Iris Italo Marquezini
Quando Alien: O Oitavo Passageiro estreou nos cinemas em 1979, a audiência foi surpreendida com uma explosão vinda do peito de um homem. De dentro dele, uma nova criatura surgia repleta de sangue e ansiando, sedenta, por muito mais. Anos depois, sequências bem diferentes do filme original foram lançadas para expandir a história da protagonista Ellen Ripley, incluindo o também clássico dirigido por James Cameron, Aliens (1986). Durante muitos anos, os fãs mais assíduos do primeiro longa, dirigido por Ridley Scott, ficaram órfãos de obras que tivessem uma ambientação claustrofóbica e aterrorizante à altura. Alien: Isolation, jogo diretamente inspirado pelo pioneiro, foge desse cenário ao passo que é exatamente a experiência que os fãs tanto queriam de volta.
A inspiração não é qualquer segredo para os desenvolvedores. O jogo deve tanto ao filme original que a história dele é ligada diretamente com a trama do clássico do Terror, ainda fazendo o favor de resolver um furo de roteiro de Aliens. Na história, Amanda Ripley precisa encontrar a caixa preta da nave-cargueira Nostromo para chegar a alguma conclusão sobre o paradeiro da mãe, Ellen Ripley, a protagonista do primeiro capítulo da franquia. Após um acidente, a engenheira vai parar na estação espacial de Sevastopol – uma espécie de versão infernal e misteriosa da Deep Space Nine de Star Trek – após ser abandonada por investidores, repleta de vestígios sangrentos de revoltas e massacres. Foram os próprios moradores em uma guerra civil que fizeram isso? Foi o Xenomorfo? É função do jogador preencher as lacunas.
Desenvolvido pela Creative Assembly e distribuído pela SEGA, o jogo, lançado em 2014, decepcionou em vendas, mas não deixou de chamar a atenção. Era comum, na época, o compartilhamento de vídeos de pessoas aterrorizadas e gritando conforme o grande predador da história finalmente percebia a presença da vítima indefesa. Até hoje, inclusive, muitos podem conhecer a obra justamente por causa da viralização desses conteúdos. Outros games da franquia Alien foram lançados, deixando o terror de lado e focando mais na ação presente na sequência de Cameron. Em meio a Outlast (2013), Dead Space 3 (2013) e The Evil Within (2014), o jogo conseguiu se destacar dentro do gênero e vencer prêmios, recebendo até indicações ao Game of the Year.
Não é à toa que Alien: Isolation encanta fãs do filme original e continua a conquistar um público assíduo mesmo 10 anos depois. A ambientação do jogo é diretamente inspirada na obra de Ridley Scott e H. R. Giger, trazendo a estética retrofuturista única e o sentimento pesado de estar dentro de corredores de maquinários escuros sem ter para onde fugir. Chega a ser divertido pensar que a franquia Dead Space se inspirou diretamente no universo Alien para causar tensão nos jogadores e como a linguagem dessas histórias se converge nesta obra à sua própria maneira.
A trama é repleta de quebra de expectativas. Um dos exemplos mais claros desse aspecto é a primeira aparição completa do Alien. Surgindo algumas horas depois do começo do jogo, o predador desce de uma ventilação em meio ao silêncio do que parecia somente uma sala monótona repleta de computadores. É neste momento em que a jogabilidade furtiva da narrativa começa a brilhar, já que qualquer mínimo barulho, até mesmo do microfone de quem está jogando, pode chamar a atenção e causar uma morte violenta.
Uma das maiores provas de como a linguagem de Alien: Isolation sabe causar tensão é a partir da perspectiva de duas das ferramentas adquiridas relativamente cedo na história: o sensor de movimento e o revólver. O sensor ajuda na criação de estratégias para evitar inimigos mas, proporcionalmente, causa medo, já que nem sempre o que aparece no visor está realmente visível nos corredores. Ou seja, mesmo possuindo uma ferramenta para a proteção, esse próprio recurso pode causar paranoia.
O revólver em si não é inútil e aparece como uma solução arriscada demais para os problemas. A arma faz muito barulho, depende de munições escassas e não é efetiva contra o Xenomorfo ou os androides, os outros principais inimigos na história, que não são fáceis de eliminar. A sensação de vulnerabilidade é uma constante na experiência; o ato de correr já causa barulho demais para chegar perto de um save point. No menu principal, recomenda-se jogar na dificuldade difícil e essa afirmação faz todo o sentido. Afinal, a narrativa faz o jogador se sentir uma presa que depende da própria criatividade e sorte para escapar de um inimigo quase onisciente.
Outro complemento para a sensação de ser somente um ser humano indefeso contra a criatura mais brutal da galáxia é o design de som, encabeçado por Mark Angus juntamente a mais de 16 desenvolvedores. A experiência de desfrutar da história com fones de ouvido chega a ser obrigatória, tamanho o empenho dos envolvidos na criação de Alien: Isolation. O jogo nunca oferece um silêncio verdadeiro – há ruídos de computadores e de máquinas operando para manter a estação de Sevastopol funcionando. Em meio a essa cacofonia futurística e artificial, há batidas nas ventilações, e não há nada mais desesperador do que perceber que os passos pesados do Alien no chão de metal começaram a te perseguir. Toda essa ambientação condiz perfeitamente com as descrições de Alan Dean Foster na ‘novelização’ do filme de 1979.
Por outro lado, uma das reclamações mais comuns acerca do game é a quantidade exaustiva e repetitiva de horas necessárias para zerar a campanha principal. Essa impressão fica clara na segunda metade da narrativa, quando há diversas reviravoltas, muito parecidas com as que a própria Ellen Ripley precisa encarar. A história parece estar prestes a encerrar e a heroína finalmente ficará segura, mas traições acontecem e retornos inesperados do Alien surgem para trazer o inferno à vida da protagonista. Todavia, essa experiência pode ser muito relativa, já que o jogo oferece sim muita variedade pelo aspecto mais memorável de Alien: Isolation uma década depois: a Inteligência Artificial.
É a partir do desenvolvimento complexo dos sentidos apurados do Alien que um dos maiores desafios do gênero do Terror na mídia dos videogames nasce. O Xenomorfo pode circular por ventilações e corredores livremente em uma velocidade impressionante. Além disso, o inimigo é atraído pelo som e pela própria visão periférica. Mesmo que o jogador se mantenha distante, a I.A. do jogo é treinada para sempre guiar a criatura para próximo do player. Até mesmo buscar esconderijo dentro de armários da Sevastopol, durante a missão Quarentena, por exemplo, não é garantia de paz, já que existe ainda uma mecânica para segurar a respiração de forma correta. Se você falhar… bom, o Alien vai arrancar a porta fora, abrir a boca enorme e o resto você já sabe.
Um dos exemplos de como todas essas mecânicas anteriores somadas podem criar experiências marcantes para cada jogador acontece pouco depois da metade da narrativa, em que uma facção de humanos hostis surge em Sevastopol. Neste trecho, já é possível entender mais detalhadamente como os instintos do Alien funcionam. Os residentes da estação estavam fortemente armados e ameaçando acertar qualquer um que se mexesse. Realizar essa ação causa um tiroteio frenético, com todos os inimigos apontando as armas na direção do jogador. Mas o centro de todo o barulho vinha das armas nas mãos deles. Resultado? O Alien foi atraído e aniquilou todos os inimigos. Amanda Ripley consegue fugir.
São tantos fatores que criam um senso de surpresa que chega a ser triste pensar que o mesmo não pode ser dito dos androides, também chamados de Working Joe. Pode soar irônico, mas esses personagens são extremamente mecânicos, engessados e previsíveis. Embora sejam lentos e fáceis de fugir, o jogo, às vezes, dependeu muito de puzzles para alguns trechos com as presenças deles, já que as ferramentas disponíveis não davam conta da quantidade de inimigos. O jeito, muitas vezes, era deixar a personagem agachada e se mover conforme a rota programada dos robôs ou, até mesmo, correr e tentar evitar ser pega.
Outro ponto não tão positivo é o mapa. Embora o radar possua uma espécie de bússola que guia o jogador para o objetivo, há diversos momentos que fica fácil se perder nas idas e vindas entre elevadores e transportes para outras partes da estação. É absolutamente admirável o quão bem feita e plausível é a arquitetura do jogo, com os cenários não envelhecendo e sem problema algum na questão gráfica, mesmo anos depois. Ainda assim, a criação de um labirinto pode até ser um conceito bom para aumentar a tensão de se perder com um bicho bem pior que um minotauro te perseguindo. Todavia, em momentos mais monótonos da história pode gerar, sim, uma frustração quando o mapa não oferece indicações claras.
Alien: Isolation, porém, possui boas performances nas cutscenes, isto é, as cenas que são inseridas para conectar as fases do jogo e avançar na trama principal. São esses os momentos em que outros personagens começam a aparecer, como o paranóico Axel (Matheus Carrieri), o injustiçado Samuels (Paulo Ávila) e o delegado extremamente suspeito Waits (Hélio Vaccari). Nenhum desses personagens particularmente encanta, mas conseguem alcançar o nível de dramaticidade necessário em momentos marcantes. Nesse sentido, a narrativa acaba em uma situação complicada: para poder causar a sensação de isolamento pela jogabilidade, diálogos para quebrar o silêncio não são exatamente recorrentes.
A personagem de Amanda Ripley (Fernanda Bullara), inclusive, poderia se tornar menos interessante justamente por conta desse silêncio constante. Felizmente, isso não acontece. Em diversos momentos, é possível perceber como ela se demonstra uma personagem criativa, extremamente capacitada e bastante direta com os outros, pois sabe que não tem tempo a perder. Amanda parece muito com a própria mãe, obviamente, mas possui uma camada maior causada pelo luto nunca processado.
Nesse sentido, dá a impressão de que ela já chega na aventura esperando algo de errado. A personagem segue o conceito apresentado em The Walking Dead, de que os protagonistas nunca viram nada parecido com zumbis, nem mesmo em filmes, e, por isso, sentem medo genuíno. Amanda Riley é uma personagem que nunca viu o Xenomorfo até o começo da história; no entanto, tem certeza, assim que o vê, que é a criatura mais mortífera da história do universo. É isso que a salva.
É essa mesma sensação de completa vulnerabilidade, mas ao mesmo tempo de empoderamento e determinação diante do desconhecido, que torna Alien: Isolation uma experiência eufórica para quem joga também. Toda a gama de sentimentos possíveis sentida pela protagonista são transmitidas para quem está segurando o controle. Se o Alien é o organismo perfeito, a sensação de conseguir escapar utilizando poucos recursos, escondendo-se estrategicamente e utilizando ferramentas de forma criativa, causa um alívio que poucos jogos de terror conseguem oferecer. Alien: Isolation é um deles, mesmo 10 anos depois.
Desde então, continuações espirituais – e bastante promissoras – inspiradas no game começaram a ser produzidas. Um jogo VR que está para ser lançado chamado Alien: Rogue Incursion, por exemplo, parece utilizar muitos elementos parecidos. Inclusive, demora aproximadamente cinco segundos lendo os comentários dos trailers de A Quiet Place: The Road Ahead (2024), inspirado na franquia Um Lugar Silencioso (2018), para encontrar comparações com o Alien: Isolation. Outra experiência que está por vir é Jurassic Park: Survivor, que aplica a fórmula em um cenário que também se passa bem próximo dos acontecimentos do clássico de 1993, dirigido por Steven Spielberg.
Além dessas influências mais óbvias, pode-se dizer que Alien: Isolation teve seus toques em outros jogos como Prey (2017) e Amnesia: The Bunker (2023). Até mesmo Fede Alvarez, diretor do recentemente aclamado Alien: Romulus (2024), revelou ter jogado o game perto do lançamento de Don’t Breath (2013) e gostou do quanto o Xenomorfo e os cenários inspirados na Nostromo ainda podiam aterrorizar nos dias de hoje. Felizmente, mesmo após uma década, a aventura infernal de Amanda Ripley ganhou um aumento de 328% na quantidade de jogadores simultâneos na Steam. De certa forma, se Alvarez foi influenciado, agora é a obra dele que inspira uma série de pessoas a revisitar ou, até mesmo, experienciar esse jogo pela primeira vez.
Para a surpresa e alegria de muitos fãs, justamente na data de comemoração dos 10 anos do jogo, o diretor criativo Al Hope anunciou nas redes sociais que uma sequência está em desenvolvimento. A Creative Assembly será, novamente, a desenvolvedora encarregada. Alien: Isolation teve, para o choque de muitos, uma continuação oficial anos atrás: Alien: Blackout (2019). Todavia, trata-se de um jogo para o celular e nos moldes da gameplay de Five Nights at Freddy’s (2014). O game foi desativado e não está mais disponível nas plataformas de aplicativos. Agora, basta esperar para ver se a próxima aventura de Amanda Ripley vai fazer jus ao primeiro capítulo e expandir as pontas soltas, mecânicas e potenciais narrativas e tecnologias que podem oferecer mais uma experiência inesquecível.
De forma geral, Alien: Isolation consegue trazer essa ‘ansiedade boa’ que somente as melhores obras do Terror oferecem. É o tipo de experiência que pode levar o dobro de tempo para quem sente medo até de correr em jogos do gênero para não chamar a atenção. Ainda assim, não há quem não sinta o tempo passar desfrutando dessa obra. Chega a ser impossível, depois de passar por tanta tensão, não esboçar um sorriso quando finalmente se desbloqueia o lança-chamas. Apesar de todo o estresse sentido por Amanda Ripley, o alívio quando o monstro vai embora também é sentido por quem segura o controle. Os sustos também, é claro. Muitos, muitos, muitos sustos mesmo.