Um escaravelho, algum suspense e vários clichês

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Danielle Cassita

Uma boa forma de reviver um clássico da literatura infanto-juvenil é trazê-la de volta como filme, e foi o que aconteceu com O Escaravelho do Diabo. O livro de Lúcia Machado de Almeida foi lançado na década de 70, e traz uma história que mescla o suspense policial com terror. Na pequena cidade do Vale das Flores, os ruivos estão sendo assassinados por um serial killer. Antes de morrerem, recebem um escaravelho.

A primeira vítima é Hugo, irmão do estudante de medicina Alberto. O primeiro ruivo é encontrado com uma antiga espada cravada no peito, e o irmão não faz a menor ideia dos motivos que levaram alguém a tirar a vida do rapaz daquela forma. Porém, assim que o delegado Pimentel se encarrega do caso, Alberto trata de se envolver com as investigações.

E aí está um dos primeiros deslizes da história. Embora aceitável pela época em que o livro foi escrito, a autora abusa dos elementos clássicos das histórias policiais: um personagem principal mais ágil e com deduções melhores do que as da polícia, uma mansão com diversos suspeitos em potencial e, para não deixar uma lacuna, as relações amorosas estereotipadas de Alberto. Ele namorava Rachel, uma bela ruiva que se interessa por homens em posições de poder e com dinheiro. Porém, ao conhecer Verônica – moradora da mansão e possível culpada -, se apaixona perdidamente por ela. Aliás, paixão um tanto estranha essa, já que permite expressões como “fica tão feia assim zangada” quando a moça se irrita com as acusações que recebe.

Pimentel é o típico personagem policial que abre espaço para que outro tome a dianteira, já que é Alberto quem percebe a relação entre os escaravelhos e as vítimas: o nome científico do inseto indica como a morte ocorreria. Porém, nem mesmo assim eles conseguem impedir as mortes que, embora poucas, continuam ocorrendo até o final do livro. Então, a trama policial é pausada e o capítulo seguinte pula 5 anos na história, mostrando um Alberto já formado e em contato com profissionais de sua área na Europa. É num contato desses que ele descobre quem era o assassino e, ao ligar os pontos, volta para o Brasil e revela sua descoberta à polícia. Ainda, ele se reencontra com Verônica. Porém, não, ainda não é o final.

A autora encerra sua trama com um decepcionante e curto capítulo do nascimento do filho do agora médico com Verônica. O nome do bebê? Hugo.

Agora, voltemos a abril deste ano, que foi quando ocorreu o lançamento do filme baseado na obra. Direcionado também a um público infanto-juvenil – ou teen, nas palavras do diretor -, a produção tenta ser fiel à história escrita. Infelizmente, os esforços não deram tão certo assim.

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Primeiro, houve uma clara preocupação com a contextualização do filme: agora, Alberto é um menino, e mantém contato com a mãe por um tablet. Briga com Hugo por causa da moto do irmão, e na manhã seguinte já o encontra morto. Isso seria um ótimo gancho para dar fibra à atuação num momento de dor e tristeza, mas não. O fracasso ocorre na falta de expressão do garoto, que não consegue esboçar emoções nem mesmo quando é interrogado sem delicadeza alguma por Pimentel. Ele se mostra determinado apenas mais à frente da história, quando faz jus ao seu personagem do livro e também se envolve nas investigações.

Porém, se erra por um lado, o filme acerta em outro. Apesar de não ser profundo, há espaço para diversos debates na produção – e um deles é o delegado Pimentel, que está com alzheimer. Há também a figura romântica do jornalista como o guardião dos fatos, aquele que nunca deve fechar os olhos para o que está acontecendo. E, por fim, Alberto se envolve numa discussão com o padre da paróquia local – que, aliás, é a última vítima tanto no livro quanto no filme – sobre a fé, quando se encontra indignado com o que aconteceu com seu irmão.

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Outro momento de brilho vai para o cuidado tomado com o público. Além de nenhuma vítima ser mostrada diretamente, o clima de terror é leve, sendo estimulado pelo assassino encapuzado que espreita os ruivos da cidade e uma narração de voz rouca o acompanhando.

Se no livro havia diversas páginas dedicadas aos interesses amorosos do personagem principal, no filme não é diferente. Como estamos lidando com crianças, não há relacionamentos, e sim o primeiro amor dos garotos. Alberto claramente se interessa por Raquel, uma amiga da escola. Ela também incorpora sua personagem do livro e, assim como Rachel, é atacada pelo assassino, mas sobrevive e… bem, esse é o momento mais intenso dela. A atuação, como a do colega, não convence.

Parece que houve tanta dedicação para com a trama policial que não sobrou criatividade para as cenas finais. Logo após o incêndio que destrói a igrejinha da cidade, a cena seguinte é a de Pimentel finalmente decidindo – e aceitando – se aposentar. Depois, há o beijo do casal mirim principal, e acabamos aí. O encerramento é tão rápido e tão bruto que a sensação que fica é a de ter piscado e perdido algo no meio do caminho.

É importante ressaltar que essas observações foram feitas com um olhar adulto. Possivelmente, tanto o livro quanto o filme em questão devem divertir seu público, e o mais importante: ajudar a despertar o interesse por outras obras.

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