Hanna Queiroz
Quando John Hughes roteirizou e dirigiu Clube dos Cinco (1985), ele não imaginava que o longa se tornaria uma referência para a onda de filmes high school posterior. Com o intuito estereotipar e discutir as questões que surgem na adolescência, Hughes criou personagens caricatos que passavam pela difícil fase do Ensino Médio. A Barraca do Beijo (2018) é o novo filme da Netflix e pretende nos transportar para essa época — e justamente atingir o público adolescente.
Elle Evans (Joey King) e Lee Flynn (Joel Courtney) são melhores amigos desde que nasceram no mesmo dia, mesmo horário e no mesmo hospital, coincidência decorrente da amizade entre suas mães, melhores amigas desde o colégio. A história se repete com seus filhos: Lee e Elle são as pessoas mais divertidas do mundo e vivem uma amizade cheia de confiança e honestidade.
No início, é difícil perceber qual rumo a história vai seguir, pois parece se tratar da história de amizade dos dois. Será que vai se tornar algo a mais? Não. O filme em nenhum momento romantiza a relação da dupla, o que é incrível, porque desfaz a ideia de que não existe amizade e respeito entre garotos e garotas sem segundas intenções.
A trama fica mais clara quando conhecemos Noah Flynn (Jacob Elordi), irmão mais velho de Lee, por quem Elle alimenta um interesse amoroso secreto. Secreto porque ela e o amigo, quando tinham 6 anos, criaram um livro de regras. E adivinhem? A nona regra dizia que parentes estavam fora de questão; nenhum dos dois poderia namorar alguém da família do outro. Mas isso era fácil até então, já que Noah costumava ser briguento, mal humorado e implicante com Elle.
Tudo começa a mudar quando os amigos têm a ideia de criar uma barraca do beijo em um evento promovido pela escola. Assim, devido a um acontecimento naquela noite, Noah e Elle começam a se envolver secretamente, e a garota tem que escolher entre ficar com seu amor ou manter sua amizade mais importante de todas.
Envolta por diversas pressões sociais, a protagonista Elle Evans não é o tipo de estrela que estamos acostumados a ver em filmes adolescentes. Ela é baixa, morena, olhos escuros e não se encaixa no padrão de peso visto como o ideal norte-americano – vulgo Kate Moss. Ainda assim, ela segue o modelo de uma protagonista branca, como a grande maioria dos filmes, que ignoram a pluralidade de tons de pele que existem e não prezam pela representação midiática da diversidade
Isso é algo que o diretor Mark Waters já havia tentado fazer em seu Meninas Malvadas (2004). Em contraste com Regina George, a rainha da escola, Lindsay Lohan destoa do padrão porque se veste de maneira diferente. O filme deixa esse contraste claro quando Cady, sua personagem, prende os cabelos em um rabo de cavalo, não usa maquiagem e se veste com camisas polo e calça jeans, enquanto Regina George se parece com uma Barbie humana.
Mesmo cheio de cenas clichês e melosas, A Barraca do Beijo quebra padrões e estereótipos que sempre foram muito presentes em filmes adolescentes. A grande maioria dos longas high school se passam em torno do ambiente escolar e brigas entre garotas, como no clássico de Lindsay Lohan, reforçando a competitividade e as pressões sociais que rodeiam esse universo.
No lançamento da Netflix, contudo, a trama acontece fora do ambiente escolar, focando mais na vida pessoal dos dois amigos, que possuem como hobby preferido dançar no videogame de uma lanchonete. Até mesmo à respeito do casal do filme, Noah e Elle, o roteiro foge dos trilhos. Aqui, o sentimento dos dois é recíproco. A protagonista não precisa conquistá-lo nem se esforçar para ser notada, algo que é bem comum nos filmes de comédia romântica.
Entretanto, a superficialidade para lidar com as questões da adolescência é notada. As Patricinhas de Beverly Hills (1995), outro filme teen que se tornou referência de sucesso, mostra os dois lados da moeda. Ao mesmo tempo em que Cher (Alice Silverstone) é popular e rica, o filme aponta seus problemas internos, como o relacionamento conturbado com o pai e as inseguranças da garota em relação à faculdade. A principal mensagem do filme é a de que as aparências enganam e não refletem o que acontece internamente.
A Barraca do Beijo mostra o contrário, pois, aqui, as aparências são perfeitas. Elle vive num mundo em que tudo é ótimo e problemas são inexistentes. Não há abordagem dos estudos escolares, provas, relacionamento com os pais e inseguranças. O relacionamento da protagonista com o pai é perceptivelmente superficial, deixando claro que a morte de sua mãe deixou a garota mais distante da família. O filme tinha potencial para trabalhar questões importantes sem perder o enfoque na comédia e no romance, mas escolheu ser puro entretenimento — e nesse âmbito se sai muito bem.
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