Nilo Vieira
No último dia 18, Yu-Gi-Oh! Duel Links foi lançado oficialmente em território nacional. O game está disponível gratuitamente na App Store de dispositivos móveis, e suas únicas exigências são conexão com a Internet e permissão para compras no aplicativo – sem espionagem aqui, crianças, fiquem tranquilas!
As boas notícias não param aí. Os fãs do jogo de cartas físico enfim poderão aproveitar um título da série sem tantos prejuízos: graças à sacada esperta de colocar as regras originais acima de gráficos elaborados, Duel Links possibilita duelos mais dinâmicos, próximos ao que o baralho oferecia. Mas a parte visual não deixa a desejar, e tanto as animações 3D especiais como as representações dos monstros fora dos requadros das cartas são bem feitos.
Completam o pacote um catálogo vasto de cartas colecionáveis e vários personagens adicionais, que vão sendo desbloqueados conforme o jogador cumpre os requisitos. A nostalgia certamente despertará na geração que acompanhava o anime na saudosa TV Globinho (ou no canal pago Nickelodeon) e comprava os decks, tanto os originais caríssimos quanto as miniaturas piratas, compráveis com moedinhas. Apesar de não oferecer muita variação, a curva de desafio do game força constantes repensagens de estratégia, e assim se torna viciante – também ajuda a presença de um chat global embutido, que facilita na busca de novos duelos online.
Não que o aplicativo esteja isento de falhas: apesar do display centralizado fornecer uma visão panorâmica para o usuário, pouca explicação é fornecida em relação a cada comando. Pra piorar, conforme o jogador sobe de nível, vai recebendo mais e mais itens e logo se confunde (alguns deles só terão alguma serventia em fases mais avançadas). Mais comum do que pessoas te chamando para um duelo no chat, só gente perguntando: “pra que servem as moedas?”, “como uso as chaves?” e afins. A interface contraditória já se mostra como principal afungentador de menos aficionados, ao lado da trilha sonora pomposa.
Todavia, não é a primeira vez em que um título da série atrai público por seu funcionamento bizarro – há quinze anos atrás, saía na América do Norte o clássico cult-podrão de PlayStation, Yu-Gi-Oh! Forbidden Memories. A dificuldade vai do nível iniciante ao impossível em questão de minutos, e é simplesmente impossível alguém zerar o modo campanha em uma tacada só. As cartas mais fortes dos decks iniciais não costumam passar dos 1500 pontos de ataque, e conseguir monstros melhores é uma tarefa hercúlea: ganhar de um oponente difícil em dois turnos ou de um oponente médio em dez pode te render a mesma recompensa.
Além disso, as regras de Forbidden Memories quase nunca coincidem com as originais elaboradas por Kazuki Takahashi, e aqueles que não se rendem a detonados são forçados a experimentar novecentas possibilidades de fusões. O êxtase de gerar um “Twin-Headed Thunder Dragon” (ATK/2800 DEF/2100) muitas vezes é interrompido graças a uma carta intrusa na combinação, e com magias o negócio pode ser mais bizarro ainda (uma delas, por exemplo, só pode ser equipada a monstros chifrudos e bonzinhos).
Assim, quem se dispõe a usar seu tempo para finalizar o jogo não o faz para colecionar as cartas ou descobrir o final do enredo: a saga se torna um objetivo de elevação, tanto contra a máquina como em nível pessoal. O computador passa a ser um inimigo real para o jogador frustrado, que então se propõe a superar os vilões competitivos e os absurdos do sistema, simultaneamente. O pior é que ainda existe a hipótese de alguém zerar Forbidden Memories na sorte, com um baralho mediano, e depois ainda insistir em adquirir cartas poderosas – e lá vamos nós novamente…
Felizmente, em Duel Links essa insanidade é impedida – a dificuldade está lá, mas as opções para melhorar também. No entanto, a exigência por estratégias cada vez mais abrangentes também se revela complexa, e tende a afastar os impacientes após algumas rodadas. Novamente, uma análise mais próxima revela que o aplicativo funciona mais como exercício cerebral pesado do que como mera atividade lúdica infantil.
No fim, a polêmica afirmação feita pelo apresentador Gilberto Barros em 2003 não é isenta de verdade. Para uma franquia que nunca foi um real estouro no Brasil ainda atrair fãs, mesmo sem emplacar inovações e com defeitos escancarados, só com muita energia do Tinhoso™ ao redor. Mas há de se admitir que, embora cheio de entraves, os dois jogos são passatempos divertidíssimos – e ainda levam a vantagem de permanecerem firmes diante do teste do tempo, ainda que para um público restrito. Então comece a montar seu baralho e se prepare: é hora do duelo.
Um comentário em “Yu-Gi-Oh!: só o demônio explica”