20 anos de Homogenic: Björk retorna ao lar

(Foto: Phil Poynter)

Leonardo Teixeira

Em uma entrevista concedida à revista americana Raygun, Björk afirmou que “Possibly Maybe” (quinto single de seu segundo álbum solo, Post) é uma canção que lhe causava “vergonha”. A islandesa sentia-se constrangida por ter composto uma música que não desse esperança às pessoas. Com o estrelato trazido por seus dois primeiros trabalhos, ela se jogou nas maravilhas do mundo para divulgar sua arte.

Pelo caminho, no entanto, a ex-Sugarcubes percebeu que o mundo é também um lugar de dor e caos. Homogenic (Elektra, 1997), seu terceiro registro de estúdio, é a volta para casa de Björk, que depois de passar por maus bocados longe de seu lar, só consegue esperar pelo melhor.

A Islândia é mesmo uma região peculiar: casa de 20 vulcões ativos e também da maior geleira da Europa, o país tem população menor que a da cidade de Petrolina (PE) e, devido a uma modernização tardia, sua cultura sempre foi centrada no folclore viking. Hoje, o interesse recente da população pela tecnologia e sua obsessão com o rural e o bucólico se fundem de forma quase mitológica na cultura islandesa.

Nascida na capital Reykjavík em 1965, Björk Guðmundsdóttir tem criatividade e talento tão explosivos quanto os famosos gêiseres que são cartão postal de sua nação. Soa natural, portanto, que, depois de explorar do house à bossa nova em seus trabalhos anteriores, a cantora tenha recolhido referências para criar um som que representasse seu país de origem. A dualidade resultante das orquestrações melancólicas e patrióticas — todas compostas pela própria artista e regidas pelo brasileiro Eumir Deodato, maestro preferido de Tom Jobim — e da música eletrônica é chave na construção desse conceito, que ainda que muito rico, é estritamente o que pede o título: homogêneo.

Filha de uma artista e de um eletricista, Björk teve desde muito cedo contato direto com o fazer artístico (Foto: Reprodução)

Os temas tocados nas composições também seguem a mesma constância, já que todas as letras foram escritas no ano anterior ao lançamento do álbum, período dificílimo na vida da cantora de “Venus As A Boy”: em setembro de 1996, Ricardo López, um “fã” obcecado por ela, enviou uma carta bomba (que foi interceptada pela Scotland Yard) para sua casa em Londres e em seguida cometeu suicídio. Um incidente violento com uma repórter em Bangkok também causou polêmica no mesmo ano.

Como uma forma de exorcismo dos demônios pessoais de sua compositora, Homogenic vem com a função de deixar uma mensagem positiva no mundo. A capa do registro, concebida pelo estilista Alexander McQueen, retrata uma guerreira cuja principal arma é o amor. A contraposição do clássico com o futurístico é também retratada na figura, que apresenta uma mulher em trajes tradicionais, mas de fisionomia quase robótica.

Ariga Tchan: a parceria entre McQueen e Björk rendeu em toda a direção de arte de Homogenic; a amizade dos dois durou até a morte do estilista, em 2010 (Foto: Reprodução)

Estudante de música clássica desde os 6 anos, Björk justapõe a disciplina dos arranjos tocados pelo Icelandic String Octet com experimentos eletrônicos que que tentam representar a geologia islandesa, conferindo uma estética vulcânica ao som, com chiados e quebras inesperadas. No entanto, estas duas frentes nunca se fundem: elas dançam lado a lado na duração do trabalho, floreando a voz única da intérprete.

Mais acolhedora, a primeira metade do registro se preocupa com a entrega constante de esperança, independente das circunstâncias complicadas. Além disso, aqui é maior o destaque ao lado “analógico” do som.

A triste “Unravel” é um conto de fadas sobre o desejo de reaver um amor que não existe mais. O otimismo do eu-lírico em uma situação que obviamente já fracassou torna a produção ainda mais desoladora; Thom Yorke, vocalista do Radiohead, nomeou a faixa como sua preferida de todos os tempos.

O britânico Mark Bell, membro do grupo de techno LFO, assina a produção da maioria das composições, e seu pioneirismo fica claro na sonoridade industrial e quase desconcertante da segunda metade do LP. Mais ásperas, as canções aqui querem excomungar tudo o que há de nocivo, explodir toda a raiva. A ingenuidade das faixas anteriores dá lugar a um realismo e crueza que Björk não está acostumada a retratar, corrompendo a persona lúdica e flamboyante que conhecíamos até então. O terceiro álbum de Björk (quarto, se considerarmos o trabalho lançado em 1977, quando ela tinha apenas 12 anos) é, além de mais maduro, mais denso. Menos imediato.

Não deixa, no entanto, de ser um trabalho que apenas a islandesa seria capaz de gravar, principalmente pelo epílogo euforicamente feliz. “All Is Full of Love” deixa uma certeza: você também é amado. O amor vem de lugares inesperados porque está em todos lugares, só nos bastaria procurar. Ao posicionar um relato tão esperançado na segunda metade do disco (a parte realista dele), Björk deixa claro que não está sendo ingênua por acreditar no amor. A guerreira do McQueen ataca novamente.

Fugindo da dor e do trauma, Björk se recolheu em um estúdio na cidade de Málaga, na Espanha, em um recuo do holofote que havia sobre ela desde que ficara famosa em todo o mundo. “Jóga” é sobre um porto seguro contra todas essas aflições. Esta ajuda não vem especificamente de um lugar ou de uma pessoa, mas se condensa numa paz que só se pode sentir quando se tem um lar.

A vastidão desse sentimento se traduz na paisagem islandesa no vídeo dirigido por Michel Gondry (um dos roteiristas do queridinho indie Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, de 2004) e é por fim condensada em uma ferida aberta no coração da artista.

Homogenic é o tipo de terapia de peito aberto que poucos artistas conseguem narrar em seus trabalhos. Nesse sentido, a islandesa nunca decepciona. Sua terra natal não tem o que o se pode chamar de uma música típica, algum estilo musical que o país tenha exportado para o mundo. No entanto, há 20 anos, Björk se transformou na música islandesa. Isso porque Björk é a Islândia. E a Islândia é a personificação da paz pessoal de Björk. Sua casa.

 

 

 

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