
Por Gabriel Diaz
Se o enfraquecimento comercial das últimas composições fez com que MARINA se dedicasse ao universo literário e à escrita de poemas em Eat the World: A Collection of Poems durante seu hiato musical, essa experiência transborda para PRINCESS OF POWER em versos imagéticos e cortantes — ou talvez não. O novo álbum marca o retorno de Marina Diamandis, não como uma artista que trocou a música pela literatura, mas como alguém que se reinventou e fundiu ambas linguagens para se manifestar como uma autonomia disfarçada de subversão criativa, ainda que o padrão da dualidade entre o senso crítico e o pop de sua carreira musical se mantenha.
Em sua primeira empreitada como artista independente, após anos sob as amarras da indústria musical, o resultado é de uma mesclagem entre ousadia e vulnerabilidade, embalando um vibrante electropop que é característico de sua carreira, assim como o bem-sucedido Electra Heart. Anteriormente, era o questionamento do consumismo em Primadonna ou a fragilidade emocional de Teen Idle que subvertiam sua emancipação expressiva. Agora, através do escapismo, o interesse é explorar o poder pela ótica do humor e da demasia. Se em Ancient Dreams in a Modern Land, sua voz era mais política e introspectiva, aqui ela se permite o lúdico e o irônico.
O disco fala sobre o brilhantismo de forma superficial, porém sua maior virtude está justamente nessa ausência de pretensão: a cantora parece finalmente se divertir com o que performa sem se levar tão a sério. O excesso é a palavra-chave para descrever o mergulho deliberado na produção do álbum, esclarecido totalmente nas declarações sentimentais ou até nos desvios que fogem do convencional. A estética abraça pulsações inspiradas nas referências dos anos 1970 e 2000, como ABBA e Madonna, mas se diferencia pela distorção hipermoderna do art pop experimental, como é visto na faixa I <3 U.
BUTTERFLY, single de abertura, exemplifica essa abordagem com vocais infantis e simpatizantes e um refrão que beira o caricato — uma escolha arriscada aos demais artistas, mas que, de tão intencional e particular, funciona. Já CUNTISSIMO abraça a persona de Maria Antonieta e celebra o hedonismo do envelhecimento feminino com um humor que falta na maioria da música pop atual. Entretanto, nem todas as faixas sustentam o mesmo impacto, contrapondo a similaridade e andando paralelamente no mesmo sentido intuitivo de MARINA. Algumas músicas, como ROLLERCOASTER, acabam soando mais como fillers dançantes do que declarações artísticas.
Emocionalmente, o projeto é uma contradição fascinante. Letras como as de EVERYBODY KNOWS I’M SAD revelam tons melancólicos camuflados por batidas eufóricas que habilitam o ritmo mágico. Essa dualidade entre dor e alegria cativa bastante e também expõe uma limitação — quando a ironia domina demais, a conexão emocional se perde. Como aconteceu em HELLO KITTY, a artista tende a explorar letras divertidas e charmosas, mas se perde no lírico poético e quase alcança o ridículo na forma em como reflete a imaturidade adolescente no prazer, o que difere do astral adulto de uma carreira consolidada — e aparentemente o título não encaixa tão bem quanto esperavam, Avril Lavigne explica.

Apesar disso, há algo genuíno na forma como ela abraça suas contradições e coloca a produção em um patamar de excelência, especialmente em faixas como a de encerramento, FINAL BOSS, em que a autossuficiência vira tema central. Repleto de altos e baixos, o álbum PRINCESS OF POWER representa um marco na carreira de Marina Diamandis por demonstrar que a artista é capaz de se aprofundar sem medo em um âmbito infartado dos algoritmos dos streamings. Essa autonomia permite momentos de brilhantismo, mas também incendeia uma certa autocomplacência de que nem todas as ideias são tão bem executadas quanto poderiam ser.
Por um lado, é libertador. Por outro, a falta de filtro externo apresenta resultados rasos. No fim, MARINA não busca a perfeição, e sim a autenticidade, mesmo que seja de maneira inconsistente. Em um universo controlado por executivos, não haveria liberdade em brincar com clichês, nem de explorar suas narrativas pessoais, fazendo com que esse disco nunca existisse.
PRINCESS OF POWER é um álbum que se orgulha de suas imperfeições, é uma procura do seu retrato mais honesto do seu momento atual. Pode não ser o seu trabalho mais profundo, mas é talvez o mais legítimo. Neste cenário musical que constantemente tenta moldar artistas como se fossem fantoches, a MARINA — que desde The Family Jewels transformou a rebeldia contra os padrões em Arte — prova que se entregar à sua própria visão sempre foi sua vitória mais significativa.