
Davi Marcelgo
A execução de um filme é guiada, por muitas vezes, pela noção de unidade entre forma e conteúdo, ou seja, de que maneira o diretor e demais artistas transpõem história ou roteiro através da linguagem do Cinema. O documentário Antônio Bandeira – O Poeta das Cores é um exemplo de insucesso quando pensamos nessa ideia. Dirigido por Joe Pimentel e apoiado pelo sobrinho do biografado, o longa não consegue transmitir por suas imagens a grandiosidade de Bandeira – e às vezes nem pelo conteúdo.
O pintor cearense é conhecido mundialmente e, de acordo com pesquisadores, é metódico e singular: um gênio da arte. A personalidade disruptiva dele não tem presença no filme: sem estilização, montagem criativa ou qualquer elemento que possa se assemelhar com o brasileiro. O produto final é opaco e frio. Se vários quadros ficam na mente de quem conhece as produções abstratas do desenhista, por aqui as imagens serão perecíveis. Com exceção de uma, que consegue sobreviver no emaranhado de entrevistas realizadas.

Talvez o único feito que aplique a grandiosidade de Bandeira ao documentário, seja a quantidade de especialistas entrevistados, alguns que aparecem já próximos do final, como se fosse um aviso de “aguarde, tem mais para contar sobre ele”. O longa é salvo pela erudição dos depoentes, que, além de serem eloquentes, possuem um rico conhecimento sobre a história da Arte, do Brasil e da Europa.
É como se o filme não conseguisse atingir as margens do que de fato é Cinema, partindo de linguagens muito próximas de uma entrevista para o Fantástico – comparação que não menospreza o programa, inclusive que possui ótimas reportagens, porém distingue as diferentes mídias. Há uma edição travada no clássico entrevistas e imagens que ilustram o que está sendo dito, se Antônio Bandeira rompe com o clássico e com o produzido no país, O Poeta das Cores sequer tenta algum tipo de expressão expoente. É obrigação? De forma alguma, mas sem dúvidas um exercício formal mais interessante.

O primeiro terço narra o começo da vida do abstracionista durante seus anos de estudo na Europa. Alguns participantes dão ênfase na vida urbana dele, apontando que frequentava bares e convivia com classes marginalizadas pela sociedade, como profissionais do sexo. No entanto, o filme não rompe o cordão com o clássico e abraça uma abordagem contraditória: tudo é pomposo e distante de uma representação mundana.
Ao invés de entrar com a câmera nesse mundo noturno, Joe Pimentel prefere filmar o sobrinho do artista, Francisco Bandeira, perambulando pela Europa, dando destaque a monumentos e prédios, enquanto uma música que tocaria em um restaurante Francês está ao fundo. Ora, se a história é sobre seguir os passos do tio, deveria então dar mais ênfase a essa questão e assumir que haverá um abandono da humanidade – e jeito de viver – do pintor. São raros os momentos em que se cria um elo de proximidade com o artista, o mais próximo é no trecho de sua morte.
Esta crítica sobre o afastamento da persona humana não surge do nada, o longa começa com uma carga dramática e termina tentando emular sentimentos, porém não preenche a lacuna de uma hora entre o começo e o fim. Antônio Bandeira – O Poeta das Cores é uma experiência rasa e sem a libido necessária para ficar na memória ou suscitar uma admiração pelo artista – quem ganha destaque são os entrevistados. As cenas finais são gravações em preto e branco de Bandeira pela praia: os pigmentos do Poeta das Cores se ausentaram em um documentário que desbota seu personagem.