Ana Laura Ferreira
O medo e a curiosidade humana são elementos que sempre andaram lado a lado. Partindo do terror até os filmes de true crime, os espectadores se fascinam pela euforia, criando sucessos de audiência como Criminal Minds e CSI. Porém, quando o audiovisual decide abordar casos reais, nem sempre tem a delicadeza e o suficiente respeito para contar a história de vítimas reais. Esse é o caso do recém chegado a Netflix: Ted Bundy: A irresistível face do mal (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile), com Zac Efron na pele do inescrupuloso assassino.
Diferentemente das mais de seis adaptações da história de Bundy, como a série documental Conversando com um serial killer, dessa vez um novo ponto de vista é abordado. Acompanhamos a perspectiva da atual namorada de Ted, Liz (Lily Collins), sobre os acontecimentos, mudando assim o foco dos homicídios para a vida particular do assassino. É então apresentado um homem amoroso e cuidadoso com sua família, um excelente exemplo de ‘homem de bem’, de forma a romantizar e estereotipar a imagem de Bundy.
Sem espetacularizar suas transgressões, o roteiro pouco se importa em contextualizar a vida do assassino ou de seus crimes. Partindo de um período muito próximo à prisão de Ted e fazendo grandes saltos temporais, a narrativa aparenta ter como único propósito idealizar a imagem de Bundy como um homem charmoso e intrigante. Aliado a um excesso de euforia proporcionada pelo roteiro, estes elementos criam uma mal intencionada dúvida acerca de sua inocência.
O serial killer confesso é então exposto sob a visão daqueles à sua volta, que conheciam uma versão do criminoso. Quase que como em uma dupla personalidade, é questionado durante todo o filme a real existência de dois Bundys: um assassino sequencial e um estudante de direito comprometido com sua profissão e família. Entretanto, essa visão distorcida dele tem como finalidade causar no espectador o mesmo que o real Bundy causava na sociedade americana nos anos 1970.
O fenômeno psicológico conhecido como hibristofilia, considerado por alguns uma patologia, consiste na romantização e na paixão que algumas pessoas sentem a cerca de criminosos. Essa manifestação foi amplamente vista nos tribunais em que Bundy estava presente. Dezenas de mulheres apaixonadas pesa persona de Ted amontoavam à corte americana acreditando fielmente na inocência do assassino. E assim como aquelas mulheres, o filme nos força a criar a mesma relação com o personagem de Efron.
Essa aproximação e comoção causada pelo longa se dá em boa parte pelo primoroso trabalho do ator. Ao assumir o papel do criminoso, ele tinha a difícil missão de interpretar fielmente um dos mais famosos serial killers dos EUA. Zac Efron entrega um dos melhores trabalhos de sua carreira trazendo verossimilhança e dissimulação à sua versão de Bundy sem perder, nem por um segundo, o fascínio que seu personagem apresentava. Fazendo jus ao subtítulo do filme, o ator mostra uma face difícil de ser contestada graças a sua imponente forma de se expressar para aparentar inocência.
Entregando até mais do que o roteiro pedia, Efron mostra seu talento ao recriar com perfeição cenas reais de Bundy. Porém, seu trabalho fraqueja ao ultrapassar o limite da frieza. Diferente do real criminoso, que era extremamente controlado e sabia como manipular suas expressões faciais para se manter estático em condições adversas, o ator acaba por cair em clichês quebrando a realidade de sua criação. Um choro em certos momentos e a agonia por uma paixão não correspondida são o calcanhar de Aquiles do ator.
Tendo como ponto mais forte seu elenco, as coadjuvantes Lily Collins e Kaya Scodelario são de suma importância para criar um ambiente crível dentro da narrativa. Interpretando Carole Ann Boone, uma ex-colega de trabalho de Ted, Kaya mostra uma mulher encantada pelo charme do criminoso, capaz de fazer tudo possível para provar sua inocência. Infelizmente, o pouco tempo de tela, unido a falas fracas e inexpressivas, tornam Carole Ann superficial, ingênua e pouco atrativa, se restringindo a ser apenas um fantoche de Bundy.
Em contrapartida o roteiro favorece mais Lily Collins. Responsável por assumir o papel de Liz Kendall e em uma difícil tarefa de entregar medo, descrença, e aflição, a atriz oferece tudo que foi pedido e ainda mais. Diferente de outras personagens do filme, Liz consegue transmitir angústia da forma mais pura possível, nos puxando para dentro de seu sofrimento. Ela, melhor que ninguém, consegue nos prender dentro da narrativa e nos fazer entender a inquietude de viver entre as incertezas sobre a inocência de Bundy.
Outro ponto elogiável é sua filmagem despretensiosa, feita quase que inteiramente com a câmera na mão, que dá ao longa um ar de documentário e agrega valor à obra. Sua direção de fotografia e de cenário também se destacam ao criar uma ótima ambientação setentista. Entretanto é na trilha sonora que o filme falha ao tentar mantém o nível de qualidade. Com músicas animadas em momentos inadequados – como a fuga – que levam o espectador a torcer pelo criminoso de forma irracional, ajudando a criar a aura de inocência que permeia o filme. Detalhe esse que o torna extremamente desrespeitoso com as reais vítimas do serial killer.
Irresponsabilidade é uma das palavras que pode melhor adjetivar o longa que conta com uma falha comunicação entre seu consumidor e a real gravidade das atrocidades cometidas por Bundy. Apoiado na glamourização criada por filmes hollywoodianos acerca de serial killers, filmes como Zodiaco, fomentam a ideia de superioridade de tais criminosos com a finalidade de otimizar, romantizar e amplificar suas histórias. Sem se preocupar com as consequências de tais atos, filmes, séries e livros se aproveitam de atrocidades a fim de atrair público, tornando estes absurdos mais palatáveis.
A falta de responsabilidade que permeia a história contada em Ted Bundy: A irresistível face do mal é apenas um exemplo de uma indústria que não se preocupa com suas ações. Inconsequente e pouco atrativo dentro do gênero true crime, o filme causa indignação em quem já conhece o caso e uma equivocada comoção em quem ainda não teve contato com tal. E na tentativa de se destacar, o longa apenas reconta de forma imprudente a história de um criminoso conhecido por ser “extremamente perverso, chocantemente mau e vil”.