Pra Sempre Paquitas é um polêmico e surpreendente purgatório dos traumas da geração das décadas de 1980 e 1990

Imagem de três mulheres sorrindo em um camarim iluminado. A mulher ao centro, com cabelos curtos e uma camiseta preta com a frase 'Tô Empaquitada', segura um pequeno cachorro vestido com um chapéu vermelho. As outras duas mulheres, uma usando uma camiseta branca com estampa da marca Reserva e outra com uma camiseta branca com um arco-íris, estão ao lado dela. Ao fundo, araras de roupas e espelhos completam o ambiente descontraído.
Tatiana Maranhão e Ana Paula Guimarães, além de ex-paquitas, são as criadoras da série documental
(Foto: Blad Meneghel)

Vinicius Magalhães

Difícil assistir o documentário Pra Sempre Paquitas, lançado pelo Globoplay em Setembro de 2024, sem fazer comparações com outro produto de 2023 da plataforma de streaming da Globo: Xuxa, o Documentário. Apesar de não ser vendida como um spin off – mesmo com todas as características de um –, a série sobre o grupo de assistentes de palco da apresentadora Xuxa entrega um material muito mais polêmico, interessante, honesto e divertido comparado ao que inspirou a sua criação. 

Em cinco episódios de cerca de 50 minutos, a série documental não tem uma proposta inovadora; assim como inúmeros outros documentários nostálgicos, a ideia é revisitar a cultura pop das décadas  de 1980 e 1990 e explorar as polêmicas e memórias do período. No entanto, mesmo sem prometer originalidade, a obra se torna diferente das outras em diversos sentidos. O primeiro destaque é, sem dúvida, o resgate de imagens de acervo. O seriado entrega um deleite de gravações  caseiras de bastidores de shows e programas de televisão que, até então, nunca tinham sido exibidas. 

O segundo destaque é não ser mais uma obra chapa-branca. Os recentes documentários biográficos lançados pelo Globoplay possuem a característica em comum de fugir das polêmicas e incoerências dos personagens centrais. Aqui, o confronto acontece desde o início, seja pelas desavenças entre as paquitas ou pela omissão da apresentadora Xuxa diante inúmeros casos de abuso sofridos pelas garotas.

Imagem de um grupo de mulheres no palco, vestindo casacos pretos com detalhes dourados e vermelhos, semelhantes a uniformes militares estilizados. Elas estão cantando e sorrindo, enquanto uma banda toca ao fundo, incluindo instrumentos como percussão e teclado. O público, ao fundo, assiste animado, com algumas pessoas segurando pompons coloridos. O cenário é iluminado com cores vibrantes, criando uma atmosfera festiva.
Como estratégia de lançamento da série documental, o programa Altas Horas reuniu todas as paquitas em um especial
(Foto: Globo)

Cada episódio se concentra em apresentar a história das paquitas de forma cronológica, passando desde a primeira geração de 1986 até a última de 2000.  No início, vemos a construção do sonho que pairou no imaginário de garotas por quase vinte anos: ser uma assistente de palco da maior popstar do Brasil. Mas, a partir do terceiro episódio, Do mundo a gente toma conta, sutilmente, o público vai sendo levado a questionar se esse sonho não esconde uma realidade nem um pouco cor-de-rosa, seguindo assim até o final. Daí em diante, a série torna-se um purgatório de traumas vividos pelas diferentes gerações de paquitas e coloca, no centro do palco, a coadjuvante de toda narrativa: Marlene Mattos.

A empresária e diretora de TV, Marlene Mattos, foi responsável por gerenciar a vida, carreira e negócios de Xuxa por mais de 20 anos. Conhecida pelo seu temperamento rude e explosivo, Mattos é a pessoa mais citada em todo o seriado, justamente por ser a gestora das paquitas. Fica evidente ao longo da história como o sucesso e o poder rompeu com os limites profissionais da empresária. Infelizmente, não é oferecida ao público a oportunidade de ouvir a outra versão da história, pois a coadjuvante não aceitou nenhum dos convites para participar da produção. Assim, ela é retratada como uma típica vilã maniqueista, repleta de defeitos e isenta de qualidades.

O clímax da série é a divulgação de fitas de áudio com confissões de casos de agressão verbal e psicológica sofridos pelas paquitas. O material, até então inédito, foi gravado por um produtor do programa Xou da Xuxa que estava interessado em produzir um livro sobre os bastidores do grupo. Esse episódio envolvendo o livro desemboca em uma sequência de punições que culminam na dissolução da formação de assistentes de palco e a seleção de um novo grupo de meninas. Outro ponto alto é a escolha do diretor, Ivo Filho, e da diretora artística, Ana Paula Guimarães, de quebrar a quarta parede em diversos momentos. Mesmo com uma montagem convencional, esses momentos de ruptura  entre público e produção trouxe, não somente uma estética mais criativa, como também acrescentou veracidade para os depoimentos. 

Imagem de duas mulheres sorrindo em frente a um painel com o logotipo do Itaú e elementos decorativos coloridos. A mulher ao fundo, de cabelos curtos e loiros, está vestida de preto e abraça a mulher à frente, que usa óculos e um vestido azul, ambas com os braços levantados em sinal de alegria.
A série documental rendeu o meme “que xou da Xuxa é esse?”
(Foto: Rogério Fidalgo)

A obra patina em pontos onde tenta criar polêmicas para histórias que já possuem esclarecimentos, como por exemplo, a saída repentina de uma paquita que já possui explicação, mas que a produção preferiu ocultar e tratar como um assunto sem resposta. Outro ponto que poderia ter sido tratado com mais profundidade é a polêmica sobre a ausência de diversidade e, como a decadência do grupo está relacionada com esse problema. Apesar de selecionar importantes pensadoras negras para comentar o tema, a pauta poderia ser melhor tratada sob diferentes prismas, entre eles, um dos mais instigantes: o fato de Marlene Mattos ser uma mulher negra e ainda assim cometer racismo.

Criada por Ana Paula Guimarães e Tatiana Maranhão – duas paquitas da considerada geração de ouro –, a série documental é um entretenimento que merece ser visto, justamente por ter sido idealizado pelas pessoas que viveram na pele todas as histórias contadas. Dessa maneira, cada cena e relato torna-se mais honesto e interessante e, de quebra, leva o público a resgatar a infância e fazer as pazes com o passado.

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