Felipe Nunes
Triângulos amorosos, traições, paixões não correspondidas, festas, pais controladores e jovens que desejam embarcar em suas próprias jornadas de autodescoberta. É a clássica receita de uma boa e trivial série teen que tem como pano de fundo as amizades e os amores vivenciados nos pátios do tão temido Ensino Médio. Em De Volta aos 15, as mesmas situações aparecem. No entanto, a configuração das narrativas escolhidas, e a forma com as quais são trazidas para a trama, mostram que a obra é bem mais que uma simples comédia romântica adolescente da Netflix.
Na recém-lançada produção nacional, já renovada para uma segunda temporada, conhecemos Anita (Camila Queiroz), uma mulher adulta que tentou ganhar a vida na grande São Paulo, mas volta à sua cidade natal, Imperatriz, para o casamento de sua irmã Luiza – interpretada na fase adulta por Mariana Rios. Lá, a personagem de Camila reencontra seus familiares e amigos, e, ao presenciar um deles trair sua própria prima (Yana Sardenberg), ela começa a expor verdades – não tão fáceis de serem ouvidas – para os convidados do casório.
O resultado dessa lavagem de roupa suja, em um momento impróprio, não é muito bom para a protagonista, que é reprovada pela figura mais importante ali presente: a noiva do casamento, sua irmã. Envergonhada pelo transtorno que causou na festa matrimonial, Anita, desolada, busca amparo em seu antigo quarto. Ali, abre seu computador e acessa sua página no Floguinho, uma rede social antiga de sua juventude. Lá, quando faz o login, ela acaba voltando aos seus 15 anos de idade, tendo a chance de reparar os erros que a levaram a ser quem ela é. Pode entrar, Anitah_Malukah2006!
Nos momentos iniciais, a sensação de que tudo se trata de um sonho é o que Anita, agora vivenciada por Maisa Silva, relata. Toda sua primeira viagem no tempo é considerada uma fantasia, ela só se dá conta de que tudo foi real quando volta ao presente e percebe que suas ações realmente modificaram sua vida. Para os amantes de exatas, a terceira lei de Newton sobre ação e reação pode explicar essa relação de causalidade.
Ainda perdida sobre como transitar entre seu passado e seu presente, a personagem percebe que realiza as viagens sempre que se conecta com sua antiga rede social. Descobrindo o funcionamento desses misteriosos passeios temporais, a protagonista tenta mudar o passado – a fim de que tudo fique da forma que sempre sonhou. O grande problema, no entanto, é exposto quando Anita, não satisfeita em mudar a sua vida, tenta mudar as histórias das pessoas que a cercam.
A trama central, então, se reconfigura. A história de uma adulta em decadência desaparece, suavemente. Surge uma nova narrativa: a mocinha vira anti-heróina. Nesse momento, a ambiguidade ganha espaço e a dúvida de não saber qual lado tomar é um dos grandes sentimentos que a série traz. Entendemos as motivações de Anita, sabemos de seu anseio em afastar as pessoas ruins de seus amigos. Mas, concomitantemente, observamos que ela mesma se torna uma pessoa ruim para aqueles que tanto ama – quando tenta mudar a vida deles.
A cada viagem, uma nova modificação é feita; algumas vantajosas, outras nem tanto. A questão não está em quem é beneficiado, e sim em quem é prejudicado. No meio de suas falhas tentativas em construir o futuro perfeito, a protagonista provoca o atropelamento de sua prima, Carol (Klara Castanho), e nesse momento percebe o quão destrutiva suas alterações no tempo podem ser. Além disso, desperta sentimentos em Joel (Antônio Carrara), que não só se apaixona pela protagonista como também desconfia das viagens no tempo, principalmente pelas informações do futuro que a própria deixou escapar para ele. Essa paixão repentina não era um sentimento presente na linha temporal original da vida de ambos.
Entristecida pelas consequências que suas atitudes causaram, a personagem de Maisa tem uma longa conversa com seu pai (Felipe Camargo) e percebe que para tomar o controle de sua vida, ela não precisa, e nem deve, controlar a vida dos outros. Encorajada a ser quem realmente é, Anita retorna ao presente segura de si, realizada profissionalmente e acompanhada de seu amor e melhor amigo, Henrique (Caio Cabral e Breno Ferreira), na cidade das luzes, Paris.
Tudo parece estar sendo a melhor versão futurística da protagonista, que decide então fazer apenas mais um ajuste final: salvar sua irmã – que, aparentemente, se tornou uma pessoa tão fracassada quanto a Anita dos primeiros episódios. No entanto, quando tenta regressar ao passado, para sua surpresa, ela não consegue. Isso porque, Joel (Gabriel Stauffer), já desiludido amorosamente e desconfiado há anos das viagens de Anita, decifra a senha do Floguinho da personagem. Invadindo a página Anitah_Malukah2006, quem volta ao passado é ele.
Os desfechos, que provavelmente servirão como pontapé inicial para a segunda temporada, parecem conduzir a história para a mesma situação que desencadeou tudo: o desejo de mudar o presente, alterando o passado. Dessa vez, por parte de Joel (Antônio Carrara e Gabriel Stauffer), um personagem que teve algumas camadas abertas durante a série, mas que ainda tem muito a contribuir.
Esse tipo de situação envolvendo viagens no tempo parece familiar, não? E de fato é. Durante os teasers, trailers e coletivas de imprensa da série – inspirada no homônimo livro de Bruna Vieira – as comparações com o clássico e insuperável De Repente 30 foram instantâneas, tomaram conta das redes sociais e fizeram com que muitos pensassem que a obra seria uma releitura do tão aclamado longa. Contudo, na série vemos uma inversão do que foi apresentado no famoso filme.
Se em 2004 Jennifer Garner e Christa B. Allen, intérpretes de Jenna Rink, contavam a história de uma adolescente que, com um pó mágico, é transportada aos seus 30 anos, a idade do sucesso, em 2022 temos Maisa Silva e Camila Queiroz interpretando Anita, uma adulta que quer ser jovem, mas dessa vez sem pó mágico, pois o portal temporal é sua rede social. A subversividade construída é muito bem alicerçada. Em De Repente 30, a jovem quer ser uma adulta bem sucedida e aproveitar o auge de seus 30 anos, enquanto, em De Volta aos 15, há uma adulta fracassada que enxerga nas viagens no tempo a possibilidade de mudar o futuro que a aguarda.
Embora possua uma enorme semelhança com outros filmes e séries que abordam viagens ao passado, De Volta aos 15 consegue um enorme feito: trazer a cultura brasileira para esse tipo de obra audiovisual. Por vezes, os referenciais cinematográficos e televisivos que temos desse tipo de história são de longas hollywoodianos, e é na transfiguração desse cenário que a façanha da trama ganha destaque. O mesmo vale para a composição da série, que é majoritariamente feita por mulheres, tanto na produção, quanto no roteiro e na direção, favorecendo a presença feminina na construção das narrativas. A direção é de Camila Magalhães e Vivianne Jundi e roteiro assinado por Renata Kochen, Bryan Ruffo e Alice Marcone.
O sentimento nostálgico é praticamente inato em quem assiste e tem alguma recordação – ainda que vaga – dos anos 2000. Essa nostalgia é construída em diversos elementos da série, que vão desde a trilha sonora, até a caracterização dos figurinos e penteados das personagens. Tudo é milimetricamente apresentado de forma sutil e aconchegante, como uma boa e velha lembrança deve ser.
Nesse clima de nostalgias, a obra ganha vida própria e conversa muito bem com as duas fases nas quais é ambientada. No entanto, somente entre as protagonistas, haja vista que as versões adultas de outros personagens não foram muito bem exploradas, como se apenas aparecessem para mostrar à Anita que ela precisa consertar outra coisa em seu passado. Pasmem: alguns apareceram apenas no primeiro e no último episódio.
De Volta aos 15 é uma série curta, facilmente maratonada em um final de semana, tendo em vista seus 6 curtíssimos episódios. Em sua segunda temporada, pode expor melhor outros núcleos. Abordando as facetas de personagens, como Fabrício, Joel e Luiza, que, diga-se de passagem, não tiveram um bom desenvolvimento. Em contrapartida, com um ótimo aprofundamento, temos a personagem Camila (Alice Marcone), que em 2006, na primeira fase, foi interpretada por Pedro Vinícius dando vida a Cesar. Essa sensibilidade na escalação trouxe representatividade para o arco das personagens para além da trama, já que as atrizes responsáveis possuem, de fato, lugar de fala para os conflitos, preconceitos e dificuldades que Camila e Cesar enfrentaram na pacata e interiorana cidade Imperatriz.
Todavia, é necessário pontuar que a construção das narrativas, ainda que com falhas na superficialidade dos demais personagens, transmitem a sensação de que devemos aproveitar cada instante de nosso agora, pois o passado já se foi, e como diria o memorável Rafiki, de O Rei Leão, “O passado pode doer. Mas, você pode fugir dele, ou aprender com ele”. A mensagem é uma verdadeira lição para refletirmos sobre as ações que nos levaram a ser quem somos, porque, ainda que tenhamos o desejo de alterar o passado, ele sempre será o responsável pela construção do presente de nossas vidas.
Nessa jornada de amadurecimento, percebemos que a Anita adulta nunca tinha existido, ela era na verdade uma jovem de 15 anos que não tinha crescido junto com sua idade. A experiência temporal vivenciada foi a responsável para que a personagem de Queiroz e Maisa, enfim, amadurecesse. E é assim que a série se despede até sua próxima sequência, que pode corrigir os erros de sua primeira temporada e entregar uma reflexão profunda, a qual ninguém imaginaria ter ao assistir uma série teen da Netflix, com um enredo, ilusoriamente, clichê.