Isabella Siqueira
A Série Napolitana, escrita pela autora italiana que atende pelo pseudônimo de Elena Ferrante, é a história de uma amizade entre duas mulheres durante toda a vida. A autora que permanece em segredo conseguiu apresentar uma relação tão complexa quanto as próprias protagonistas. Os quatro livros que compõe a série são: A Amiga Genial (2011), História do Novo Sobrenome (2012), História de Quem Foge e de Quem Fica (2013), e História da Menina Perdida (2014). Eles narram a intensa amizade entre Lenu e Lila da infância até a velhice.
A trama se caracteriza pelo envolvente relato de Elena Greco, ou Lenu, que tem como centro sua amizade de longa data com Lila, o contraste entre as duas personagens se entrelaça com ambiente em que vivem. Durante os quatro livros diversas questões que afetam a vida das protagonistas como o ambiente doméstico, conflitos de classe, sexualidade e a própria literatura.
A série se inicia quando Elena descobre que sua melhor amiga de infância Raffaella Cerullo, apelidada por ela de Lila, desapareceu sem deixar rastros. A partir de seu sumiço ela resolve narrar a história das duas meninas, da forma mais honesta possível, que cresceram em um bairro pobre e violento de Nápoles no pós-guerra.
As duas meninas que crescem no meio de dialetos vulgares apresentam-se logo no primeiro livro como alunas brilhantes, e apesar da competição estudantil elas se tornam inseparáveis. Contudo, a vida das duas segue em direções opostas, com sua inteligência acadêmica Elena continua os estudos, enquanto Lila é obrigada a abandonar a escola e a enfrentar um casamento ainda adolescente.
A relação das protagonistas é o centro de toda história, uma amizade que apesar das turbulências sobrevive até a velhice, contudo, no último livro chega ao fim de modo poético. Lila atua muitas vezes como a pior inimiga de Lenu, que por sua vez transborda inveja e rancor durante toda narrativa, a humanidade das duas é um desencanto com o ideal de amizade perfeita. A personalidade e construção de Lila são justamente insuperáveis, pelos olhos de Elena vemos o fascínio que ela exerce sobre os personagens quase à primeira vista. Descrita como elegante, é autodidata, e niilista, por fim entendemos que sua complexidade justifica seu desaparecimento súbito, cabendo a Elena descrever sua trajetória e aceitar sua perda simbólica.
Os homens que Ferrante descreve indicam a violência e o machismo da época, se dividem em duas categorias: os homens do bairro e o os que fogem a essa realidade. A família Solara é a representação da agiotagem, da vulgaridade, corrupção e da violência no bairro, Michele e Marcelo Solara desejam Lila a qualquer custo de forma obsessiva. Quanto aos se afastam do bairro e recebem aprofundamento em certos momentos da narrativa existem Nino e Pietro, protagonistas da vida amorosa de Elena. Nino Sarratore é o grande amor de infância de Elena, culto, idealista e estudioso é o escape da realidade do bairro, quase como um espelho da narradora. Pietro Airota, é seu primeiro marido e a esperança da saída do bairro direto ao mundo civilizado, entretanto, restringe Elena a uma vida sem graça e a papéis domésticos e maternos.
As questões que a série aborda com o tempo vão se modificando, fugindo dos ares juvenis de A Amiga Genial nos demais livros surgem as problemáticas de mulheres adultas, como a maternidade e o casamento. Inseparáveis desde a infância as duas enfrentam diversos problemas durante a história, seja o tédio conjugal de um casamento sem amor ou a violência doméstica, muito recorrente na infância. Em História da Menina Perdida vemos a maternidade sendo tratada de forma contrastante entre as duas, Lila sente repulsa por seu estado enquanto Lenu têm a gravidez ideal. E após os meses em que estiveram juntas ambas dão à luz a meninas, por fim, o ciclo se reinicia e as duas crianças espelham as mães logo cedo numa amizade/rivalidade.
Os confrontos políticos existentes na Itália pós-guerra são o plano de fundo da história, o embate entre o socialismo que surge entre o proletariado das fábricas e tentativa de volta do fascismo envolvem todos os personagens na trama. As duas personagens principais também se envolvem nas violentas manifestações da época, Lenu com sua posição de escritora tenta se engajar em questões políticas, mas sempre de forma superficial. Enquanto Lila vira quase uma heroína por ressaltar o que acontece dentro dos ambientes de exploração das fábricas. As violentas ações terroristas de ambos os lados levam os demais personagens ao desgaste por completo, Bruno Soccavo e Pasquale Peluso são exemplos dos assassinatos e prisões oriundas das tensões políticas da época.
Em 2018 o romance homônimo de Elena Ferrante foi adaptado como série pela HBO em co-produção com as redes italianas RAI e TIMvision. A primeira temporada da série “My Brilliant Friend” corresponde ao primeiro livro, a segunda temporada anunciada, também em 2018, corresponderá aos acontecimentos de História do Novo Sobrenome.
A série Napolitana que é considerado como romance único por Ferrante conquistou o público de 40 países, e inspira de forma sincera questionamentos sobre amizade. A autora que permanece em sigilo e apenas responde por intermédio de seu editor apresenta uma obra onde é possível se relacionar. Em algum momento da vida de Lenu ou Lila é comum se ver nas experiências ou em seus sentimentos, seja na maternidade ou nos amores juvenis existe algo que nos aproxima das duas jovens napolitanas. A obra de Elena Ferrante é de extrema riqueza, cheia de tensões, traições e conflitos que acontecem no meio de uma país inflamado pela violência. No meio disso tudo existe apenas a lembrança de Elena sobre a relação que mudou sua vida, e apesar de seu desaparecimento Lila continua viva na escrita.