Felipe Nunes
Como expor um dos períodos mais difíceis e lindos de sua vida? Esta é a antítese maniqueísta de Pedro Pacífico, o bookster, pseudônimo pelo qual é conhecido nas redes sociais. Advogado e produtor de conteúdo literário nas horas vagas, como o próprio se define, o escritor de 30 anos se lançou na Literatura com um livro de não ficção. A história passeia pelo próprio processo de aceitação dele como um homem gay, que ocorreu em 2020, no auge do contexto pandêmico, quando ele tinha 27 anos.
Leitor voraz de diversos gêneros, o autor narra sua infância, juventude e maturidade por meio dos livros – artefatos que o acompanharam não apenas no lazer e no entretenimento, mas também nas incertezas de lidar com quem sempre foi enquanto tentava suprir as expectativas colocadas sobre ele pelos próprios familiares e amigos. Ao longo de 192 páginas, ele se vira do avesso. Quando faz isso, descobre um lado desconhecido que contém sua própria verdade. Para se encontrar consigo mesmo, bastou não pensar no medo que o aterrorizou durante quase três décadas de sua vida.
É exatamente este o método de Pacífico: esquecer por 30 segundos tudo o que o amedrontava – seja a pressão, o julgamento ou a homofobia. Fingir que tudo não existia por esse período de tempo e, só depois de contar que era gay, se preocupar com todas as consequências que sua revelação poderia causar. É como o “Silêncio, Bruno!” da animação da Disney, Luca, na qual os personagens usam o jargão para se esquecerem, temporariamente, dos medos que o acompanham. Não à toa, o longa-metragem foi ovacionado pelo público queer, que se viu nos dilemas enfrentados pelo protagonista, reconhecido por tentar esconder a verdadeira identidade para se sentir aceito dentro do padrão estipulado como ‘certo’ pela sociedade.
A escrita do livro é simples. Fluida, sem termos rebuscados e em um tom de conversa com o leitor, ela transmite a sensação de que o bookster está fazendo uma live nas redes sociais para responder às perguntas dos seguidores. Mais que isso: é como se estivéssemos acolhendo aquele amigo que acabou de contar para os pais que ele gosta de rapazes. A conectividade com o público se dá pela forma que narra a própria história, expondo os meandros que traçou para evitar ao máximo este processo incancelável.
O relato do escritor é potencializado pelo papel que a Literatura pode exercer em nossas vidas. Emaranhado em um mundo de aparências que o sufocavam, Pedro Pacífico via nos livros a liberdade de ser quem era, essencialmente quando se enxergava nas tramas que lia, nos personagens que conhecia e nos enredos que o permitiam ter um vislumbre do que poderia viver caso aceitasse ser quem realmente é. A lista dos escritores que fizeram companhia a ele nesse processo é extensa e contempla vários autores clássicos e contemporâneos, com destaque para Gabriel García Márquez, Valter Hugo Mãe, José Saramago, George Orwell, Carla Madeira, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Isabel Allende, Itamar Vieira Junior, Carolina Maria de Jesus e Machado de Assis.
A história é ilustrada com fotos pessoais do advogado. Registros da infância e juventude convidam o leitor ao seio familiar do autor, que, sem dúvida alguma, é um dos assuntos mais profundos para ele. O hábito da leitura, por exemplo, se deu por iniciativa das avós. Isso porque os pais e os irmãos não eram leitores tão vorazes a ponto de despertarem a paixão que hoje o escritor nutre pelo universo literário. Mas, para além do gosto por ler, é na família que Pacífico consegue as chaves para se libertar de correntes que os próprios, direta ou indiretamente, haviam colocado nele
Antes de Pedro Pacífico, outro familiar havia sofrido com a pressão de ser um homem gay: o padrinho e tio-avô dele, para quem o autor dedica o livro. O parente chegou a ter um romance homoafetivo, porém, o companheiro era rotulado como um ‘amigo’. O bookster conta que, quando o tio se tornou viúvo, ninguém da família prestou apoio durante um momento tão delicado quanto a perda de um amor. É como se todos fingissem que o namoro nunca tivesse acontecido por ter sido uma relação entre dois homens. O padrinho até dedicou uma mensagem carinhosa a Pedro, após assistir uma palestra em que o afilhado contava da importância dos livros para aceitação da própria sexualidade.
“Oi, Pedro. Acabei de ver, pela segunda vez, seu coração falando comigo. Fico emocionado por ouvir o que venho pensando e nunca verbalizando nos meus quase 94 anos de vida. Sinto uma forte emoção e um grande afeto por você. Sua presença me faz bem e meu coração bate mais forte. Quero lhe ver! Aguardo, quando puder. Nosso almoço será quando você estiver disponível”
Além disso, o literata realiza em Trinta segundos sem pensar no medo: Memórias de um leitor o que faz todos os dias em suas redes sociais: incentiva o hábito literário. Longe de romantizar a rotina perfeita de alguém que pode gastar horas a fio lendo, o autor mostra como incluir a Literatura na correria diária e destaca como estes artefatos, dos suspenses, romances e comédias aos biográficos, poéticos e dramáticos, podem se tornar verdadeiros companheiros das alegrias e angústias que nos atravessam ao decorrer das mais variadas fases da vida.
Embora verse sobre tramas que geram gatilhos, como a ansiedade, o escritor, que é bacharel em direito pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre pela New York University, balanceia de forma coerente e aprofundada todas as partes delicadas que traz em sua obra. A fluidez com a qual discorre a própria história é um convite até mesmo para quem não é adepto da leitura. Capítulos curtos e instigantes terminam com aquela sensação de ‘preciso ler só mais uma página’. Quando você se dá conta, já devorou o livro.
Publicado pela Intrínseca, Trinta segundos sem pensar no medo: memórias de um leitor é fiel ao que promete: contar a história de descobertas e aceitações de um jovem gay que encontrou na leitura o afago que nenhum outro familiar ou amigo havia conseguido lhe dar até então. É uma obra que conversa com o leitor. Ao transcorrer das páginas, percebemos que só basta meio minuto de esquecimento para que os bichos-papões, horrores e pesadelos deixem de nos atormentar.
“Ficar trinta segundos sem pensar no medo e, nesse meio-tempo, dar o primeiro passo em direção ao que se deseja fazer. Depois você lida com as consequências”