Ana Clara Moreira
Após cinco anos desde seu lançamento, Skam deixa seu legado inovando não só a cultura do entretenimento para jovens, mas também propondo reflexões acerca da vida e experiências sociais. Inicialmente, quando comparada a famosa série Skins, Skam surpreendeu seus espectadores logo de início, pois trata-se muito mais do que só um drama adolescente qualquer. Ela fala sobre temas muito discutido atualmente, como ansiedade, depressão, sexualidade, estupro, religião, feminismo, uso de drogas, racismo, crimes virtuais, imigração, explorando muito bem cada um deles.
A série destaca-se na escolha de excelentes atores e diálogos de quatro a seis minutos, que antes eram considerados cansativos, agora faz com que a trama flua de maneira honesta e natural, da forma mais cotidiana possível, com debates atuais e sem romantiza-los. Isso faz com que Skam seja uma exceção das produções cinematográficas atuais, fugindo de conteúdos banais e tramas previsíveis.
A série norueguesa se passa na cidade de Oslo, contando detalhadamente a trajetória de Eva Kviig Mohn, Noora Amalie, Isak Valtersen e Sana Bakkoush pelo ensino médio. Cada personagem é protagonista de uma temporada que aborda a “vergonha” de cada um, tradução da palavra Skam. Ela é produzida e escrita por Julie Andem que, mesmo com um baixo orçamento, conseguiu construir uma narrativa esplêndida, com diálogos simples e palpáveis. A identificação dos jovens que assistem é de imediato, pois, mesmo mostrando a rotina e normas culturais da Noruega, a série retrata angústias e problemas vividos por adolescentes do mundo todo, como insegurança, preconceito e traumas.
Na primeira temporada vemos a narrativa através da perspectiva de Eva, uma menina insegura e sem muitos amigos. Nota-se que a insegurança da garota é consequência da falta de carinho de sua mãe e, principalmente, da inimizade com Ingrid, sua ex-melhor amiga. Como a história é contada através do ponto de vista da personagem, de início acreditamos que seu namorado, Jonas que traiu Ingrid, também está traindo-a. Mas, com decorrer dos acontecimentos, Eva trai Jonas. É comovente como Skam retrata todos esses dramas corriqueiros de forma palpável, aproximando o telespectador da protagonista, mostrando os intérpretes como pessoas normais que cometem erros e que se arrependem depois.
Durante os primeiros episódios Eva conhece Vilde, Chris, Noora e Sana. As cinco amigas formam um grupo para o Russ Bus, uma tradição anual em que os estudantes arrecadam e juntam dinheiro ou conseguem patrocínio para comprar e ornamentar um ônibus. Ele os levará pela estrada em festas insanas na primavera, no fim do colegial em março até o feriado da Constituição, no dia 17 de maio. Esse é um rito de passagem característico do fim da graduação do ensino médio norueguês. Mesmo que a razão delas terem se conhecido fosse para formar o grupo para o Russ Bus, durante a temporada, as meninas criam laços fortíssimos e protagonizam o squad da série.
Um dos maiores pontos positivos de Skam é que o seriado é fiel em retratar o jovem norueguês: seus dramas, estilo de vida e rotina. Festas, estudos, romances e debates políticos, tudo que vivenciamos cotidianamente. Exemplificando: quando as meninas estão fazendo uma reunião do Russ Bus, e Vilde acaba julgando Eva, chamando-a de vadia por ter traído Jonas, Noora diz a Vilde: “interessante como se descreve feminista, e chama outras garotas de vadias”. O que gera uma reflexão no grupo e no telespectador, sobre sororidade e representatividade, já que esse tipo de debate ocorre diariamente na vida de muitas mulheres, entre amigos, familiares e até mesmo desconhecidos, e é de extrema importância a abordagem desse tema em séries juvenis.
No final dessa temporada, Eva percebe que não age de acordo com seus próprios princípios, e decide mudar isso. Ela decide fazer as pazes com Ingrid e aproximar-se da mãe e, principalmente, valorizar a própria opinião, não apenas as dos outros. Assim sendo, temos o momento emocionante de término de Eva e Jonas, em que ela entende a importância do amor próprio. Observa-se o amadurecimento da personagem, processo em que todos passamos durante a adolescência.
Uma importante personagem da primeira temporada que merece ser destacada é Noora. Uma mulher muito politizada e que leva como lema de vida “todo mundo que você encontra está lutando uma batalha sobre a qual você não sabe nada. Seja gentil. Sempre”, torna-se a protagonista da segunda temporada. Com isso, aprendemos um pouco mais sobre seu passado e algumas de suas angústias, como se sentir abandonada pelos pais que estão em outro país.
No entanto, nessa temporada vemos uma Noora mais vulnerável e apaixonada por William, um dos bad boys da série, muito popular e que demonstra estar apaixonado por ela também. Mas reagir com violência perante a algumas injustiças vai contra a alguns princípios da garota, deixando-a acreditar que deve terminar o relacionamento. Então, Noora é aconselhada por Sana, que ressalta que é mais válido entender o porquê de alguém agir do modo que age, do que julgá-lo errado e romper o namoro. Por conseguinte, a dupla entende que existem muitas diferenças entre eles, mas também muitos pontos em comum e, por respeitar as diferenças e amadurecerem juntos, formam um dos casais mais queridos de Skam pelos fãs.
A segunda temporada aborda temas ainda pouco discutidos no Brasil, como o estupro e suas consequências. Noora acredita que foi estuprada pelo irmão de William, Nico, e se sente extremamente culpada e enojada pela situação. Isso a atrapalha nos estudos e em suas relações sociais, pois é intimidada por Nico, que ameaça espalhar fotos nuas da garota. Felizmente, suas amigas a ajudam a se sentir menos sozinha e buscam assistência da legislação, e conseguem se livrar do garoto de uma vez por todas.
Culturalmente, as leis na Noruega são seguidas de forma muito restrita, diferentemente do Brasil, onde quem denuncia algum abuso sexual, muitas vezes, não consegue o auxílio necessário, fazendo com que a população não acredite nas leis que existem para proteger os cidadãos. Porém, quando nós, brasileiros, vemos um exemplo de como deveria ser se a lei fosse respeitada e cumprida de forma efetiva, o impacto é grande, de forma a nos proporcionar expectativa de um futuro melhor e algo pelo que lutar.
Já na terceira temporada de Skam, o protagonista é Isak e, dessa vez, conseguimos ver através do ponto de vista dos garotos: Isak, que fora apaixonado por seu melhor amigo, Jonas, se apaixona por Even, o novo aluno do colégio. Assim como anteriormente, o protagonista tem dificuldade em comunicar-se com seus pais, principalmente porque sua mãe é religiosa, e ele tem medo de não ser aceito por ela nem por seus amigos. No decorrer dos capítulos ele percebe durante uma de suas conversas com Sana que “o ódio não vem da religião, vem do medo”, e revela sua sexualidade para seus pais e amigos, que o aceitam como ele é.
Entretanto, Isak descobre que seu namorado, Even, sofre de transtorno bipolar, desconhecido por muitos, mas comum no Brasil e no mundo. Vemos, então, a dificuldade em conviver com uma pessoa com esse distúrbio, mas, ainda assim, continua sendo um ser humano que chora e ri como qualquer outro, e que merece ser amado. Nesse ponto, temos uma das frases mais emblemáticas de Skam: “Alt er love”; significa “tudo é amor”. Observa-se, então, a importância do companheirismo e lealdade em nossas relações sociais, e em como podem se tornar profundas quando o amor é quem nos guia.
Por fim, na quarta e última temporada de Skam o público tem um contato maior com Sana, uma garota muçulmana que sofre muitos julgamentos em sua vida. Desde o início da série ela foi alvo de preconceito por causa de sua religião, inclusive por parte de suas melhores amigas. Eles a julgavam pelo fato de não ter relações sexuais, usar o hijab e até mesmo ir às festas mas não ingerir bebida alcoólica. Sana se manteve, aparentemente, calma e impenetrável durante os primeiros anos de Skam. Mas agora ela está mais vulnerável e sente-se insuficiente, pois não se encaixa totalmente nem dentro da cultura muçulmana, nem na cultura norueguesa. Além disso, sua recente paixão por Yousef, um garoto não muçulmano, torna tudo mais complicado para ela.
Durante essa temporada, a raiva que Sana sente por toda a opressão que sofre por causa da sua religião e gênero, que antes era despercebida, agora está à flor da pele. Pois estão a impedindo de ser feliz, fazendo com que aja com impulso, magoando seus amigos e afastando-os. Porém, como antes, a série traz muita realidade em seu roteiro e Sana, com a ajuda de seus entes queridos, consegue enfrentar os medos e angústias que a atormentavam, mesmo ainda que tenha de viver com eles por muito mais tempo. Ela torna-se uma inspiração para muitos, pois é uma mulher com forte convicção, alguém que está sempre questionando o seu arredor sem desrespeitar o próximo.
Apesar de não incluir todas as minorias sociais que são oprimidas na sociedade atual, como deficientes físicos, transsexuais e protagonistas negros, Skam chega muito próximo disso. Ademais, a diretora Julie Andem vendeu os direitos autorais da série antes mesmo do fim da quarta temporada, abrindo espaço para que outros países façam sua própria versão de Skam. Mesmo não obtido o mesmo impacto que a produção original, as outras versões exploram a cultura de cada país e apresentam maior diversidade dentre as minorias citadas, enriquecendo cada vez mais o papel da série em inovar e adaptar a indústria do entretenimento.
Skam superou todas as expectativas esperadas de uma série que retrata o dia a dia de adolescentes no ensino médio e, acima de tudo, mostra a importância da amizade em todos os momentos. Ela exibe como todos estamos conectados uns aos outros e como as emoções podem se espalhar tão facilmente. Pois, como dito por Jonas na última cena do seriado: “o medo se espalha, mas com sorte, o amor também”.