A influência de um trauma na vida de um adolescente e em suas relações interpessoais
Eduarda Motta
Lançado no ano de 1999, o livro de Stephen Chbosky, As Vantagens de Ser Invisível, estreou sua adaptação no cinema em 2012 e, agora, chega à Netflix. O drama conta com Logan Lerman no papel principal, vivendo o personagem Charlie, e narra as problemáticas da vida do adolescente, sua jornada com a depressão, ansiedade e todas as emoções que o Ensino Médio tem a oferecer. Além de ter alcançado a plataforma de streaming, a história ganha nova tiragem pela editora Rocco. Com capa e trecho inéditos, a obra chegou às prateleiras no dia 15 de agosto.
A narrativa é construída por meio de cartas que Charlie envia a uma pessoa desconhecida, onde confessa seus receios e inseguranças de estar prestes a iniciar o ano letivo depois de seu melhor – e único – amigo ter se suicidado. Na escola, ele conhece Sam (Emma Watson) e Patrick (Ezra Miller) que, ao perceberem que o garoto era solitário, o incluem em seu grupo de amigos. A partir desse ponto começa a vida social do protagonista e suas experiências amorosas.
A adaptação para o cinema conseguiu captar a sensibilidade do enredo e a sutileza com que eram tratados assuntos complexos. Aos poucos, o público é imerso nos problemas da história e percebe que foi sutilmente sufocado pela trama, sentindo o quanto as questões abordadas são terrivelmente comuns na vida real.
Dessa forma, As Vantagens de ser Invisível se destaca por relatar a vivência do colegial a partir do ponto de vista do aluno mais deslocado possível, com problemas internos que vão além da mera vontade de ser popular. Isso é o que difere a história de tantas outras que retratam o cotidiano escolar, pois enquanto elas têm a popularidade como foco e objetivo do protagonista, a narrativa de Chbosky explora a raiz das inseguranças que o tornam antissocial e geram a impopularidade.
Trauma e Sexualidade
A questão que envolve a maior parte do trauma de Charlie é a respeito de sua sexualidade. Ao longo da história e de seus envolvimentos amorosos – com Mary Elizabeth (Mae Whitman) e Sam – vemos que o garoto tem dificuldades em sentir-se à vontade em momentos íntimos com elas.
Além disso, Charlie tomava uma posição de passividade diante da própria vida, principalmente no que dizia respeito à essas relações. Isso acontece em todo o drama quando o protagonista não declara seus sentimentos para Sam, e no decorrer dos meses maçantes de seu relacionamento com Mary Elizabeth, quando não conseguia romper com ela até tomar uma atitude nervosa e precipitada.
No livro, traços disso também podem ser vistos em sua amizade com Patrick durante o período em que o amigo sofria por uma desilusão amorosa, uma subtrama que traz ainda mais emoção e representatividade para As Vantagens de Ser Invisível. Tomado pela carência, o garoto beijava Charlie, que nunca reclamou do ato, mesmo confessando em suas cartas que se sentia desconfortável com a situação.
Mais ao final da trama é explicado que esse bloqueio do personagem se dá pelo abuso sexual que sofria de sua tia Helen (Melanie Lynskey). O longa não traz a explicação de forma explícita, mas trata o assunto com sutileza, insinuando que alguns de seus toques na perna de Charlie eram iguais ao que as garotas lhe faziam.
A forma quase cuidadosa com que o filme faz os telespectadores perceberem o ocorrido se contrasta com o novo surto do protagonista, que chorava e tinha alucinações. Esse momento é também um exemplo do ótimo trabalho de Andrew Dunn, diretor de fotografia da obra. Inclusive, a produção toda tem uma estética agradável e poética, no enquadramento e iluminação das cenas. Nota-se, principalmente na sensualidade das cenas de Sam, que as câmeras seguem o olhar de Charlie, sua percepção das coisas e seus sentimentos.
Afeto: o melhor dos tratamentos
A influência das relações interpessoais no quadro psicológico de Charlie é bem nítida em As Vantagens de Ser Invisível. De fato, o garoto só consegue manter-se estável quando sustenta uma relação saudável com seus amigos. Em paralelo com a vida real, essa relação é comum e propicia questionamentos a respeito de até que ponto isso é um pilar para a saúde emocional, e onde se transforma em dependência.
A passividade de Charlie perante as outras pessoas, além de seus traumas, vinha também do medo de desagradá-las. Ele colocava a felicidade e a vida dos outros à frente da sua própria e, ainda que pareça um gesto nobre, isso era prejudicial para ele. Como reflexo dessa dependência, nas semanas que se discorreram após o grupo de amigos ir para a faculdade, o garoto tem uma piora significativa e é internado. Porém, dessa vez, ele estava disposto a encarar seus problemas e colaborar com a terapia. Contando com o apoio de sua família e com as visitas regulares de seus amigos, o protagonista se recupera e continua o tratamento fora do hospital.
Neste período, com ajuda psicológica, recebendo apoio e estando mais seguro de si mesmo, Charlie se propõe a estar mais presente no agora e, pela primeira vez, se reconhece como “não sendo uma história triste”. A cena final de Sam, Charlie e Patrick no túnel encerra essa mudança, pois mostra que finalmente ele se aceitou como era e, mais do que isso, se reconheceu merecedor do amor dos amigos. No fim, isso é o que significa se sentir infinito.