Henrique Marinhos
Quantas vezes nos pegamos pensando em como nossas vidas poderiam ser diferentes se tivéssemos feito outras escolhas? A teoria quântica sugere que todos esses possíveis caminhos coexistem até o momento em que tomamos uma decisão, colapsando todas as outras possibilidades em uma única realidade. Em entrevista à revista ELLE, Tinashe associa Quantum Baby ao seu terreno pessoal, onde todas essas expectativas se concentram em uma única obsessão: o amor.
Essa fixação na esfera romântica não é de agora – seus últimos quatro álbuns falam por si. De Songs For You, passando por 333, BB/Ang3l e sem poupar nem o álbum natalino Comfort & Joy, a cantora leva sua Arte mais recente ao encontro e reflexão do que nos torna humanos, vulneráveis e valiosos: ter um coração. Afinal, ela é ‘gente como a gente’; alguém entrou em sua vida e até hoje suas marcas estão lá. Nos curamos, adoecemos novamente, tomamos decisões e voltamos atrás. Até nossos próprios pensamentos nos traem. Não podemos confiar em ninguém, mas continuamos tentando.
“Estamos todos procurando por algo […]
E todo o conhecimento e experiência que acumulei me levaram a questionar o que vem a seguir.
E acho que a resposta é simplesmente ir mais fundo.”
Tinashe – Quantum Baby (2024)
Debruçar-se repetidamente em uma temática é algo que até as maiores cantoras da Pensilvânia fazem. E se não é problema para elas, por que para a Tinashe seria? Não nos surpreenderíamos caso ouvíssemos, em alguma das letras, que ela estava obcecada. Passava 80% do seu tempo falando sobre seu ex, e nos outros 20% torcia para que alguém o mencionasse para retomar o assunto. Empatia é exatamente sobre reconhecer que já fomos essa pessoa chata que não tem outro tópico, toma decisões ruins e sobrecarrega seus amigos com suas paranoias. E está tudo bem, porque do começo ao fim ouvimos o canto de um anjo – caído, mas ainda um anjo.
O álbum, entre muitas aspas, expressa uma das fases mais conturbadas que qualquer pessoa pode passar: a de recém solteiro. Não há problema em pensar duas vezes ao se relacionar com esse tipo de pessoa, mas mais complexo que isso é ter compaixão sobre o quão difícil é encontrar-se novamente após o luto. O lugar seguro é tomado por oportunidades que nos escapam entre os dedos, ao mesmo tempo em que dissolvemos esse modus operandi psicológico, emocional e sexual, sem ordem, regras ou qualquer lógica – assim como Quantum Baby.
Tudo começou com Nasty, última faixa e um hit chiclete – que tocou até na Arábia Saudita. O primeiro single da era marcou a carreira da nossa princesa do R&B, exceto que, apesar de estar no topo das playlists do tema, definitivamente não é R&B. Desde 2014, a artista tem se posicionado sobre as categorias nas quais a encaixam, e o quanto isso atravessa suas produções para uma lógica social e mercadológica. Subgêneros têm se diversificado cada vez mais no cenário atual, e singles com sonoridade semelhante já não são interessantes em seus lançamentos. O que nos leva à seguinte questão: como categorizar todo um álbum quando suas músicas são tão diversas entre si? Esse é o caso de Quantum Baby, e essa pergunta não tem resposta.
Seus estreitos 20 minutos constroem uma experiência melódica e harmoniosa, impressionantemente comparável até a um sexting. Você terminou seu relacionamento e quer sentir algo novamente. Qualquer coisa efêmera, sem complicações, que se restrinja a uma noite bem vivida e, com certeza, esquecível. E não é por isso que podemos considerá-la uma experiência menos valorosa que outras; sabemos que temos certas necessidades e não adianta tentar negá-las – já aprendemos isso em Needs.
Nas poucas vezes em que o tesão entra em regressão para dar espaço ao trágico romantismo, como em Red Flags, que recorda tudo o que deu errado, ou em Cross That Line, com nossos filhos fictícios no banco de trás, sentimos o peso esmagador da liquidez de um relacionamento que jamais imaginávamos ter fim. E isso justifica todas as outras faixas em que a verdade que ela tanto procura vai em direção ao caminho oposto.
Nesse caminho, encontramos as filhas de Nasty: No Broke Boys, Thirsty e When I Get You Alone (WIGYA). São as músicas mais bem produzidas do álbum, sendo as duas últimas assinadas por sdtroy, que também trabalhou em I Can See The Future. Elas trazem elementos que remetem aos primeiros trabalhos da cantora em seu período na RCA Records. O reverb em Thirsty, a completa mudança de ritmo em WIGYA e o mais puro pop em No Broke Boys nos recordam algumas das técnicas que são tão características para seus fãs, e que agora podem ser apreciados por novos ouvintes depois de seu aperfeiçoamento.
No entanto, e infelizmente, mesmo ao retornar certas sonoridades com mais maestria em suas novas produções – como em Blame It On Your Love, a nova Track 10 de Charli XCX –, a artista insiste em usar batidas ‘ocas’, muito presentes no R&B, que não necessariamente encaixam nas faixas. A contagem passa de dez nos últimos três álbuns. Não sabemos se o sample estava em promoção, mas aprendemos que o mesmo conceito da culinária também pode ser aplicado à Música: menos é mais.
Em Quantum Baby, encontramos uma narrativa que traz sentido até aos momentos mais passageiros, oscilando entre desejos efêmeros e a eternidade de um passado imutável que, a partir das nossas escolhas, abrem e fecham possibilidades imprevisíveis. No entanto, às vezes só queremos ouvir um bop na academia, nos sentir gostosos e aumentar nosso ego com No Broke Boys no volume máximo em nosso fone de ouvido.
Deixando toda reflexão para quem precisa, podemos ouvi-lo sem nenhuma pretensão em playlists ou somente escutar nossas favoritas, enquanto aguardamos a terceira e última parte da trilogia. Nos mantemos seguros da coerência e boas produções construídas até aqui em uma obra precisa, com menos de dez faixas e sem espaço para grandes erros.