Jamily Rigonatto
Para a Física, a luz é uma onda eletromagnética com frequência suficiente para ser visível aos olhos humanos. Em Objetos de Luz, ela ganha esse e outros milhões de significados incabíveis em definições exatas e numerológicas. No documentário, dirigido por Acácio de Almeida e Maria Carré, a luz é o ponto que amarra o início e o fim. Pertencente à Competição Novos Diretores da 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o filme nos dá a certeza de que a luz nos eterniza.
O cenário não poderia ser mais metalinguístico: uma produção cinematográfica construída em meio a pilhas e mais pilhas de bobinas de vídeo. Os retroprojetores indicam a que vieram e se tornam protagonistas de uma narrativa singular. Objetos de Luz é, entre muitas coisas, um filme sobre memória. Lembranças guardadas uma a uma por lentes que captam imagens além do tempo e as sintetizam em maquinários para o futuro.
A produção ganha uma voz, o Homem da Luz. Enquanto a fotografia – também responsabilidade de Acácio de Almeida – desemboca em uma viagem a múltiplos destinos, o narrador expõe reflexões mais plurais ainda. Assim, a história de Objetos de Luz se dedica a esclarecer os intimismos da iluminação. São citados os fótons, as estrelas, os reflexos e tudo que há de teórico na função da luz.
Entretanto, o destaque fica para aquilo que não é teórico, as partes difíceis de mensurar em qualquer conceito pronto. Do dar à luz ao ir para a mesma, a existência humana é atravessada por raios presentes até na formação das imagens a partir da visão. Os efeitos que transformam nossas vivências em cenas vívidas transgredindo para todos os aspectos de ser humano.
No Cinema, a luz faz parte do processo da captação da imagem, ilumina os rostos que dão vida aos roteiros e é dimensionada em um objeto que precisa dela para reproduzir o que gravou. Um ciclo capaz de congelar o tempo em imagens incapazes de serem vividas novamente, mas passíveis de serem assistidas infinitas vezes e causar efeitos em todas as histórias que as cruzarem.
O longa se dispõe a muitas coisas; com certeza, homenagear o Cinema é uma delas. Assim, suas montagens imprimem em imagens cinéticas a capacidade brilhante dos enredos memoriais como um dos mais importantes produtos da luz. Sejam interpretadas ou fruto da espontaneidade, tudo que é gravado e abrigado em um filme ganha uma passagem para a vida eterna.
Mostrar essa fascinação à luminescência das produções audiovisuais retoma uma questão muito pessoal para Acácio de Almeida, já que sua trajetória na fotografia cinematográfica é de longa data. O português tem um histórico vasto em colaborações com diretores como António da Cunha Telles, Paulo Rocha e Rita Azevedo Gomes, e agora traz sua esposa, a atriz Maria Carré, à espreita desses holofotes.
E é essa intimidade que faz Objetos de Luz perder a força nos interesses dos telespectadores. A obra é uma ode às contemplações, mas se perde nos subjetivismos de Acácio. São precisos poucos minutos para ficar óbvio que o filme é muito mais relevante para ele e seu universo pessoal do que para quem chega de surpresa procurando uma narrativa por passatempo. Dessa forma, nos sentimos de fora, invasores de pensamentos particulares demais.
Sem diálogos corridos e uma disposição temporal lógica, a proposta é incitar algum pensamento – talvez até fazer o público enxergar a luz de novas maneiras. Em cerca de uma hora, o documentário esmiúça cada partícula da iluminação em suas singularidades e infinitudes. Aquilo que vemos e o que não, fundidos em imagens colocadas lado a lado.
Não é como se Objetos de Luz fosse um filme apaixonante, mas carrega consigo sinceridade e delicadeza. O retrato é sensível e nos coloca para pensar na luz para além das lâmpadas. Seja no nascer ou no morrer, nossas vidas não passam de raios luminosos caminhando de um lado a outro na espera de algo que nos torne imortais.