Elisa Dias
Relativamente pacata e melancólica: é assim que a vida de Louise parece ser depois de assistir à primeira sequência do filme A Chegada, de Denis Villeneuve. O nascimento e a morte da filha revelam de cara um passado que dificilmente se perderia nas memórias da personagem. Um foco na aliança em seu dedo anelar é um spoiler velado e ao mesmo tempo gritante do fim da história. Uma vida aparentemente comum e trágica – até que surgem os E.T’s.
Doze naves alienígenas de aproximadamente 450 metros de altura pousam em 12 diferentes pontos da Terra. Sua tecnologia é totalmente desconhecida pela humanidade, assim como seu propósito, fato que constitui o maior problema na narrativa. A fim de descobrir as reais intenções dos seres e de tentar estabelecer qualquer comunicação, a brilhante linguista Louise Banks (Amy Adams) é convocada pelo governo, ao lado do físico Ian Donnelly (Jeremy Renner).
A primeira coisa que chama a atenção em relação aos extraterrestres é a sua tecnologia e simplicidade. Ao contrário do que costuma-se ver em filmes sobre E.T’s como Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1978), Alien – O Oitavo Passageiro (1979), ou Independence Day (1996), não há uma preocupação em hiperdetalhar as naves para demonstrar um nível evolutivo superior dos heptapods. As conchas, como são chamadas pelos especialistas, remetem a enormes e ovaladas pedras, em seu exterior e interior (ao menos na parte visitada pelos humanos). Além disso, as próprias criaturas não possuem os famosos traços robóticos, que podemos ver de forma acentuada em A Guerra dos Mundos (1953), ou demasiadamente humanizados, como em Cocoon (1985). A Chegada revela-se um dos raros filmes em que o apelo visual não aparece como um dos fatores centrais da caracterização de uma sociedade mais evoluída e tecnológica.
A obra também exibe uma notável atuação de Amy Adams, que transforma aspectos aparentemente contraditórios de sua personagem em características complementares. A personalidade de Louise se mostra de fato muito complexa, ao conter simultaneamente traços de medo, coragem, melancolia, confusão e força, demonstrada principalmente na aceitação final da inevitabilidade dos acontecimentos de sua vida. A história é construída do ponto de vista de uma mulher que, apesar da mistura de sentimentos e dos pensamentos incertos, é competente, focada e, sobretudo, independente.
Com a vida repleta de escolhas difíceis, a personagem enfrenta em sua memória flashes constantes que remetem à união ou separação de seu marido (desconhecido até o desfecho da história), inicialmente, a partir de conversas com sua filha, e ao final com lembranças de momentos com o próprio parceiro. Essa dualidade é excelentemente explorada pelo roteirista Eric Heisserer na trama tida como principal, afinal a união é um ponto crucial para o fechamento da história. Baseando-se no conto Story of Your Life, de Ted Chiang, Heisserer construiu uma narrativa que chama atenção pela cadência da revelação de informações, casando perfeitamente as duas sub-narrativas e criando o momento perfeito para o plot twist. Ao fim, somos contemplados com as uniões decisivas, tanto de Louise e Ian, quanto das nações de todo o mundo.
O relacionamento da linguista e do físico não é explícito, sequer forçado. Ao longo do filme, forma-se entre as personagens uma química suave, que culmina, felizmente, em um tipo de romance não-romântico perfeitamente adequado à visão de Louise. Essa relação é desenvolvida sutilmente e termina do mesmo modo de maneira proposital, pois, ao contrário de Capitão América – Guerra Civil ou do quase companheiro de lançamento Animais Fantásticos e Onde Habitam, Villeneuve se recusa a tecer um romance forçado que não adicione algo interessante a seu filme.
Apesar de tudo isso, o filme apresenta pequenas falhas, como a má exploração de Ian. Como um físico convocado a liderar uma grande equipe de pesquisadores, não é lógico que acabe se tornando o principal assistente de Banks. Além do romance e de uma ou outra descobertas, Donnelly se torna um pilar quase desnecessário para a linguista e para a sub-narrativa dos extraterrestres.
Não se pode deixar de lado o fato de que a obra inteira é baseada em uma teoria linguística do século XX: a teoria de Sapir-Whorf, que foi desenvolvida pelo antropólogo Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, engenheiro químico que ficou profundamente fascinado pela linguística. A partir apenas dessas informações, percebe-se a perspicácia de Ted Chiang ao relacionar até mesmo as áreas profissionais das personagens principais com as dos pesquisadores da teoria, e o cuidado com esse tipo de detalhamento que não foi perdido na obra cinematográfica.
Também contribuem para o filme de maneira pertinente a fotografia de Joe Walker, e a trilha sonora de Jóhann Jóhannsson. Joe utiliza cores frias, como tons de verde, cinza e alaranjado para criar um ambiente de certa forma angustiante e cansativo. Somando a essa paleta a trilha pungente e sombria de Jóhannsson, a tensão e o suspense propostos aos espectadores se intensificam satisfatoriamente.
Mas a narrativa não se completa apenas com alienígenas e uma teoria linguística, há ainda uma informação crucial para o entendimento de tudo que já havia sido assimilado: a descoberta da não-linearidade do tempo. Quando Louise vai sozinha à concha, a fim de desvendar definitivamente o propósito da visita extraterrestre e evitar uma guerra interplanetária, descobre que os seres eram mais do que pacíficos. Eles queriam dar à humanidade um presente – a visão temporal com a qual eles próprios conviviam. Com isso, toda a visão do filme muda: as memórias de Banks eram, na verdade, visões de um futuro que poderia estar acontecendo de maneira simultânea a seu presente. A cultura dos heptapods começa a fazer tanto sentido quanto possível (como a escrita cíclica dos seres, sem um começo e fim definidos), e toda a linha de raciocínio dos espectadores se reorganiza automaticamente, junto com a de Louise.
Essa não-linearidade temporal é trabalhada de maneira fantástica por Heisserer, ao compor uma história fragmentada e ao mesmo tempo perfeitamente compreensível que, se vista do fim ao começo, perderia o mínimo de coerência (a não ser, é claro, pelo clímax da revelação final).
A Chegada não é um dos prováveis filmes a ser indicado ao Oscar à toa; não é um filme de ficção qualquer. Sua produção vai além da simples reprodução de uma história já contada, e há bons trabalhos em grande parte de sua composição. Com o bom resultado da obra, só nos resta criar amplas expectativas para o próximo projeto (insano, segundo o diretor) de Villeneuve: o segundo filme de Blade Runner, que estreará em 2017.