Lucas Lima
Quando perguntam “qual a melhor novela que você já acompanhou?“, não é difícil ver muita gente falar Avenida Brasil. A novela que literalmente parou o país, ficou no imaginário popular e se mantém viva, mesmo após uma década de seu início. Quem acompanhou a saga da vingança de Nina contra Carminha sabe quão fervorosos eram os momentos em frente à TV, com todos os olhos vidrados na tela e muitas respirações quase nulas com as cenas mais tensas, até o último capítulo, transmitido em outubro de 2012.
Novelas são muito criticadas pelas pessoas “cultas“ por serem produzidas para, segundo eles, alienar as pessoas. Dizem que são quase como uma “receita de bolo”, sendo comum o amor do mocinho e da mocinha atrapalhado pela vilã ou pelo vilão. Sim, Avenida Brasil não é completamente um ponto fora da curva, mas ela é especial. Ela tem a dádiva do tempero certo no momento certo. Não à toa foi indicada ao Emmy Internacional, prêmio em reconhecimento aos melhores programas de Televisão inicialmente produzidos e exibidos fora dos Estados Unidos.
A novela que liderou em absoluto o horário das nove, escrita por João Emanuel Carneiro (que deve estar cansado de ser pedido para fazer uma nova Avenida Brasil), contou com participações de atores como Débora Falabella, Adriana Esteves, Murilo Benício, Cauã Reymond, Alexandre Borges, Débora Bloch, Vera Holtz e José de Abreu, nomes de peso da emissora Globo. Foi televisionada em 2012, um ano de muitos extremos. Quem não lembra do fim do mundo que não chegou ao fim?
Lá em 2012, houve uma grande ascensão da classe média brasileira, que, na época, equivalia a mais de 50% da população, a considerada Classe C. As políticas públicas aplicadas na época e em anos anteriores fizeram com que mais de 40 milhões de pessoas emergissem e saíssem da linha da pobreza, elevando o país a marca de sexta maior economia do mundo, gerando até mesmo pane no sistema aeroviário, com tantas novas pessoas tendo a oportunidade de viajar de avião.
Esses milhões de brasileiros estavam ali, representados no horário nobre da maior emissora do país. A Classe C foi a verdadeira protagonista da novela, Tufão (Murilo Benício) se tornou um dos novos ricos mas não deixou de lado suas raízes que advinham da Classe C: atrapalhado, espalhafatoso, sem os modos da elite, roupas, ao mesmo tempo que simples, mas também com acessórios luxuosos, honesto e trabalhador. Tufão leva consigo sua família para uma mansão digna de Beverly Hills, mas não na zona sul, e sim no Bairro do Divino, fictício bairro da periferia do Rio de Janeiro, não largando suas origens.
E era nesse contexto que tudo se passava, uma mansão dos novos ricos, entre seus amigos que não eram ricos e ainda trabalhavam todos os dias para pagar suas contas. A população se identificou com o enredo, com as cenas da família de Tufão na mesa de jantar falando alto, um por cima do outro, o tradicionalismo de alguns personagens, seus encontros no Bar do Silas para comer uma coxinha com um suco… Tudo isso gerou a identificação com o público para com essas similaridades. Afinal, estavam podendo se ver, finalmente. Não mais assistindo uma Helena voltando de sua viagem da Europa.
Foi um grande passo social na teledramaturgia, que sempre renegou às classes menos favorecidas o direito de pertencimento. O pertencimento é o direito que as classes têm de se afirmar como grupo e de se diferenciar dos demais. Com tais personagens encantadores e representativos, Avenida Brasil se tornou um fenômeno popular. Seu enredo alternou maravilhosamente entre a tomada para si da realidade social (tendo temas do cotidiano e temas importantes como a estratificação social como suas aliadas) e a ficção. O público projetou na novela a oportunidade de se ver representado em meio aos personagens, que tinham figuras conhecidas e famosas em seus papéis, ganhando ainda mais o telespectador.
As situações da trama foram compostas de modo a mexer com os sentimentos de quem a assistia. Após a morte de seu pai, Rita (Débora Falabella) foi deixada quando pequena em um lixão por sua madrasta Carminha (Adriana Esteves), que contou com a ajuda de Max (Marcello Novaes), fazendo todos tomarem repúdio pela vilã e seu comparsa. Quando Rita cresce, se faz passar por Nina e começa a trabalhar na mansão que a madrasta atualmente mora, arquitetando uma vingança contra Carminha, fazendo todos torcerem pela empregada disfarçada.
Mas a história muda totalmente de tom de forma inesperada, pois tanto Nina quanto Carminha começam a ser desenhadas pelo autor como lados de uma mesma moeda, ambas com facetas humanas e contraditórias, conquistando o sentimento do público que começou a gostar de ambas. Gostavam de Nina e a apoiavam para finalmente chegar o dia da vingança. Porém, quando seus planos foram concretizados, o público não queria mais o mal de Carminha pelo passado conturbado com seu pai, que era o verdadeiro vilão, revelando suas fragilidades.
Carminha também era engraçada e carismática. Emanuel Carneiro conseguiu a façanha de expor o lado mais introspectivo do público que, ao se identificar com a personagem nestes dois pontos, passava a transmitir seu lado obscuro, mas que não se podia materializar na vida real.
Afinal, todos temos um lado vilão, mas não o mostramos devido a nossa moral e ética. Por isso os vilões são tão instigantes. E Carminha, (menos em suas cenas mais tenebrosas, como quando enterrou a Nina viva), mesmo tendo suas atitudes repudiadas pelo público, era idolatrada por todos, pois era carismática, engraçada e divertida. Quem não cantou Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha junto da vilã?
Fomos apresentados a perspectivas singulares tanto de Carminha quanto de Nina. Chegamos a debater sobre a enteada ir mesmo até o fim com sua vingança. Estivemos alternando entre ora uma, ora outra. Toda essa delicadeza de construção dos vieses serviram para tornar Avenida Brasil o fenômeno que é até os dias de hoje.
No decorrer da trama, muita coisa aconteceu. Memes com a vinheta final de congelamento dos personagens inundaram as redes sociais, bordões não faltaram (“A CULPA É DA RITAAA“) e cenas memoráveis. Além da já citada, tivemos outras como quando Nina humilha Carminha na mansão da família, ou também naquela em que a família de Tufão desmascara Carminha após saber de sua traição com Max.
Muitos coadjuvantes se destacaram e ganharam holofotes. Nilo (José de Abreu), morador do lixão, ganhou o público com sua insanidade e risada “hi-hi-hi”. A trabalhadora doméstica Zezé (Cacau Protásio) foi o alívio cômico da mansão, que cantava “Eu quero ver tu me chamar de amendoim…”. Suellen (Ísis Valverde), a “piriguete” do Divino que, supostamente, veio da Bolívia mas que não carrega nenhum sotaque ou algo da cultura de seu país (sim, um erro da produção da novela).
E como não falar da Mãe Lucinda (Vera Holtz)? A mãezona da novela que criou dezenas de crianças no lixão, inclusive Nina. Foi enganada, renegada, presa injustamente, esbanjou conselhos e, ao final, pôde assistir a reconciliação de Carminha com Nina, que era o que tanto queria. Fato este que não agradou em nada a crítica nacional, que considerou a redenção de Carminha como previsível. Enfim, os críticos!
Se o início e o meio já estavam bons, foi nessa reta final que, podemos dizer: Avenida Brasil parou o Brasil. Ruas desertas, sobrecargas de energias, bares lotados com TVs ligadas no canal 5, bolões de apostas para saber quem matou o Max, adiamento de compromissos presidenciais, recesso de aulas… Ufa! Tudo para não perder um segundo sequer do desfecho das rivais e do jogo de futebol do Divino Futebol Clube que, claro, ganhou a competição.
Todo esse movimento rendeu picos de quase 54 pontos de audiência em seu último capítulo, tendo atingido um marco de 70 em Fortaleza. A obra de João Emanuel Carneiro provou que novela boa não é apenas do século passado, e que podemos ter ótimas tramas capazes de encantar o país ambientadas nas camadas mais populares, para as camadas mais populares. Afinal, essa Avenida tem nome e é Brasil.