Vitória Silva
Justin Bieber é o queridinho declarado da música pop, e tirar ele desse posto não vai ser tão fácil. Aos 15 anos de idade, o rostinho já conhecido de vídeos do YouTube deu entrada no mundo da música com seu álbum de estreia, My World. Seu carisma e rostinho adorável de imediato desencadearam uma pandemia fanática ao redor do globo terrestre, que, mais tarde, com o My World 2.0, o consagraria como o mais novo ídolo adolescente.
As mensagens de ódio e os haters surgiram na mesma medida, fosse por zombar do seu corte de cabelo ou por comentários homofóbicos sobre sua voz fina. Apesar da simplicidade de seus hits iniciais, com batidas contagiantes e ao mesmo tempo insuportáveis, não há como negar, o garoto tem talento. Seu dom musical pode não ser tão declarado pela conhecida Baby, mas, com certeza, já foi comprovado por seus trabalhos seguintes, o que ainda o mantém no topo das paradas e assuntos do momento em seus mais de 10 anos de carreira.
Em 2012, com o lançamento do Believe, Bieber mostrou um amadurecimento musical, em paralelo com seu crescimento e desenrolar da vida pessoal. O álbum digital, Journals, viria apenas reafirmar seu desenvolvimento, com toques de R&B afiados e letras de teor mais adulto. Mas foi apenas com o Purpose, em 2015, que o canadense conseguiu reconfigurar, de fato, a sua imagem para o mundo.
O agitado cotidiano de popstar não é um desafio fácil de lidar, visto diversas celebridades que têm suas vidas despedaçadas pelo estrelato, e com Justin não foi diferente. No auge do seu retorno triunfal, durante a Purpose Tour, o cantor cancelou todos os seus agendamentos para poder cuidar de sua saúde física e mental, e lidar com problemas como a depressão e abuso de drogas. E assim vieram outros anos de reclusão da doentia vida no show business.
O retorno definitivo aconteceu com seu álbum mais recente, o Changes. Após ter tanto tempo livre para um comeback monumental, Bieber optou por se remodelar por estilos diferentes do seu comum, mas anteriormente já explorados. E essa decisão culminou em um erro quase equivalente aos acúmulos de besteiras já cometidas pelo cantor.
Com sonoridades de R&B, trap e pop reunidas numa melodia completamente caótica e cansativa, Justin Bieber parece tentar recriar o Journals, e falha miseravelmente no processo. As mesmas batidas se repetem por todas as faixas, tal qual o álbum do Barões da Pisadinha, mas com muito menos estilo e personalidade. Escolher Yummy como single de lançamento não poderia ser outra coisa senão um prenúncio do apocalipse.
Como quase todos os seus trabalhos anteriores, o Changes se molda conforme a vida amorosa de Justin. Agora, sendo um homem casado, o artista compôs o álbum totalmente como uma serenata para sua esposa, Hailey Bieber. Outro fator enjoativo da produção, por querer reafirmar a cada segundo seus votos de casamento, entre letras que falam sobre o compromisso conjugal de ambos (All Around Me e Forever) e sobre a dificuldade da distância por questões profissionais (E.T.A.). Talvez fosse melhor ter se mantido nos melancólicos pedidos de desculpas para sua ex-namorada Selena Gomez.
Bieber ainda aproveitou para, novamente, lançar um documentário, dessa vez em formato episódico, contando sobre o processo de criação do Changes. Apesar de mostrar um perfeccionismo arrogante na produção de suas músicas, o cantor também apresenta seu lado mais vulnerável, após sua trajetória com problemas psicológicos e ser diagnosticado com a doença de Lyme. O que poderia ter resultado numa grandiosa trilha de superação, mas acabou por apenas repetir fórmulas antigas e defasadas de sua carreira.
A websérie de nome Seasons, lançada pelo YouTube, também mostra que, desde seus últimos trabalhos, o cantor passou a ter um domínio maior sobre a sua musicalidade e os caminhos que decide seguir. Em Changes, ele insiste em mostrar um desenvolvimento musical e pessoal, em contrapartida, parece ter entrado na febre mundial de criar músicas para viralizarem no TikTok, com batidas chicletes e simplistas, que nem se comparam às composições bem trabalhadas do seu álbum anterior.
A amostra de maturidade de Bieber com certeza iria resultar em letras com teor sexual, porém muito mal elaboradas, como a fatídica Come Around Me, que aparenta ter sido composta em cinco minutos no banheiro de um avião. Ironicamente, as melhores músicas acabaram por ser as que ele retorna para suas raízes do pop acústico e romântico, como That’s What Love Is e Changes.
Mais uma vez, Justin conta com colegas de longa data na produção, Josh Gudwin e Poo Bear, mas nem a maestria e cuidado de ambos foi capaz de impedir o estrago final do trabalho. E, falando em parcerias, os feats do álbum, que contam com nomes como Kehlani e Travis Scott, são o grande suspiro de alívio em meio às repetitivas faixas, já que ouvir vozes além da de Bieber deve ser o único diferencial que Changes foi capaz de entregar.
A pandemia de covid-19 acabou por barrar a difusão do álbum pelo mundo, por ter resultado no cancelamento de sua turnê agendada. Por outro lado, o cantor não insistiu muito em fortalecer a divulgação do projeto com performances e videoclipes. Tanto é que não demorou para iniciar uma nova jornada, com o lançamento dos singles Holy, Anyone e Hold On, que irão compor o álbum Justice, e, felizmente, mostram um retorno para onde ele nunca deveria ter saído: o pop.
Essa péssima volta musical ainda conseguiu resultar em algo bom para Bieber, e rendeu 3 indicações para o Grammy 2021, roubando o lugar de quem realmente merecia, nas categorias Melhor Performance de Pop Solo, Performance de Pop em Grupo/Duo e Melhor Álbum de Pop Vocal. No entanto, o fato da premiação não ter reconhecido o Changes em categorias R&B foi motivo de frustração para o cantor, mas a melhor indireta que a premiação poderia ter dado em anos.
Ao mesmo tempo que Changes é uma punição para os ouvidos, ele traz um ensinamento. Se reinventar no meio musical é essencial para se manter e se desenvolver como artista, mas realizar mudanças muito bruscas também pode ser um golpe fatal. E parece que Justin já entendeu o recado.