Davi Marcelgo
No momento em que o diretor Marcelo Caetano filmou ‘Baby’ (João Pedro Mariano) – ainda Wellington naquela cena – na FEBEM, um nome ecoava de dentro da cela: Héctor Babenco, seja nas ideias, estilização em cores, Fotografia ou iluminação. Ainda assim, Baby transpira personalidade e dor. Selecionado para a seção Mostra Brasil, o filme faz parte da programação da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Wellington é um garoto de 18 anos recém liberto do centro de detenção juvenil. Sem saber o paradeiro dos pais, ele conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), adota o nome ‘Baby’ e vai precisar aprender a lei do mais forte. O texto escrito por Gabriel Domingues e Marcelo Caetano denuncia a violência na estrutura brasileira – do lar à polícia – e enaltece as famílias criadas por afinidade e identificação, sem precisar necessariamente de laços sanguíneos.
O centro de todos acontecimentos na vida desse jovem é sobreviver, tal como Pixote, no clássico brasileiro de 1980. Babenco e Caetano também são parecidos, no filtro azulado das noites de São Paulo e no afago que ambos nutrem pelos personagens marginalizados. Não importa se roubam, vendem o corpo, o que fizeram no passado ou porque foram para a detenção, nenhuma atitude feita para ter o mínimo de dignidade é condenável para os artistas.
O personagem título tem nuances: fala e movimenta os braços de forma diferente quando conversa com adultos do passado, já com os amigos, revela seu verdadeiro ‘eu’. Quando encontra Ronaldo, o jovem se mostra alguém muito ferido, mas a forma como a dupla de roteiristas escolhe fazer isso é atraente e traz maior carga dramática à cena: ao invés de apenas verbalizar situações de agressão com que Wellington teve de lidar, o protagonista mostra as cicatrizes que tem pelo corpo e conta a história de cada uma delas.
Todas as lembranças desenhadas na pele do protagonista se transformam em um escudo para conviver com a nova realidade fora de casa e da escola, cabe a Ronaldo a missão de orientar a ele as regras do mundo da prostituição, das drogas e das ruas. Porém, ‘Baby’ também tem de ensinar: através dos movimentos de Vogue. Enquanto seu parceiro o ensina a lutar boxe, ele mostra a dança; símbolos de resistência contra formas de opressão físicas e materiais são passadas entre gerações.
A Arte de Marcelo Caetano é humana e de muita fúria. As cores ora quentes, ora frias, combinam com a vivência de estar na pele de um ser que respira, potencializado por ser gay. Tão humano, que há espaço para sexo, brigas e revolta. Entra em cena uma São Paulo quase nunca vista, de baladas LGBTQIAP+ e Cinema erótico, espaços que possuem mais afeto do que o quintal de uma casa. Baby é uma combinação de temáticas e influências já vistas antes – o final lembra Central do Brasil (1998) –, porém não é menor por isso, assim como o protagonista, ele é um aprendizado de lições anteriores. Você não vai esquecer do jovem com quem saiu por uma noite, vai ficar com o cheiro dele na roupa ou com uma cicatriz que ele te deu. Afinal, viver é uma experiência que deixa marcas, aprendizados, mas dá amigos e uma família.