A jornada pela mente fragmentada de um protagonista não-confiável e a busca pela superação
Isabela Batistella
Com a produção do jogo datando desde 2014, OMORI foi publicado na Steam (plataforma de jogos online para PC/Mac) no dia 25 de dezembro de 2020, pela desenvolvedora e ilustradora independente OMOCAT. Baseado na webcomic da diretora, hikikomori – termo em japonês que se refere a um indivíduo que escolheu se isolar socialmente por extensos períodos de tempo – a história segue a trajetória de Sunny e seu alter ego Omori, explorando um mundo de sonhos surreais e a realidade.
O primeiro cenário do jogo, que será retomado algumas vezes ao longo da história, é o chamado White Space (Espaço Branco). E é justamente isso mesmo. Nele, o personagem encontra apenas um notebook, seu gatinho Mewo, um caderno de desenhos e uma caixa de lenços “para limpar sua tristeza”. Além disso, uma lâmpada negra pendurada no teto. Não é possível enxergar nada nela: é a ausência de pensamentos e ideias.
Diversas mãozinhas vermelhas estão espalhadas ao longo do looping em branco, como se estivessem tentando manter o personagem dentro daquele espaço confinado. Uma porta aparece de vez em quando, e, ao sair, o charme de OMORI se apresenta ao jogador. Conhecemos seu grupo de amigos: Aubrey, Kel, Hero, Mari e Basil. A maneira com a qual esses personagens interagem é extremamente delicada, sendo capaz de despertar sentimentos de nostalgia e carinho ao longo do avanço da narrativa.
O mundo a ser explorado apresenta elementos surreais e fantasiosos. Cenários e npc’s (non-player characters) são representados de forma onírica, com uma paleta de cores colorida e suave, em tons pastéis. Após a apresentação, a história começa verdadeiramente: um dos amigos de Omori, Basil, desaparece, deixando para trás apenas uma mancha negra no chão. A jornada se inicia, e o grupo parte em busca de seu amigo perdido.
A jogabilidade, criada em RPGMaker, com clara referência de jogos como EarthBound e Yume Nikki, é um refresco durante o jogo. As batalhas ocorrem contra inimigos excêntricos, muitas vezes animais ou frutas, sendo divertidas e dinâmicas. As emoções são exploradas nesse quesito: é possível interagir com os companheiros de time durante as batalhas, alterando suas emoções (raiva, alegria, tristeza e medo) – cada qual com uma vantagem e desvantagem dentro da luta.
O aspecto psicológico
Conforme avançamos na narrativa, descobrimos que o protagonista não é exatamente confiável, e que sua mente está cheia de armadilhas e cortinas de fumaça que escondem a verdadeira face da sua depressão. Ao sair do mundo dos sonhos e entrarmos na realidade, nos deparamos com Sunny: um adolescente solitário, que não sai de casa há muito tempo e que irá mudar de cidade em cinco dias. Apesar de sua aparência e personalidade serem semelhantes ao seu alter ego Omori, é possível notar algumas diferenças, sendo uma delas a ausência de amigos.
A temática de depressão e ansiedade é extensamente abordada e pode ser considerada uma constante dentro da história. O time de desenvolvedores não teve medo de explorar as nuances dessa doença psíquica, que é o ponto de partida para a narrativa fantasiosa e até mesmo as atitudes do protagonista. No mundo real do jogo, descobrimos que uma tragédia aconteceu há alguns anos, e esse foi o motivo do afastamento do grupo de amigos e do eventual isolamento de Sunny, que passou a ser assombrado por visões que ele chama de Something (Algo).
Em OMORI, nada é o que parece. Enquanto nos aventuramos no mundo dos sonhos, exploramos, ao mesmo tempo, a mente fragmentada e traiçoeira de Sunny – e sua fuga da ‘verdade’, que catalisa seus traumas e sua depressão. O que se inicia como a busca por um amigo perdido se torna, aos poucos, a busca pelas memórias que o personagem enterrou nas camadas mais profundas de sua mente, que podemos chamar de Black Space (Espaço Preto).
O jogo bebe da fonte psicológica sem medo, tanto para os elementos de terror quanto para os narrativos. É possível associar os eventos que Sunny passa ao longo da história a um fenômeno chamado Amnésia Dissociativa, que, segundo a Ph.D. em psiquiatria Megan M. Hosein, “incorpora elementos de estados de fuga psicogênica, memória reprimida e amnésia traumática”, sendo o conceito de repressão relacionado a eventos traumáticos e PTSD (Estresse pós-traumático).
Em alguns momentos da narrativa, o jogador precisa fazer algumas escolhas. Mesmo as mais simples, como escolher ou não atender a porta em determinado momento, podem alterar a trajetória do jogo e seu final. São duas as rotas possíveis no jogo: a Rota do Sol, onde se escolhe sair de casa no ‘mundo real’ – com dois finais principais, um bom e um ruim; e a Rota Hikikomori, que não explora a Cidade de Faraway verdadeira e se passa majoritariamente no mundo dos sonhos.
OMORI é um jogo delicado, até mesmo nos seus aspectos de terror psicológico, e trata a superação dos medos, doenças mentais e traumas de forma suave. Não é para todos, certamente, pois seus tópicos sobre depressão, automutilação e suicídio podem servir de gatilho para algumas pessoas. No entanto, é uma trajetória divertida e envolvente, cheia de surpresas e plot-twists que não deixam de fascinar o jogador desprevenido. Se você é fã de RPG, não pode perder essa experiência brilhante.
Ótimo texto! Sempre tive um certo interesse nesse jogo, mas estava enrolando para finalmente começar a jogar, mas depois dessa leitura vou começar assim que eu puder