Vitória Borges
Nenhuma visão de mundo é igual. É isso que a produção brasileira Precisamos Falar mostra. O longa, exibido na seção Mostra Brasil da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, aborda os limites da moralidade e acompanha as turbulências no relacionamento intrafamiliar de duas famílias do Rio de Janeiro. Inspirado no livro O Jantar, de Herman Koch, o filme mostra a reflexão sobre até onde os pais vão para proteger seus filhos.
Produzido por Pedro Waddington e Rebeca Diniz, o thriller psicológico explora o pior do alto escalão da classe média carioca. Acompanhando os casais Sandra (Marjorie Estiano) e Paulo (Alexandre Nero), e Celso (Emílio de Mello) e Anna (Hermila Guedes), a trama gira em torno da descoberta de um terrível homicídio cometido por seus filhos adolescentes – o que acaba ocasionando tensões nas relações das famílias.
Abordando a banalidade do mal, sobre os direitos humanos para humanos direitos, o longa nos convida a uma dolorosa introspecção sobre a natureza da nossa responsabilidade. Apesar de tratar de um assunto muito batido e que bate sempre na mesma tecla de ‘criticar a elite brasileira’, a produção de Waddington e Diniz foi bastante perspicaz ao abordar o negacionismo justamente em um período pós-governo bolsonarista.
A maturidade artística dos atores mais novos de Precisamos Falar propõe uma construção muito bem interpretada, já os adultos deixam um pouco a desejar. O personagem de Alexandre Nero é intragável, um homem nazifacista que é contra todos os direitos da população pobre, que se vê na posição de julgar o que acha certo e errado dentro da sociedade. Já o núcleo adolescente da produção contempla um desenvolvimento excelente, além de alimentar a curiosidade do público sobre os acontecimentos da trama.
Apostando em ângulos que enfatizam o desconforto moral dos personagens, o longa permite a escolha de uma narrativa que contemple a incerteza. Em meio a diversas chantagens, a cultura contemporânea brasileira é apresentada de forma extremamente provocativa e fragmentada. Como em Taxi Driver – Motorista de Táxi (1976), a ‘libertação’ que Michel (Thiago Voltolini) tanto fala e reproduz está pautada no seu senso de exclusão e eliminação do outro, como um paradoxo aos pactos conservadores de direita, que utilizam de atos de violência como forma de ‘limpar’ o ambiente ao seu redor.
Precisamos Falar encara o lado direitista, negacionista e narcisista da população brasileira. A obra, que causa desconforto no espectador do início ao fim, vai além do entretenimento e nos faz questionar sobre até que ponto a impunidade é dada às riscas para o ser humano. O que nos resta, é esperar sentados e aguardar por uma resposta. Afinal, “a verdade ama se esconder” – como mostra o slogan do filme.