Vinicius Magalhães
Difícil assistir o documentário Pra Sempre Paquitas, lançado pelo Globoplay em Setembro de 2024, sem fazer comparações com outro produto de 2023 da plataforma de streaming da Globo: Xuxa, o Documentário. Apesar de não ser vendida como um spin off – mesmo com todas as características de um –, a série sobre o grupo de assistentes de palco da apresentadora Xuxa entrega um material muito mais polêmico, interessante, honesto e divertido comparado ao que inspirou a sua criação.
Em cinco episódios de cerca de 50 minutos, a série documental não tem uma proposta inovadora; assim como inúmeros outros documentários nostálgicos, a ideia é revisitar a cultura pop das décadas de 1980 e 1990 e explorar as polêmicas e memórias do período. No entanto, mesmo sem prometer originalidade, a obra se torna diferente das outras em diversos sentidos. O primeiro destaque é, sem dúvida, o resgate de imagens de acervo. O seriado entrega um deleite de gravações caseiras de bastidores de shows e programas de televisão que, até então, nunca tinham sido exibidas.
O segundo destaque é não ser mais uma obra chapa-branca. Os recentes documentários biográficos lançados pelo Globoplay possuem a característica em comum de fugir das polêmicas e incoerências dos personagens centrais. Aqui, o confronto acontece desde o início, seja pelas desavenças entre as paquitas ou pela omissão da apresentadora Xuxa diante inúmeros casos de abuso sofridos pelas garotas.
Cada episódio se concentra em apresentar a história das paquitas de forma cronológica, passando desde a primeira geração de 1986 até a última de 2000. No início, vemos a construção do sonho que pairou no imaginário de garotas por quase vinte anos: ser uma assistente de palco da maior popstar do Brasil. Mas, a partir do terceiro episódio, Do mundo a gente toma conta, sutilmente, o público vai sendo levado a questionar se esse sonho não esconde uma realidade nem um pouco cor-de-rosa, seguindo assim até o final. Daí em diante, a série torna-se um purgatório de traumas vividos pelas diferentes gerações de paquitas e coloca, no centro do palco, a coadjuvante de toda narrativa: Marlene Mattos.
A empresária e diretora de TV, Marlene Mattos, foi responsável por gerenciar a vida, carreira e negócios de Xuxa por mais de 20 anos. Conhecida pelo seu temperamento rude e explosivo, Mattos é a pessoa mais citada em todo o seriado, justamente por ser a gestora das paquitas. Fica evidente ao longo da história como o sucesso e o poder rompeu com os limites profissionais da empresária. Infelizmente, não é oferecida ao público a oportunidade de ouvir a outra versão da história, pois a coadjuvante não aceitou nenhum dos convites para participar da produção. Assim, ela é retratada como uma típica vilã maniqueista, repleta de defeitos e isenta de qualidades.
O clímax da série é a divulgação de fitas de áudio com confissões de casos de agressão verbal e psicológica sofridos pelas paquitas. O material, até então inédito, foi gravado por um produtor do programa Xou da Xuxa que estava interessado em produzir um livro sobre os bastidores do grupo. Esse episódio envolvendo o livro desemboca em uma sequência de punições que culminam na dissolução da formação de assistentes de palco e a seleção de um novo grupo de meninas. Outro ponto alto é a escolha do diretor, Ivo Filho, e da diretora artística, Ana Paula Guimarães, de quebrar a quarta parede em diversos momentos. Mesmo com uma montagem convencional, esses momentos de ruptura entre público e produção trouxe, não somente uma estética mais criativa, como também acrescentou veracidade para os depoimentos.
A obra patina em pontos onde tenta criar polêmicas para histórias que já possuem esclarecimentos, como por exemplo, a saída repentina de uma paquita que já possui explicação, mas que a produção preferiu ocultar e tratar como um assunto sem resposta. Outro ponto que poderia ter sido tratado com mais profundidade é a polêmica sobre a ausência de diversidade e, como a decadência do grupo está relacionada com esse problema. Apesar de selecionar importantes pensadoras negras para comentar o tema, a pauta poderia ser melhor tratada sob diferentes prismas, entre eles, um dos mais instigantes: o fato de Marlene Mattos ser uma mulher negra e ainda assim cometer racismo.
Criada por Ana Paula Guimarães e Tatiana Maranhão – duas paquitas da considerada geração de ouro –, a série documental é um entretenimento que merece ser visto, justamente por ter sido idealizado pelas pessoas que viveram na pele todas as histórias contadas. Dessa maneira, cada cena e relato torna-se mais honesto e interessante e, de quebra, leva o público a resgatar a infância e fazer as pazes com o passado.