Artificial e sincero, Better Man – A História de Robbie Williams atira bananas em cinebiografias

Cena do filme Better Man - A História de Robbie WilliamsNa imagem, o personagem Robbie está cantando de forma feroz para a câmera. Robbie é um chimpanzé, com olhos verdes, pelos pretos e dentes pontudos e amarelados. Ele veste uma roupa de mangas longas na cor preta. Ele canta segurando um microfone. O cenário é de um show, em desfoque, há luzes e muitas pessoas na plateia.
Robbie Williams fez sucesso no Brasil ao fazer parte da trilha sonora da novela Mulheres Apaixonadas em 2003 (Foto: Diamond Films)

Davi Marcelgo

A estreia de Rocketman (2019) trouxe frescor ao ‘mundinho’ de cinebiografias de Hollywood, lançado com poucos meses de diferença do trivial Bohemian Rhapsody (2018), o filme sobre Elton John apostou no lúdico dos musicais, em novos arranjos para músicas de sucesso e, sobretudo, deixou as canções invadirem os quadros para além dos palcos. Porém, a roda continuou a girar da mesma forma, já que a grande maioria do gênero ainda segue o roteiro sobre ascensão e queda dos artistas, assim como a fórmula dos hits serem cantados apenas em apresentações ou como música de fundo. Mas em Better Man – A História de Robbie Williams, um ‘macaquinho’ decidiu balançar o galho e os melhores frutos caíram dessa empreitada.

O drama sobre o cantor britânico Robbie Williams não foge totalmente das convenções, ainda se sustenta no arco de fama-declínio-elixir, no entanto, faz do lugar-comum, o espaço para ousar e esbanjar criatividade em números musicais barulhentos. O roteiro de Michael Gracey (também diretor), Simon Gleeson e Oliver Cole faz da busca pela fama o objetivo e a kryptonita de Williams; a trama não pretende apanhar toda a biografia de um astro a fim de enaltecê-lo, mas narrar a história de um personagem com todas as nuances disponíveis.

Cena do filme Better Man - A História de Robbie WilliamsNa imagem, Robbie Williams está dirigindo um carro, olhando fixamente com olhar triste para a frente. Robbie é um chimpanzé, com olhos verdes e pelos pretos. Ele veste uma camisa esportiva vermelha com faixas brancas na gola e ombros. A iluminação da cena é vermelha.
A Weta FX é a empresa responsável pelos efeitos visuais, que garantiu uma indicação ao Oscar 2024 (Foto: Diamond Films)

O protagonista (Jonno Davies) é um macaco, pois é como ele se vê: diferente das outras pessoas. A escolha do recurso serve também para realçar o perfil fantasioso dos musicais, à medida que contribui para o aprimoramento das expressões de Robbie Williams, que ficam bem agressivas quando está com sentimentos à flor da pele – os dentes afiados do macaco dão um toque a mais na representação da raiva.

Além disso, há o tipo de personagem que conduz a narrativa: o cantor é consciente da sua natureza babaca, narra em primeira pessoa e sabe da existência do público, o que é interessante em um filme sobre querer ser visto pelas pessoas. Diferente de outras produções, que por interferências da família, do próprio biografado ou por uma escolha de tornar o protagonista divino, prefere esconder defeitos e apenas o tornar uma vítima, Williams é sincero mesmo sendo o narrador – que piada, logo a história do macaco ser a mais humana.

Cena do filme Better Man - A História de Robbie WilliamsNa imagem, Robbie Williams está no centro de um palco, sendo aclamado por muitas pessoas, que levantam a mão para o alto em direção ao personagem. O cenário é de um show. Robbie está com os braços abertos, rosto para cima e boca aberta. Há uma luz sob ele. A plateia está dividida por cores, o lado esquerdo iluminado por vermelho e o direito por uma luz branca. Atrás de Williams há dançarinas e outros cantores. Robbie é um chimpanzé, com olhos verdes e pelos pretos.
O cantor foi lançado ao mundo durante sua passagem no grupo Take That (Foto: Diamond Films)

Através dessa estrutura, Better Man se afasta do que já foi visto, mas é no visual que o grito ensurdece a plateia. Os números musicais adotam uma estética plástica e artificial, desde o CGI que cria ou compõe cenários à nebulosidade da câmera Gecko-Cam Genesis G35 Vintage ’66 – que o diretor de Fotografia Erik Wilson utiliza para trazer o ar clássico dos musicais graças ao aspecto retrô da imagem do equipamento –, o que combina também com a personalidade feroz de Robbie Williams e com uma história que tem como cerne a fama. Ora, os ícones também são ilusórios e musicais precisam da descrença dos fenômenos da realidade para existir. 

A cena She ‘s the One, composta em tons dourados, ilustra a esperança que o  protagonista enxerga em Nicole (Raechelle Banno) para ser sua fuga do mundo das celebridades. Essa ideia também é uma miragem. Por isso, junto à direção de Arte, Wilson usa reflexos da lente para conferir suavidade ao momento e criar atmosfera onírica à apresentação. Mas as peripécias não param por aí. Se esta cena é íntima, outras performances são maximalistas, repletas de elementos em tela, cortes, figurinos e dançarinos em todos os quadros. Algumas abdicam do convencional do gênero e se tornam verdadeiras set-pieces que exploram visuais do Terror e até de blockbuster de super-herói. Para além de meras peças de criatividade, são sequências que funcionam muito bem dentro do filme como representações dos sentimentos do astro. 

Cena do filme Better Man - A História de Robbie WilliamsNa imagem, Nicole Appleton está conversando com Robbie. Ela, que está do lado esquerdo, sorri para ele. Ela é uma mulher de pele clara, na faixa dos 30 anos, de cabelos lisos na cor castanho claro. Robbie é um chimpanzé, com olhos verdes e pelos pretos. Ele veste um terno com o colarinho aberto. A iluminação é amarela.
Nicole Appleton, do girl group All Saints, namorou Robbie Williams (Foto: Diamond Films)

Quando abandona o lúdico e adere ao comum, o longa perde a força e soa nos ouvidos como um discurso pronto de amor próprio e perdão; um aspecto cafona para a história de um bad boy contada de forma rítmica e ousada. Felizmente, é apenas no final que estas peculiaridades aparecem. Nesses momentos, ele se assemelha a Rocketman, que também explora a temática de ausência paterna e coloca o protagonista contra figuras do passado. Por ironia, é a mesma conjuntura problemática do vencedor do Oscar

Para resumir, Better Man – A História de Robbie Williams é um filmaço, daqueles que te fazem se ajeitar na poltrona, sussurrar um “uau” para si e sair do cinema em êxtase. Diferente de outros exemplares que não conseguem equilibrar o tom e a personalidade dos ídolos representados – Bohemian Rhapsody não tem um pingo da ousadia do Queen –, o longa de Michael Gracey faz da juventude irada de Williams a cara do musical, seja em forma ou conteúdo.

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