Matheus Fernandes e Nilo Vieira
O mês de julho realmente foi um período de férias: mesmo com discos esperados e álbuns acima da média, o saldo foi de vacas magras. Mesmo assim, não foram 31 dias perdidos – cá estão oito lançamentos que merecem o seu tempo e atenção.
2814 – Rain Temple
ambiente/ eletrônico
Em 2015, enquanto o mundo ainda se prendia à discussão sobre o gênero vaporwave estar morto ou não, o duo 2814 não deu a mínima e lançou o elogiado Birth of a New Day, que estreitou de vez as ligações do estilo com longas ambientações e foi crucial para uma evolução estética (em um ramo que já dava sinais de saturação).
Neste novo álbum, a parcela de vaporwave no som do 2814 é ínfima, mas isso não desqualifica Rain Temple de maneira alguma: em mais de uma hora de música, o disco proporciona um constante relaxamento ao ouvinte – ainda que permeado por doses de solidão, como a bonita capa ilustra – e a longa duração passa num piscar de olhos. Se você costumar passar madrugadas em claro ou gosta de música para se concentrar em atividades mais leves, cá está uma ótima opção de trilha sonora. (JG)
Aphex Twin – Cheetah EP
Eletrônico
Terceiro lançamento oficial desde que o pioneiro Richard D. James voltou às atividades com o nome de Aphex Twin (fora isso, o músico havia disponibilizado um caminhão de composições em sua conta no Soundcloud), Cheetah olha sem pudor para o passado: o ep foi nomeado a partir de um sintetizador retrô – uma fixação declarada de Richard – e todas as suas faixas remetem instantaneamente ao estilo que tornou o produtor conhecido (e que seria copiado e pasteurizado milhares de vezes nos anos seguintes).
Apesar de não buscar inovações ou mesmo se reinventar, as sete faixas que compõem o disquinho são sólidas e só reforçam a discografia impecável do Aphex Twin. Como bônus, ainda foi lançado o primeiro clipe do projeto em 17 anos, dirigido pelo mesmo adolescente que o estrela. (NV)
Clams Casino – 32 Levels
hip-hop/ cloud rap
O produtor de hip-hop que alguns anos atrás popularizou o cloud rap e impulsionou a carreira de gente como A$AP Rocky lança seu primeiro álbum, 32 Levels. Seu estilo etéreo com samples inconvencionais, como Imogen Heap em I’m God, sonoridade única no período, chamou atenção para suas mixtapes instrumentais, que fizeram mais sucesso que as próprias versões trabalhadas. No disco, Clams vai além do hip-hop, e se aventura na produção de faixas de R&B e até pop. Também se destacam as participações do rapper Lil B, colaborador frequente.
Álbuns organizados por produtores dificilmente dão certo, mas a sonoridade bem definida do músico ajuda 32 Levels. Se tudo der errado, é possível ouvir a versão instrumental das faixas, onde seu trabalho se destaca ainda mais. (MF)
Gucci Mane – Everybody Looking
hip-hop/trap
Gucci Mane é um dos pioneiros do trap que domina o hip-hop (e o pop, e o eletrônico) mainstream dessa década. Muito antes de Future, Chief Keef e Young Thug, Mane já lançava dezenas de mixtapes com essa sonoridade, com seu primeiro single de sucesso já em 2005, com Icy.
Agora, fora da prisão depois de um período de três anos e longe das drogas, lança seu nono álbum de estúdio, Everybody Looking, produzido por Mike Will e Zaytoven, onde capitaliza sua própria influência em parcerias com nomes gigantescos como Drake e Kanye West. O disco não tem originalidade como um de seus pontos fortes, mas em um ano de decepções no gênero, cumpre o que promete com uma série de bangers que vão ditar o tom das festas no resto do ano. (MF)
The i.l.y’s – Scum With Boundaries
noise pop/synth punk
O i.l.y’s é um dos projeto paralelo dos anarquistas do Death Grips, conhecidos por seu hip-hop experimental e barulhento e por seu aspecto performático, com enigmas na deep web, shows inexistentes e capas de disco controversas. O grupo chegou inclusive a anunciar seu fim em 2014, e mesmo assim, Scum With Boundaries é seu terceiro álbum só neste ano.
Aqui Zach Hill e Andy Morin, sem MC Ride, se dedicam ao lado mais punk rock da banda com a bateria violenta de Hill, riffs pesados de guitarra e sintetizadores, tudo coberto em várias camadas de reverb. Junto a isso há uma sensibilidade pop para os refrãos, o que dá um ar de noise pop que lembra No Age em alguns momentos, Animal Collective em outros, superando o experimento do primeiro disco, “I’ve Always Been Good At True Love”. (MF)
Jamila Woods – HEAVN
R&B
O R&B é um gênero que não para de render bons discos nesta década – só este ano o Blood Orange e a diva pop Beyoncé já lançaram dois dos álbuns mais elogiados pela crítica especializada até o momento, e é muito provável que o cantor Frank Ocean entre na conta com o aguardado sucessor de channel ORANGE (2012).
Mas nem só de nomes consagrados vive o estilo, como a debutante Jamila Woods mostra em HEAVN. Com forte cunho político (mas sem cair em didatismos pedantes) e ritmos contagiantes, o álbum exala frescor e grooves lisérgicos (nomes do quilate de Chance the Rapper e o grupo The Roots marcam presença, vale ressaltar), separando a cantora de artistas genéricos e já apontando para um caminho promissor. (JC)
Shura – Nothing’s Real
synthpop/ r&b
Catapultada ao sucesso por um single autoproduzido no Youtube, a cantora descolou um contrato com uma major, entrou na lista de promessas para 2015 da BBC e viu sua vida mudar. Esse período serviu de inspiração para seu debut, Nothing’s Real.
Seguindo a linha de Chvrches e Haim, a cantora homenageia o Synthpop dos anos 80 de gente como Prince e Janet Jackson. Ainda que a proposta pareça sobreexplorada, os toques de R&B e hip-hop e as letras confessionais fazem de Nothing’s Real um dos destaques pop do ano até agora. (MF)
The Avalanches – Wildflower
Eletrônico, hip hop
Álbuns de retorno bons, no geral, são uma frustrante minoria – quando se passou muito tempo e o antecessor foi amplamente elogiado, então, essa porcentagem aumenta ainda mais. Porém, toda regra tem sua exceção, e cá está o segundo disco do grupo australiano The Avalanches para comprovar.
Sucedendo o já clássico Since I Left You (2000), o conjunto aposta em parcerias certeiras tanto com rappers consagrados como novos destaques do gênero e em uma aura psicodélica que certamente agradaria o cast do Woodstock original. Bastante coeso, Wildflower é capaz de arrancar o sorriso no rosto de qualquer um – seja pelo alto astral das canções e/ou pela qualidade das mesmas. (EU)