Juliana Dal Ri Galina
Mesmo com o sucesso da série Bridgerton, da Netflix, criada por Chris Van Dusen e produzida por Shonda Rhimes, a autora Julia Quinn já era muito recebida e aclamada por fãs ao redor do mundo. A coleção, contendo nove livros, apresenta romance numa idealizada aristocracia londrina por volta de 1800. Com um extra, cada conto foca em um dos 8 jovens da família. No entanto, hoje vamos levar em pauta o primeiro e mais querido da escritora, O Duque e Eu.
A história de O Duque e Eu é o ponto de partida ao universo Bridgerton, pessoas ricas e de grande influência, que apresenta a sociedade a nossa protagonista, Daphne Bridgerton. Amável e querida entre todos, Daphne mesmo assim enfrenta problemas no que diz respeito a conseguir achar um marido, já que todos a consideram uma irmã e amiga, e não uma potencial esposa.
Além disso, temos o ciúme de seu irmão mais velho, Anthony, para complicar sua situação. A história muda quando há a entrada do mais novo e cobiçado duque de Hastings, Simon Basset. Ao contrário de Daphne, Simon não almeja casamento algum e tenta fugir das mãos das determinadas mães casamenteiras, e é aí que os dois traçam um acordo: encenar interesse um pelo outro a fim de, por um lado, trazer atenção a debutante, e, de outro, fazer o efeito contrário ao evitar olhares.
Uma característica única em O Duque e Eu e nos outros romances da saga é a presença de uma misteriosa escritora de boatos, uma colunista sagaz e satírica que adora expor segredos da alta sociedade, sem censurar ou deixar de contar o nome de ninguém. Isso traz um aspecto muito divertido nos livros, pois, além de fazer o leitor se deliciar com os comentários cômicos de Lady Whistledown, pseudônimo da colunista, ainda nos prende a curiosidade de tentar descobrir quem é a autora fofoqueira, garantindo a leitura dos próximos contos.
Mais tarde, diante de muitas confusões hilárias, embaraçosas e até sérias, como duelos, Anthony demanda o casamento ao seu amigo duque a fim de evitar qualquer boato ruim em cima da reputação da Bridgerton – ordem que Simon teve de, literalmente, quase morrer para aceitar. E todos nós, amantes de romances de época, sabemos o que isso dá – o desenrolar dos sentimentos mútuos entre as personagens. Até aqui a história não apresenta falha alguma. Pelo contrário, é prazeroso ler os dramas e as situações que o casal passava com cada escândalo que Lady Whistledown publicava ou das cenas quentes e amorosas (nada pesadas ou exageradas como em After) descritas por Julia Quinn.
A problemática de O Duque e Eu começa quando Simon diz não poder ter filhos, estragando o sonho da nova Sra. Basset em ser mãe. Mas o que depois descobrimos é que na verdade, devido a crises pessoais, Simon não quer herdeiros e se aproveita da inexperiência sexual de Daphne para terem somente o coito interrompido. Mesmo sendo algo muito errado, não se compara com a vingança da duquesa, a comissão de um estupro. Isso mesmo, você não leu errado.
A obsessão em ter uma vida maternal igual a da mãe mais o descobrimento da mentira levou Daphne, durante um cochilo de Simon, a montar em cima deste e fazer o ato. Mesmo o duque estando sonhando como sua parceira, ele não estava em hipótese alguma consciente do que realmente era sonho e realidade, tanto que está mais que claro que não gostou nem um pouco.
Os olhos dele se fixaram nela com uma expressão estranha e suplicante, e ele fez uma fraca tentativa de se afastar.
Daphne o segurou com toda a sua firmeza. […]
Os olhos de Simon se abriram quando ele se deu conta, tarde demais, do que havia feito. Ela tinha feito aquilo de propósito. Tinha planejado aquilo.
Daphne o excitara enquanto ele dormia, se aproveitara dele enquanto ainda estava bêbado e o segurara dentro dela até que ele despejasse sua semente em seu corpo.
Arregalou os olhos e a encarou.
– Como você pôde? –indagou num sussurro.
(Cena de O Duque e Eu, Julia Quinn)
O mais infeliz de tudo é a romantização que Julia Quinn faz em cima disso. A escritora nos faz pensar que o sexo foi errado, mas nobre, e que a personagem não se sente arrependida: “Não estava envergonhada do que tinha feito […] e pensara: Ele ainda deve estar bêbado, então posso fazer amor com ele […]”. Confesso que fiquei muito decepcionada, pois estava realmente gostando de O Duque e Eu e isso é algo que não se deve ignorar. Não importa se Simon magoou Daphne primeiro ou se ele estava gostando, não foi consentido.
Não é muito comum um estupro com um homem como vitima, mas não se pode, em hipótese alguma, ser ridicularizado ou deixar de ser levado em conta. Talvez Julia Quinn não tenha percebido esse erro quando escreveu, mas aconteceu. Não se pode negar ou fechar os olhos e é aliviante ver que, até mesmo os fãs, não fazem isso.
Então, eu aconselho a você, leitor, que leia os outros livros da autora, como O Visconde Que Me Amava (que é o menos problemático da saga), e Mais Forte Que O Sol, da série Irmãs Lyndon. Ou se for ler O Duque e Eu ao menos o faça com atenção e muita consciência das controvérsias que o livro traz. Vale ressaltar que toda leitura deve ser feita com esse olhar, independente do gênero e autor!