
Davi Marcelgo
O diretor Ridley Scott pôde aproveitar intensamente do fator novidade em 1979, quando o mundo ainda não conhecia o visual tenebroso dos xenomorfos, criado pelo artista Hans Ruedi Giger, o que permitiu que o medo pelo desconhecido invadisse as salas de cinema sem fazer barulho. A sequência, Aliens, O Resgate (1986), dirigida por James Cameron, se afastou do Terror e abraçou a ficção científica dos blockbusters. De apenas um alien no filme anterior, o cineasta de O Exterminador do Futuro (1984) brincou com dezenas. Saturada a imagem da criatura, a franquia mirou em outros estilos de narrativa, mas em Alien: Romulus, o sanguinário Fede Alvarez conseguiu o feito de fazer o público temer a escuridão.
Na trama, necessitados por uma vida melhor, Rain (Cailee Spaeny), Andy (David Jonsson) e amigos adentram uma estação espacial abandonada para viajar até outro planeta, porém, eles não são os únicos passageiros da nave. Alien, O Oitavo Passageiro (1979) apodera do horror como motor de uma história sobre gênero e classe, a dupla de roteiristas uruguaia – Fede Alvarez e Rodo Sayagues – também tecem comentários sociais: violação da vida, dos corpos e pobreza, ao passo que atualiza o medo pelo desconhecido, do mesmo jeito que Scott e curiosamente diferente.

Se antes o desconhecido era a presença de um invasor, agora é o ato de desconhecer e estar sem o controle do próprio destino, personificados na redefinição dos comandos de Andy, um androide que Rain considera como irmão, mas que após um reset, começa a agir de acordo com os protocolos da empresa Weyland-Yutani, perdendo a personalidade inofensiva que a irmã tanto amava. A vida no outro planeta também é incerta, os jovens que não têm oportunidades na terra natal e são privados até mesmo da luz do sol se arriscam no espaço para o mínimo de vida digna. Para a protagonista, há mais uma dificuldade: por ser androide, seu irmão não vai ser aceito lá.
O body horror sempre fez parte da saga, com os xenomorfos germinando filhotes na barriga de humanos hospedeiros. A cena do parto já foi vista em outros filmes, porém, Alvarez é ousado quando a violação do corpo é dupla e nova, sobretudo quando há a carga temática inserida. Em Romulus, Kay (Isabela Merced) está grávida e acaba injetando o DNA de um alien no seu corpo. O que poderia ser mais um exemplar da raça, na verdade, se revela um híbrido assustador com a aparência completamente diferente dos extraterrestres; somos apresentados a uma criatura desconhecida. A transformação do bebê em algo nefasto representa o fim da inocência e do futuro para aqueles jovens pobres e desamparados.

Alien: Romulus consegue provocar sentimentos de repulsa e pavor que estavam adormecidos na franquia, ele atualiza o medo pelo desconhecido através da vida dos protagonistas e da presença de uma nova ameaça. Alvarez e seu parceiro de escrita constroem uma história a partir de elementos do Terror, gênero que eles são familiarizados, como um grupo de jovens em um local abandonado, pequeno e isolado e a dinâmica de sobrevivência que se instaura a partir de um ser que está preso neste mesmo espaço. Curiosamente, A Morte do Demônio (2013) tem horror corporal e Homem nas Trevas (2016) uma história envolvendo agressão sexual e gravidez. A dupla deixa marcas autorais em estilo e narrativa, sem se afastar da personalidade de Alien.
O filme tem uma grande deficiência de luz, desde a habitação ao planeta, os ambientes são escuros. Essa decisão fotográfica soa não somente como fruto do gênero Terror, mas é principalmente o sentido prático dessa vida dura dos protagonistas, que não conseguem ver o que há à frente. O diretor uruguaio, acostumado a dirigir em espaços pequenos, como cabana e casa, provou ter a capacidade de compor grandeza imagética, cenas lindas com cargas emocionais tão profundas que só alcançam catarse porque ele priva os olhos do público de ver luz. No clímax, ao colocar de encontro nossas pupilas com a iluminação, Fede Alvarez cria um híbrido da sensação de assistir Alien: O Oitavo Passageiro pela primeira vez.