Matheus Fernandes
Misturar cinema e videogames dificilmente dá certo. Uma rápida olhada na página da Wikipedia sobre filmes baseados em jogos mostra que desde da estreia de Super Mario Bros, primeiro com lançamento internacional, em 1993, nenhum conseguiu chegar a marca de 50% de aprovação no agregador de reviews Rotten Tomatoes. Nem mesmo filmes carregados por estrelas como Tomb Raider, com Angelina Jolie, ou Príncipe da Pérsia, com Jake Gylenhall, conseguiram um mínimo de aprovação crítica, apesar do desempenho comercial razoável.
O oposto também é verdadeiro. Com raras exceções, como The Warriors, Chronicles of Riddick e Goldeneye 007, os jogos de filme costumam ser pensados em conjunto com a linha de brinquedos, como forma de arrecadar dinheiro além de bilheteria, com tempo de desenvolvimento reduzido e fórmulas copiadas de outros jogos de sucesso. A maior crise da indústria, o Crash de 1983, foi causada justamente por um jogo de filme, “ET, o Extraterrestre”.
Ainda assim, com o aumento da importância dos videogames na indústria cultural, e o surgimento de jogos com narrativas mais próximas ao audiovisual tradicional, reduzindo as diferenças de recepção, a indústria cinematográfica volta a se aproximar dos jogos eletrônicos, anunciando produções de grande orçamento, como Uncharted e Assassins Creed. Como exemplo ficam os super-heróis dos quadrinhos, principal gênero mainstream de nosso tempo, que foram relegados a filmes B sem muita preocupação com qualidade por décadas. Essa situação só mudaria com o modelo criado por Bryan Singer em X-Men e aperfeiçoado por Sam Raimi em Homem-Aranha, que deu origem ao filme de superherói moderno e o Marvel Cinematic Universe.
Warcraft podia ser o ponto de virada dessa história, por uma série de motivos. O primeiro é o diretor. Em um gênero onde o diretor mais prolífico, Uwe Boll, responsável por uma série de adaptações catastróficas de baixo orçamento, como Alone In the Dark, é também um dos piores profissionais do meio, a presença de Duncan Jones é uma novidade bem vinda. Jones, filho de David Bowie, teve sua capacidade comprovada em filmes sci-fi como o hit cult Lunar e Contra o Tempo.
Outro motivo é o material de origem. A série Warcraft foi responsável por consolidar a Blizzard e o próprio PC gaming, e continua movimentando fãs mais de 20 anos e 8 milhões de cópias depois. Diferentemente de outros jogos adaptados às telas, como Street Fighter e Doom, aqui há um foco maior na história, com uma mitologia extensa e bem trabalhada sobre o mundo de Azeroth. Além disso, a série se situa no gênero de fantasia medieval, com ampla aceitação entre o público, como visto em Senhor dos Anéis e Guerra dos Tronos.
Por fim, aquela que talvez seja a maior razão para esperar algo bom: os direitos não foram simplesmente vendidos, como normalmente acontece. O filme tem o envolvimento direto da Blizzard, estúdio responsável pelo jogo. Como dona da propriedade intelectual, não há ninguém mais preocupado com a boa imagem da série.
O filme tinha tudo para dar certo. Tinha. O resultado final é tão problemático que passa de questionável ou decepcionante para simplesmente ruim, estendendo a maldição dos jogos, em uma superprodução de 160 milhões de dólares que até na categoria blockbuster não atende os requisitos mínimos de qualidade.
O primeiro problema é estético. Os orcs tem uma aparência sintética, muito diferente dos orcs orgânicos da saga Senhor dos Anéis, feitos com maquiagem, invés de computação gráfica . A impressão principal é de que as criaturas foram retiradas diretamente de World of Warcraft, jogo de 2004 que não tem seus gráficos como atração principal. Ao mesmo tempo, os humanos são atores reais, diferente dos humanos plásticos do jogo, o que aumenta o estranhamento, e cria aquele clima de mistura de live action e CGI ruim próprio de filmes dos anos 90. O problema só aumenta com a personagem Garona, híbrido entre orc e Humano, representada como um humano pintado de verde, aumentando o contraste visual entre real e animado. Algumas cenas com um bebê orc são tão desconfortáveis que chegam a lembrar o bebê zumbi do remake de Madrugada dos Mortos por Zack Snyder, um dos piores usos de computação gráfica da história do cinema.
Mesmo no lado humano, menos difícil de errar, os efeitos beiram o mau gosto, com olhos brilhantes e magias de luz que 10 anos atrás já seriam antiquadas.
A história segue o roteiro do primeiro jogo, “Warcraft: Orcs & Humans”, que conta a invasão dos orcs ao mundo humano e o conflito ao redor desse problema. Baseada em dicotomias simples, como bem e mal, luz e escuridão, humanos e orcs, horda e aliança,o enredo complementou perfeitamente o gameplay estratégico do game, dando início ao sistema de batalhas entre dois times de jogos como League of Legends e Dota (esse um mod do próprio Warcraft 3). Porém, essa moralidade preto e branco gera personagens unidimensionais e sem graça, o que não funciona bem no cinema.
Boa parte dos personagens não tem nomes ou personalidade, aparecendo em hordas (com o perdão da palavra), de forma recorrente, sem nunca serem identificados ou aprofundados. O filme tem um grande número de protagonistas que se alternam frequentemente, todos mal explorados, que não geram empatia ou identificação.
Os diálogos são mal escritos, e muitas vezes desnecessários, reiterando o óbvio ou o que já aparece na tela. Em nenhum momento há dúvidas sobre como a história vai se desenvolver. A trama é apresentada de forma confusa, mas sem grandes surpresas, o que aplicado a um filme de duas horas acaba gerando uma experiência maçante. O elenco, sem grandes nomes, não convence. Ben Schnetzer, intérprete de Khedgar, em nenhum momento consegue transparecer a suposta importância e poder de seu personagem, nem servir de alívio cômico para o filme. Garona, interpretada por Paula Patton, também não transmite oconflito por sua divisão de lados.
Para os mais familiarizados, o grande número de referências a personagens e localidades de Azeroth pode ser um ponto positivo. Aqueles que têm agora o primeiro contato com o universo, entretanto, ficarão confusos com uma história sem uma base sólida e nomes desconhecidos sendo jogados aleatoriamente em diálogos. Anões e Elfos aparecem sem acrescentar nada. E como tudo que é ruim pode piorar, o filme termina já com o anúncio de uma sequência.
Warcraft entrega duas horas de clichês da ficção medieval em sua pior versão, não agradando nem os fãs do jogo e nem o espectadores casuais, acostumados a ver o gênero em produções como Senhor dos Anéis. Assim, uma outra adaptação do mundo dos games ocupa o lugar de Warcraft como a melhor do ano: Angry Birds. Baseado em um aplicativo casual para celulares e voltado ao público infantil, o filme aceita suas limitações iniciais, e entrega algo leve e pouco ambicioso, mas funcional e bem amarrado em torno dos personagens principais, agradando, se não a crítica, ao menos seu público-alvo.