Quantum Baby é para nós, sobreviventes de um coração partido

Imagem da Cantora Tinashe, uma mulher negra de cabelos loiros que veste brincos e pulseiras pratas. Ela está sentada em um chão de barro encostada em um pneu coberto de areia. Sua pele está manchada de graxa. Ela está apoiada com seu cotovelo no chão e sua mão acima de seu joelho. Suas roupas são um vestido preto curto com um o número 10 bordado na barriga. Sua saia é curta e vermelha.
Nasty foi nomeado a categoria Melhor Vídeo Viral no MTV Video Music Awards (Foto: Nice Life Recording Company)

Henrique Marinhos

Quantas vezes nos pegamos pensando em como nossas vidas poderiam ser diferentes se tivéssemos feito outras escolhas? A teoria quântica sugere que todos esses possíveis caminhos coexistem até o momento em que tomamos uma decisão, colapsando todas as outras possibilidades em uma única realidade. Em entrevista à revista ELLE, Tinashe associa Quantum Baby ao seu terreno pessoal, onde todas essas expectativas se concentram em uma única obsessão: o amor.

Essa fixação na esfera romântica não é de agora – seus últimos quatro álbuns falam por si. De Songs For You, passando por 333, BB/Ang3l e sem poupar nem o álbum natalino Comfort & Joy, a cantora leva sua Arte mais recente ao encontro e reflexão do que nos torna humanos, vulneráveis e valiosos: ter um coração. Afinal, ela é ‘gente como a gente’; alguém entrou em sua vida e até hoje suas marcas estão lá. Nos curamos, adoecemos novamente, tomamos decisões e voltamos atrás. Até nossos próprios pensamentos nos traem. Não podemos confiar em ninguém, mas continuamos tentando.

Estamos todos procurando por algo […]

E todo o conhecimento e experiência que acumulei me levaram a questionar o que vem a seguir. 

E acho que a resposta é simplesmente ir mais fundo.

Tinashe – Quantum Baby (2024)

Debruçar-se repetidamente em uma temática é algo que até as maiores cantoras da Pensilvânia fazem. E se não é problema para elas, por que para a Tinashe seria? Não nos surpreenderíamos caso ouvíssemos, em alguma das letras, que ela estava obcecada. Passava 80% do seu tempo falando sobre seu ex, e nos outros 20% torcia para que alguém o mencionasse para retomar o assunto. Empatia é exatamente sobre reconhecer que já fomos essa pessoa chata que não tem outro tópico, toma decisões ruins e sobrecarrega seus amigos com suas paranoias. E está tudo bem, porque do começo ao fim ouvimos o canto de um anjo – caído, mas ainda um anjo.

O álbum, entre muitas aspas, expressa uma das fases mais conturbadas que qualquer pessoa pode passar: a de recém solteiro. Não há problema em pensar duas vezes ao se relacionar com esse tipo de pessoa, mas mais complexo que isso é ter compaixão sobre o quão difícil é encontrar-se novamente após o luto. O lugar seguro é tomado por oportunidades que nos escapam entre os dedos, ao mesmo tempo em que dissolvemos esse modus operandi psicológico, emocional e sexual, sem ordem, regras ou qualquer lógica – assim como Quantum Baby.

Tudo começou com Nasty, última faixa e um hit chiclete – que tocou até na Arábia Saudita. O primeiro single da era marcou a carreira da nossa princesa do R&B, exceto que, apesar de estar no topo das playlists do tema, definitivamente não é R&B. Desde 2014, a artista tem se posicionado sobre as categorias nas quais a encaixam, e o quanto isso atravessa suas produções para uma lógica social e mercadológica. Subgêneros têm se diversificado cada vez mais no cenário atual, e singles com sonoridade semelhante já não são interessantes em seus lançamentos. O que nos leva à seguinte questão: como categorizar todo um álbum quando suas músicas são tão diversas entre si? Esse é o caso de Quantum Baby, e essa pergunta não tem resposta.

Seus estreitos 20 minutos constroem uma experiência melódica e harmoniosa, impressionantemente comparável até a um sexting. Você terminou seu relacionamento e quer sentir algo novamente. Qualquer coisa efêmera, sem complicações, que se restrinja a uma noite bem vivida e, com certeza, esquecível. E não é por isso que podemos considerá-la uma experiência menos valorosa que outras; sabemos que temos certas necessidades e não adianta tentar negá-las – já aprendemos isso em Needs.

Imagem da cantora Tinashe. Uma mulher negra de cabelos encaracolados loiros que se debruça sobre o capô de um carro futurista distópico com os faróis acesos. Ela está com um óculos escuro à noite e sua camiseta listrada está com rasgos circulares por toda sua extensão. Ela veste uma bota preta, saia curta e casaco grosso marrom enquanto olha para a esquerda.
No Telegram, os fãs especulam que o alvo do novo álbum da cantora é, novamente, Ben Simmons (Foto: Nice Life Recording Company)

Nas poucas vezes em que o tesão entra em regressão para dar espaço ao trágico  romantismo, como em Red Flags, que recorda tudo o que deu errado, ou em Cross That Line, com nossos filhos fictícios no banco de trás, sentimos o peso esmagador da liquidez de um relacionamento que jamais imaginávamos ter fim. E isso justifica todas as outras faixas em que a verdade que ela tanto procura vai em direção ao caminho oposto.

Nesse caminho, encontramos as filhas de Nasty: No Broke Boys, Thirsty e When I Get You Alone (WIGYA). São as músicas mais bem produzidas do álbum, sendo as duas últimas assinadas por sdtroy, que também trabalhou em I Can See The Future. Elas trazem elementos que remetem aos primeiros trabalhos da cantora em seu período na RCA Records. O reverb em Thirsty, a completa mudança de ritmo em WIGYA e o mais puro pop em No Broke Boys nos recordam algumas das técnicas que são tão características para seus fãs, e que agora podem ser apreciados por novos ouvintes depois de seu aperfeiçoamento.

No entanto, e infelizmente, mesmo ao retornar certas sonoridades com mais maestria em suas novas produções – como em Blame It On Your Love, a nova Track 10 de Charli XCX –, a artista insiste em usar batidas ‘ocas’, muito presentes no R&B, que não necessariamente encaixam nas faixas. A contagem passa de dez nos últimos três álbuns. Não sabemos se o sample estava em promoção, mas aprendemos que o mesmo conceito da culinária também pode ser aplicado à Música: menos é mais.

Em Quantum Baby, encontramos uma narrativa que traz sentido até aos momentos mais passageiros, oscilando entre desejos efêmeros e a eternidade de um passado imutável que, a partir das nossas escolhas, abrem e fecham possibilidades imprevisíveis. No entanto, às vezes só queremos ouvir um bop na academia, nos sentir gostosos e aumentar nosso ego com No Broke Boys no volume máximo em nosso fone de ouvido. 

Deixando toda reflexão para quem precisa, podemos ouvi-lo sem nenhuma pretensão em playlists ou somente escutar nossas favoritas, enquanto aguardamos a terceira e última parte da trilogia. Nos mantemos seguros da coerência e boas produções construídas até aqui em uma obra precisa, com menos de dez faixas e sem espaço para grandes erros.

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