
Livia Queiroz
Em Abril de 2024, um dia antes do marco de 30 anos da morte de Ayrton Senna, a Netflix divulgou um teaser oficial com um trecho da minissérie em homenagem ao piloto automobilístico, feita em parceria com a Senna Brands e a família do brasileiro. Após seis meses, a plataforma de streaming postou o trailer, para anunciar que a produção, dirigida por Julia Rezende e Vicente Amorim, seria lançada em Novembro. O Brasil esperou, com muita expectativa, pela oportunidade de voltar no tempo para reviver a era de esperança, carinho e vitórias dentro da Fórmula 1.
No entanto, não foi exatamente isso que a obra entregou ao público. Ela foi dividida em seis episódios, cada um representando um momento da vida de Ayrton Senna, desde sua fase no karting, o trabalho com o pai, a convocação para a Fórmula Ford, a ascensão na Fórmula 1 e sua trágica morte. A minissérie é construída de uma maneira semelhante à forma como ele levava a vida: de forma acelerada. Porém, algumas situações incomodaram, entre elas, a falta de cenas de corrida, do esporte em geral e o excesso de trechos sobre suas paixões na vida pessoal, incluindo um episódio focado em Xuxa, com quem o piloto se relacionou entre 1988 e 1990. Além disso, é notável uma suavização do caráter e personalidade do ícone. Onde está o atleta inconsequente e irritante nas pistas e reuniões? Cadê o senso de humor duvidoso e os meios sorrisos?
Ícones do esporte, como Niki Lauda, Alain Prost, James Hunt, Michael Schumacher e Rubinho Barrichello, são apresentados ao longo dos episódios. Além deles, uma pequena passagem do piloto Nelson Piquet e outras personas da Fórmula 1, como o polêmico Jean-Marie Balestre e o adorado Ron Dennis, também fazem aparições. Esses personagens foram adicionados à minissérie não só para reproduzir a história do esporte, mas também para mostrar a importância e o papel de cada um deles na trajetória do brasileiro até virar uma lenda e tricampeão do Campeonato de Pilotos (The Drivers Championship), nos anos de 1988, 1990 e 1991.

Algumas invenções também foram colocadas no roteiro – produzido por Álvaro Campos, Gustavo Bragança, Rafael Spínola, Thaís Falcão e Álvaro Mamute – com a intenção de expressar metáforas de relações que Ayrton Senna tinha com alguns grupos sociais. Laura Harrison (Kaya Scodelario), por exemplo, foi criada para se referir ao vínculo que Senna teve com os jornalistas da época, desde os elogios e encantamento com seu talento às críticas pelo seu jeito e atitudes ao pilotar. Outra representação é Marcelo Silva (Anderson Amorim), um fã que o assistia desde pequeno até sua juventude, quando o piloto morreu, e foi apresentado como uma analogia e homenagem ao público, que o olhava com admiração e carinho.
Além do que é mostrado e desenvolvido, houve omissões de eventos e relações, a exemplo da paralisia facial de Ayrton Senna, a rivalidade do automobilista com Piquet e, como adicionaram Lilian Vasconcellos e Xuxa, nada mais justo do que abordar com devida atenção o último amor da vida do piloto: Adriane Galisteu. Todavia, a ausência de uma menção à ‘melhor volta da Fórmula 1’, em 1993, foi a mais revoltante, pois foi a partir dela que o mundo viu verdadeiramente a qualidade e o talento do brasileiro nas pistas molhadas, recebendo o apelido de ‘Rei da Chuva’.
Entretanto, a atuação de Gabriel Leone é fenomenal: a imitação dos trejeitos de Senna, a voz, seu inglês com sotaque puxado e o semblante de concentração fizeram com que o público visse, por muitas vezes, o piloto ali, na tela da Netflix. E, claro, a caracterização dos personagens – feita pela figurinista Cris Kangussu e o caracterizador Martín Trujillo – deve ser elogiada, já que todos os atores ficaram muito parecidos com suas referências. Pâmela Tomé, por exemplo, ficou semelhante à ‘Rainha dos Baixinhos’.

Dentre os personagens coadjuvantes mais marcantes, temos Alain Prost, um piloto francês que marcou a vida de Ayrton Senna, tanto em bons momentos quanto ruins. A série conseguiu retratar muito bem a relação que tiveram, com direito a cenas de momentos icônicos da Fórmula 1 protagonizados pelos dois. Um deles foi a ‘quase’ vitória sobre o europeu em 1984, quando Senna estreou em Mônaco, com chuva intensa e óleo na pista, em uma Toleman no 13º lugar. Após ultrapassar todos os pilotos e ficar em 2º – somente atrás do automobilista gaulês –, o presidente da FIA, Jean-Marie Balestre, e o diretor de prova Jacky Ickx, decidem encerrar a corrida devido à tempestade. O latino estava a menos de sete segundos de outro carro, que desacelera após a decisão e o brasileiro ultrapassa, mas a regra dizia que o piloto que estivesse na frente na volta anterior seria o vencedor.
Outra bela representação é a batida proposital do brasileiro em Alain Prost no Japão, em 1990, quando Ayrton Senna disputava pelo bicampeonato mundial com seu ex-companheiro de equipe. Assim como mostrado na tabela da competição na série, ele chegou em Suzuka com 78 pontos e o francês com 69, e bastava o europeu não terminar uma das duas últimas corridas (Japão e Austrália) para levar o título. Dito e feito, depois da largada o piloto, ao invés de ultrapassá-lo, girou o carro para a esquerda na direção de Prost, resultado: ambos fora da corrida, uma briga intensa nos boxes – como relatado na série – e Senna bicampeão mundial. Um mês depois, admitiu que bateu de propósito e que foi um “erro de avaliação”.

No quinto episódio, intitulado Herói, a produção mostra, sem dúvidas, a melhor e mais emocionante cena dentro das pistas. Em um MP4/6, com uma velocidade de mais de 300 km/h, o piloto teve a maior parte de suas marchas quebradas na volta 52 em Interlagos, mas continuou a corrida apenas na sexta marcha até vencer pela primeira vez no Brasil, em 1991. O trajeto foi tão difícil que os gritos dele – os ouvintes pensavam ser de alegria – eram de dor. Fora a cena refeita, a narração de Gabriel Louchard como Galvão Bueno foi tão boa que, em certos instantes, é possível interpretar que é um replay do áudio verdadeiro.
Assim como verbalizado ao longo da minissérie, Ayrton Senna foi uma grande inspiração para todo o Brasil, desde sua dedicação pelo que era apaixonado – o que se convertia em vitórias e, portanto, felicidade a um povo tão competitivo como o brasileiro – até sua vontade por tornar seu país melhor, que se desenvolveu na criação do Senninha e do Instituto Ayrton Senna. O piloto tornou-se uma figura tão importante no território nacional que, no dia de seu velório – público por opção da família para todos se despedirem –, foram registradas cerca de 500 mil pessoas no local e o Governo decretou luto oficial de três dias.
A produção – realizada pelos irmãos Caio e Fabiano Gullane – é uma belíssima homenagem a uma nação viúva da estrela do automobilismo mundial, causando tremenda nostalgia nos seus espectadores. No entanto, a obra peca ao priorizar e exagerar em elementos fúteis de dramatização nos momentos marcantes da carreira profissional do piloto. Além disso, a ausência de conquistas históricas, pessoas importantes em sua vida e a omissão de certos eventos da Fórmula 1 desapontam. Caso outras escolhas tivessem sido feitas, podemos dizer que Senna teria vencido a corrida se não fosse pela derrapagem.