Fábio Gabriel Souza
A Arte precisa sempre ser inovadora? Essa pergunta guiou a discussão de muitos fãs, especialistas e entusiastas de cultura pop ao escutarem Something To Give Each Other. Troye Sivan, em seu terceiro álbum de estúdio lançado em Outubro de 2023, nos leva a uma viagem dançante, eletrizante e intimista, que celebra a liberdade de expressão queer. Longe de ser inovador e revolucionário, o álbum é o que se propõe a ser: pop.
Em uma melancólica estreia de 2015, com Blue Neighbourhood, Sivan cantou sobre descobertas e emocionou milhares de ouvintes com uma profunda identificação da comunidade LGBTQIA+. Depois, em Bloom (2018), o australiano, já um pouco mais maduro, versou sobre a vida adulta e suas primeiras experiências amorosas sexuais. Enquanto, nesses álbuns, ele procura seu lugar no mundo com inúmeras descobertas e ‘primeiras vezes’, no atual projeto, o cantor desenvolve uma persona madura e vivida, cantando sobre a sua independência e liberdade, embalado por ritmos que remontam ao pop disco e à Música eletrônica da década de 1980.
“Este álbum é o meu presente para você – um beijo na pista de dança, um encontro que se transformou em um fim de semana, uma paixão, um inverno, um verão. Festa após festa, após festa, após festa. Desilusão, liberdade. Comunidade, irmandade, amizade. Tudo isso <3”
– Troye Sivan via X
Em Rush, música escolhida como lead single, somos levados a uma noite de ‘curtição’. Com batidas eletrizantes e dançantes, a canção indicada ao Grammy de 2024 canta sobre a cultura LGBTQIA+. Partindo de um estilo sensual e homoerótico, vemos um artista seguro de si e da sua sexualidade, livre para, enfim, celebrar a sua liberdade. Tudo isso é notável em versos como “Tão bom quando desaceleramos a gravidade, tão bom/É tão bom, é tão bom/Respire uma, duas, três vezes, pegue tudo de mim, tão bom”, em que a sexualidade é celebrada. Com um ritmo enérgico, Troye Sivan ainda canta sobre a falta que sente de um amor que está distante e como ele próprio está se sentindo. Segundo o website Pitchfork, o músico trata as festas e o sexo como um ato quase religioso.
Começando tão agitado, o álbum logo entra em um segundo ato e sofre uma queda de ritmo. Ao diminuir o flow em One of Your Girls, Sivan conta um segredo com um vocal sussurrado; a música é sobre a atração do eu lírico por um homem hétero. A canção constrói uma atmosfera sexy em volta de uma narrativa do proibido ser mais gostoso. Sendo fiel aos seus vocais, a composição propõe leveza e sensualidade. Em um videoclipe ainda mais polêmico, o artista performa vestido de drag queen e denuncia a submissão imposta com grande frequência aos homens gays. Refletindo seus pensamentos e dando continuidade, ele traz um desabafo em um ritmo desacelerado, com uma batida expansiva e taciturna, que transforma em beat e poesia caótica os sentimentos de uma pessoa apaixonada e obcecada.
Ao compor sobre sentimentos, é impossível não tratar da saudade e Troye Sivan sabe disso. Em alguns momentos, o artista retrata momentos perdidos e a falta de um amor do passado que ele não pode voltar a ter com um lirismo triste e profundo. É nítida a dificuldade de seguir em frente, mas com uma certa maturidade, o eu lírico entende que é um processo necessário, porém, dolorido, como o amor pode ser. O final da faixa entrega batidas distorcidas que provocam confusão, como um curto-circuito de tanto pensar. Com a mesma calmaria, Can’t Go Back, Baby é embalada por uma sonoridade com batidas constantes, que não traz surpresas, característica que reflete monotonia. Com referências do pop alternativo, Sivan se força a seguir em frente mesmo sentido dor e tenta se convencer sobre como é impossível voltar atrás ao cantar “Eu queria, mas não posso voltar (não posso voltar no tempo, querido)/Para os dias em que eu achava que te conhecia”.
Retratando os altos e baixos da vida, o australiano traz um sopro de animação para o disco com músicas sensuais e envolventes, de sonoridade pulsante, cantadas de uma forma sexy. Got Me Started, por exemplo, é uma mistura de pop e R&B contemporâneo, tendo um sample de Shooting Star (2009) da dupla Bag Raiders. A faixa reflete uma intensa noite de paixão e culmina em uma catarse vibrante sobre honestidade sexual: um grito queer sobre amar e querer quem quiser. Essa narrativa é muito bem representada em um videoclipe que exalta diferentes corpos e sexualidades, enquanto as luzes da cidade de Bangkok, onde foi gravado, leva o artista em uma dança agitada e divertida – bem diferente do cenário de Rush, que sofreu críticas pela falta de diversidade no elenco.
Em uma balada dançante, Silly retrata Troye Sivan perdido. O próprio ritmo da música demonstra a confusão na cabeça do eu lírico e a constante vontade de esquecer um amor do passado. Ao cantar que “Eu ainda te amo mais do que eu deveria dizer/Só estou tentando colocar toda essa porra de lado/Não preciso de ninguém aqui pra me consolar/Só estou tentando sair disso”, entendemos que a composição é sobre uma noite de festa para esquecer.
O albúm mostra que a Música é para além de letras e, muitas vezes, sobre o conjunto da obra, afinal, somos surpreendidos a todo momento por uma experiência sinestésica. Honey, por exemplo, é toda sobre excessos, muitos sons, instrumentos e toques distintos que provocam um jogo de emoções inexplicáveis. E a Música é isso, um êxtase provocado por um misto de desejos e sensações. A repetição de versos como “ao longo do tempo” e “em minha mente” demonstra a urgência sentida pelo artista que, em entrevista à revista Rolling Stone Austrália, revelou que a canção foi inspirada em um ‘caso de uma noite’ em West Hollywood e representa seu despertar emocional, que também culminou no desenvolvimento do disco.
A confusão se faz presente quando Sivan sente coisas lindas, mas vive um momento em que não sabe se existe possibilidade para dar continuidade. O saxofone, presente em vários minutos da canção final, por exemplo, adiciona uma melancolia na aura, que também está marcada em sua própria letra: “Querido, volte, me dê mais um beijo/Estou um pouco perdido sobre como ficar com você”. Além disso, a falta de intimidade que ele sente atualmente na relação também é motivo desse sentimento, como retratado em “Não tenho flores, mas o que vale é a intenção/Queria que você morasse um pouco mais perto”; retratando a desesperança no amor, diferentemente de outros trabalhos, como Angel Baby (2021), que retrata uma idealização amorosa.
Em resposta aos questionamentos que podem ser feitos quanto a qualidade artística do álbum, conclui-se que a Arte nem sempre precisa ser inovadora, mas sim, ser uma expressão do ‘ser’ e claro, deve ser boa, o que Troye Sivan entrega com maestria ao trazer uma sonoridade que se encaixa perfeitamente durante todo o disco – inclusive em momentos que o ritmo cai, mas não perde a identidade musical –, com letras envolventes e sinceras, que emanam emoções cruas, e visuais que representam, definitivamente, uma era. No auge da sua proposta artística, o australiano nos leva a um ‘rush’ no universo construído milimetricamente por ele, cheio de tesão, ternura, noites de boate e, até mesmo, glory holes.
Com uma nota sólida no contador de críticas Metacritic e ótimas avaliações da crítica especializada, Something To Give Each Other é sobre vivências queer, amores que deram certo e errado, e ser honesto consigo mesmo e com a confusão de se entender. Aos 28 anos (na época), Sivan finalmente canta sobre suas experiências LGBTQIA+’s abertamente, sem camuflá-las em metáforas. Claramente, é uma odisséia sobre os altos e baixos do coração, mas não só isso, é sobre vivê-los com intensidade. O álbum é uma jornada de autoconhecimento e uma ode a liberdade sexual, amorosa e queer, além de um lembrete de que nunca paramos de procurar algo para dar ao outro.