Maria Carolina Gonzalez
A bagunça começou em janeiro de 2016, quando Alex Turner ganhou um piano Steinway Vertegrand no seu aniversário de 30 anos. Acostumado com o caminho certeiro que a guitarra o levava desde sua adolescência, Turner – agora com mais experiência, mais barba e a maturidade dos anos – precisava se reinventar diante daquilo que não era comum ao estilo que o Arctic Monkeys criou por muito tempo. Com esse tiro no escuro, o quarteto de Sheffield lançou seu sexto álbum de estúdio: Tranquility Base Hotel + Casino.
O álbum carrega no título o nome do lugar onde o homem pousou na lua pela primeira vez: a base da tranquilidade. Foi nesse memorável dia de 1969 que Neil Armstrong disse algo sobre “um salto gigante para a humanidade”. Então o que seria exatamente um salto gigante para o Arctic Monkeys?
O que era para ser um trabalho solo de Turner – muito diferente daquele que compôs a trilha sonora do filme Submarine (2010) – acabou gerando entusiasmo nos outros membros da banda, principalmente para o guitarrista Jamie Cook. No entanto, a subjetividade do vocalista mais queridinho do cenário indie é o que predomina nas letras e na melodia. E é aí que Alex Turner mostra que não é nenhum gênio, apenas um amontado de boas referências.
O processo de criação de Tranquility Base Hotel + Casino contou com a influência de grandes nomes da música, como Nina Simone, Joe Cocker e até o brasileiro Lô Borges. No entanto, foi sob o legado de David Bowie em que podemos ver o quanto Alex usufruiu de muita inspiração, tanto nos arranjos e técnicas vocais quanto nas excessivas referências a ficção científica e uma viagem ao espaço.
O resultado dessa mistura foi apresentado no dia 11 de maio deste ano. Sem nenhum lançamento prévio de single ou b-sides, contando apenas com um teaser. Até mesmo a divulgação foi um diferencial do estilo Arctic Monkeys, muito longe daquela utilizada para trabalhos anteriores.
A recepção do Tranquility Base Hotel + Casino foi crucial nessa bagunça. Em entrevista à revista londrina Uncut, a banda contou que o novo álbum tendia muito ao som feito pelo The Last Shadow Puppets – duo formado por Alex Turner e Miles Kane, ex-vocalista do The Rascals. De fato, a guitarra desaparece na maioria das faixas, diferente daquilo que o seu antecessor, AM (2013), trouxe para o repertório do grupo.
Os dois álbuns são pontos fora da curva para a banda. AM é um álbum mais comercial em comparação aos anteriores. Há uma banda de rock, óculos escuros, jaqueta de couro, gel no cabelo e uma guitarra envolvente, acompanhada pelo peso da bateria de Matt Helders. Muito diferente dos garotos de 20 e poucos anos que gritavam no microfone e se apresentavam vestidos de o Mágico de Oz em grandes premiações.
Com certeza não estamos mais no Kansas. O Tranquility Base nós leva para a brandura de um bar a meia luz e ao mesmo tempo para uma viagem a lua. Esse ambiente, dominado pelo estilo burlesco do piano, decepciona um pouco quem conheceu a banda através dos hits “Do I Wanna Know?” e “R U Mine?”. Agora eles seguem em direção oposta a essa fórmula de sucesso de deuses do rock.
“Eu só queria ser um dos Strokes / Agora veja a bagunça que você me fez fazer”. Assim começa a primeira faixa, “Star Treatment”, com Alex questionando a passagem do tempo. Tanto no pessoal quanto no estilo da banda, não é novidade que os discípulos ingleses superaram seus mestres americanos, que há muito tempo não empolgam. As novas letras utilizam as mesmas características do começo da carreira, quando a banda estreou com o álbum Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not (2006).
Essa viagem espacial fica mais empolgante na sequência “Tranquility Base Hotel & Casino”, “Golden Trunks” e “Four Out Of Five”, sendo essa última o carro chefe do álbum. O clipe do single evoca uma vibe despótica com claras referências ao espírito de Stanley Kubrick em O Iluminado e Laranja Mecânica. Talvez essa seja uma pequena amostra do conteúdo que ainda estar por vir.
A viagem termina com “The Ultracheese” – uma referência à “grande bola de queijo” que é a lua. A letra depreciativa e a melodia sedosa, que traz um pouco de “No. 1 Party Anthem”, encerram o álbum com uma atmosfera
catártica. Assim o Arctic Monkeys encara sua nova era. Pode-se dizer que agora a banda está livre para seguir qualquer direção, sem criar grandes expectativas.
A mudança brusca no estilo da banda pegou de surpresa até mesmo os fãs de longa data, que acompanharam transições importantes, como o nascimento do Humbug em 2009, após se consolidarem na cena alternativa com o Favourite Worst Nightmare (2007). O fato é que todas as esperanças de que um dia os macacos voltariam a soar como em “Fluorescent Adolescent” acabaram. E só nos resta aceitar.
Tranquility Base Hotel + Casino carrega a maturidade de uma banda que dificilmente enjoou, mesmo com mais de 10 anos de carreira. E não adianta fazer previsões para o futuro do grupo, a maturidade que cada membro carrega ainda está sendo trabalhada. Depois desse lançamento não nos resta esperar mais nada além de surpresas, mas isso a gente já deveria saber. Em 2006, ainda como os meninos de 20 e poucos anos, eles já se perguntavam: who the fuck are Arctic Monkeys?
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