Para revolucionar Ultimate Homem-Aranha, só com Peter Parker LGBT+

Aviso: O texto contém alguns spoilers

Ilustração do quadrinho Ultimate Homem-AranhaNo desenho, Peter Parker está junto com sua família, eles estão posando para uma foto. Peter está no meio, sentado e veste o uniforme de Homem-Aranha. O traje é na cor vermelha, com linhas imitando uma teia por todo corpo, exceto no antebraço que é na cor azul marinho. No peito, há uma aranha preta desenhada. Peter é um homem de pele clara, cabelos lisos na cor castanha e barba grande da mesma cor. Do seu lado direito, está o filho mais velho. Na faixa dos 15 anos, o garoto tem pele clara, olhos verdes e cabelos ruivos. Está vestindo uma camisa de botões e gola alta na cor vinho. Do lado esquerdo, com o braço em cima do ombro de Peter, o abraçando, está Mary Jane, sua esposa. Ela é uma mulher branca, na faixa dos 40 anos, de cabelos ruivos e olhos verdes. No rosto ela possui sardas. Está vestindo uma blusa branca de mangas curtas e usa um colar com pingente de coração. À sua frente, segurando a mão da mãe, está a filha mais nova. Ela possui as mesmas características físicas da mãe, tem por volta de 8 anos e veste uma roupinha cor-de-rosa. O fundo é uma parede bege.
O primeiro volume, que chegou ao Brasil em Novembro de 2024, compila as primeiras seis edições em um único encadernado (Foto: Panini Comics)

Davi Marcelgo 

Desde que o Cabeça de Teia surgiu, em 1962, na revista Amazing Fantasy #15, muitos autores e desenhistas assumiram o controle das histórias e tentaram, à sua maneira, trazer algum frescor no universo do herói. Porém, ainda que Peter Parker tenha saído do colégio e prometido votos de matrimônio, de alguma forma, ele voltava à estaca zero: um personagem solitário que não podia se relacionar com ninguém sem que uma tragédia acontecesse. Os fãs reclamavam em redes sociais sobre o vai e vem, pedindo por tramas que saíssem da rotina. Em Março de 2024, o pedido foi atendido. Após o retorno da linha Ultimate da Marvel Comics, chegava às bancas dos Estados Unidos a primeira edição de Ultimate Homem-Aranha, escrita por Jonathan Hickman e ilustrada por Marco Checchetto. Trazendo o protagonista mais velho, casado e com filhos, a maior diferença é que, neste universo, o Homem-Aranha não existe – pelo menos até as últimas páginas da primeira edição. 

Na trama, O Criador, uma versão malvada de Reed Richards (o Sr. Fantástico), apaga a existência de todos os heróis da história, impedindo que eles ganhem seus poderes. O Capitão América não é descongelado, a Tempestade não está com os X-Men e Parker nunca foi picado pela aranha radioativa; fator que permitiu a construção de uma família e uma vida sem grandes responsabilidades. No entanto, o Rapaz de Ferro (Tony Stark) descobre o plano do vilão, fazendo de tudo para despertar habilidades nas pessoas que vivem vidas não destinadas à elas: é ele quem entrega uma aranha para Peter Parker. 

Essa narrativa de destino (que você não escolhe) e, principalmente, de sentir que há algo faltando na vida – uma reclamação constante do protagonista durante os primeiros volumes – soa como uma experiência queer e, talvez, isso seja o máximo de diferente que a nova saga tem em comparação com o universo regular do personagem. É claro, de algum modo, o texto precisa ficar familiar para os leitores, mas se o herói como conhecemos ainda existe em outro gibi, por que este não pode abraçar, de vez, o revolucionário?

Ilustração do quadrinho Ultimate Homem-AranhaNo desenho, Tio Ben olha para trás e diz “Tá na hora de acordar”. Ele é um homem idoso, na faixa dos 60 anos, de pele clara e cabelos brancos. Está vestindo uma camisa social branca com gola alta. Do lado esquerdo, há o balão que reproduz sua fala. O fundo é um cenário de cores pretas e marrons.
A canônica morte de Tio Ben é desfeita na nova série (Foto: Panini Comics)

O sentimento de ter uma vida roubada faz parte do processo de aceitação de uma pessoa LGBT+, seja a infância perdida ou a adolescência tardia, com a simulação de um ‘falso eu’. No vídeo A Dupla Personalidade na Cultura Pop para seu canal no YouTube, Thiago Ora faz uma alusão da vida secreta dos super-heróis e de homens gays; ambos precisam esconder uma parte de suas existências para sobreviverem. Em um diálogo com seu tio, o protagonista diz que “…não é de hoje que eu penso que tem alguma coisa errada com a minha vida…”, em outro, Harry Osborn faz indagações sobre as consequências de viver essa vida escondida das pessoas que ama. Nesse novo título do aracnídeo, a temática é ainda mais presente, porque a vida de Parker como pai, marido e repórter só dá certo ao nunca ter tido contato com seu duo, começando a ser abalada ao despertar esse lado.  

A questão desta suposta renovação do Homem-Aranha é que ele ainda é o mesmo: branco, cis, hétero e com o sonho de ter uma família nuclear. Convenhamos, um Homem-Aranha gay ou bi, abalaria o ‘mundinho’ nerd. Embora, no Brasil, apenas seis edições tenham sido lançadas, já dá para prever – seja lendo a obra ou acompanhando as teorias de outros leitores – que os caminhos a serem seguidos caem no lugar-comum: personagens morrendo, pessoas próximas se revelando como vilãs e a dificuldade em conciliar a vida dupla. Não há uma ruptura entre Peter Parker do universo regular e Ultimate.

Na nova versão, Tio Ben está vivo e Tia May quem morreu, novamente, a Marvel cai em clichês, no entanto, os idealizadores conseguem bons frutos dessa ideia. O melhor destaque do quadrinho é a dupla veterana de jornalistas, formada por Ben Parker e  J. Jonah Jameson. Após o Clarim Diário passar por mudanças editoriais, Wilson Fisk, o Rei do Crime, assume a editoria do jornal, então, Jameson e Parker se demitem, criando sua própria empresa. Dois ‘velhos’ confortáveis em suas antigas profissões, lutando contra o sistema e investigando sobre a sujeira em Nova York é a grande novidade do gibi, só o núcleo deles dá ingredientes para uma aventura solo. 

Ilustração do quadrinho Ultimate Homem-AranhaNo desenho, Homem-Aranha leva Mary Jane nas costas para um passeio pela cidade, atirando teias nos prédios. O herói está com as mãos abertas, soltando teia. O uniforme que ele veste é vermelho no peito, mãos, braços, cabeça e pés, com linhas pretas que imitam uma aranha. No antebraço, nas costelas e pernas a cor é azul marinho. No peito há uma aranha preta desenhada. A máscara contém dois olhos brancos grandes. Mary Jane está sorrindo, com os cabelos esvoaçados e ela abraça o Homem-Aranha. Ela é uma mulher branca, na faixa dos 40 anos, de cabelos ruivos e olhos verdes. No rosto ela possui sardas. Está vestindo uma camiseta preta, calça branca e um tênis. O cenário é de amanhecer e há prédios.
Mary Jane é a esposa de Peter, enquanto Gwen Stacy é o par romântico de Harry Osborn (Foto: Panini Comics)

Conhecido por enredos megalomaníacos, acompanhados de, literalmente, infográficos e muitos conceitos de ficção científica, Jonathan Hickman está com os pés no chão no primeiro arco, deixando as ideias de pirar a cabeça para a revista Universo Ultimate e os Supremos, enquanto o Aranha fica com as consequências das tramoias do Criador em uma perspectiva dos becos e ruas de Nova York. David Messina, que ilustra o número #4, compõe ótimos quadros que criam tensão. A conversa na mesa desta edição com o design em nove quadros é excelente e ver Peter, mais uma vez, aprendendo a usar os poderes é divertido.

Mesmo sem um grande fator novidade, é interessante a versão assumidamente sádica de Harry Osborn e acompanhar a dinâmica familiar de Peter Parker com sua filha, que descobre a identidade secreta do pai, causa bons risos. Outros momentos são bem sensíveis e parte da natureza urbana do aracnídeo, como o batismo do herói feito por Mary Jane ou a escolha de cores do uniforme pela filha. O início de Ultimate Homem-Aranha não é dispensável e muito menos o grande divisor de águas do herói, mas sobe em uma teia qualquer. 

 

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