente das convenções, ainda se sustenta no arco de fama-declínio-elixir, no entanto, faz do lugar-comum, o espaço para ousar e esbanjar criatividade em números musicais barulhentos. O roteiro de Michael Gracey (também diretor), Simon Gleeson e Oliver Cole faz da busca pela fama o objetivo e a kryptonita de Williams; a trama não pretende apanhar toda a biografia de um astro a fim de enaltecê-lo, mas narrar a história de um personagem com todas as nuances disponíveis.

O protagonista (Jonno Davies) é um macaco, pois é como ele se vê: diferente das outras pessoas. A escolha do recurso serve também para realçar o perfil fantasioso dos musicais, à medida que contribui para o aprimoramento das expressões de Robbie Williams, que ficam bem agressivas quando está com sentimentos à flor da pele – os dentes afiados do macaco dão um toque a mais na representação da raiva.
Além disso, há o tipo de personagem que conduz a narrativa: o cantor é consciente da sua natureza babaca, narra em primeira pessoa e sabe da existência do público, o que é interessante em um filme sobre querer ser visto pelas pessoas. Diferente de outras produções, que por interferências da família, do próprio biografado ou por uma escolha de tornar o protagonista divino, prefere esconder defeitos e apenas o tornar uma vítima, Williams é sincero mesmo sendo o narrador – que piada, logo a história do macaco ser a mais humana.

Através dessa estrutura, Better Man se afasta do que já foi visto, mas é no visual que o grito ensurdece a plateia. Os números musicais adotam uma estética plástica e artificial, desde o CGI que cria ou compõe cenários à nebulosidade da câmera Gecko-Cam Genesis G35 Vintage ’66 – que o diretor de Fotografia Erik Wilson utiliza para trazer o ar clássico dos musicais graças ao aspecto retrô da imagem do equipamento –, o que combina também com a personalidade feroz de Robbie Williams e com uma história que tem como cerne a fama. Ora, os ícones também são ilusórios e musicais precisam da descrença dos fenômenos da realidade para existir.
A cena She ‘s the One, composta em tons dourados, ilustra a esperança que o protagonista enxerga em Nicole (Raechelle Banno) para ser sua fuga do mundo das celebridades. Essa ideia também é uma miragem. Por isso, junto à direção de Arte, Wilson usa reflexos da lente para conferir suavidade ao momento e criar atmosfera onírica à apresentação. Mas as peripécias não param por aí. Se esta cena é íntima, outras performances são maximalistas, repletas de elementos em tela, cortes, figurinos e dançarinos em todos os quadros. Algumas abdicam do convencional do gênero e se tornam verdadeiras set-pieces que exploram visuais do Terror e até de blockbuster de super-herói. Para além de meras peças de criatividade, são sequências que funcionam muito bem dentro do filme como representações dos sentimentos do astro.

Quando abandona o lúdico e adere ao comum, o longa perde a força e soa nos ouvidos como um discurso pronto de amor próprio e perdão; um aspecto cafona para a história de um bad boy contada de forma rítmica e ousada. Felizmente, é apenas no final que estas peculiaridades aparecem. Nesses momentos, ele se assemelha a Rocketman, que também explora a temática de ausência paterna e coloca o protagonista contra figuras do passado. Por ironia, é a mesma conjuntura problemática do vencedor do Oscar.
Para resumir, Better Man – A História de Robbie Williams é um filmaço, daqueles que te fazem se ajeitar na poltrona, sussurrar um “uau” para si e sair do cinema em êxtase. Diferente de outros exemplares que não conseguem equilibrar o tom e a personalidade dos ídolos representados – Bohemian Rhapsody não tem um pingo da ousadia do Queen –, o longa de Michael Gracey faz da juventude irada de Williams a cara do musical, seja em forma ou conteúdo.