Ana Laura Ferreira
No dia 8 de março comemorou-se no Brasil e no mundo o Dia Internacional da Mulher, em meio às muitas de homenagens milhares gritaram contra o feminicídio, subindo a thread no Twitter “Parem De Nos Matar”. E é exatamente sobre as relações abusivas e os comportamentos tóxicos, que tiram a vida de milhares de mulheres anualmente, que se trata a música Pienso En Tu Mirá da espanhola Rosalía. Em um clipe cheio de significados a cantora conta uma história de superação enquanto clama por mudanças.
Rosalía pode ser considerada a mais nova revelação do pop. Com músicas que reafirmam suas origens culturais, ela mistura as clássicas batidas flamencas com o R&B, a música urbana e a eletrônica. Em seu último álbum, El Mal Querer, a cantora de 25 anos adapta a obra “Flamenca”, livro do século XIV, de autoria desconhecida, que conta a história de uma mulher aprisionada por seu ciumento marido em uma torre. Entretanto, em meio às suas 11 faixas, Pienso En Tu Mirá se destaca por sua letra e principalmente por seu clipe.
Em pouco mais de quatro minutos nos é narrada a história de uma mulher e de seu abusivo companheiro. Em seus versos é possível encontrar sinais de abusos físicos – como no trecho em que canta que tem medo do ouro que te veste, pois ele se “agarra a seu pescoço” -, mas também é possível ver sinais claros de abuso psicológico como no refrão em que Rosalía diz “Penso em seu olhar, seu olhar fixo é uma bala no peito”. Porém, apesar da forte letra o que mais chama a atenção em Pienso En Tu Mirá é o clipe lançado em julho de 2018, com centenas de mensagens subliminares e críticas sociais.
Logo em seu início vemos a cantora cercada por várias mulheres que a presenteiam com colares, brincos e anéis de ouro, representando a bajulação que ocorre na maioria dos relacionamentos tóxicos. Na sequência uma das mulheres a morde no pescoço com presas douradas, mostrando que todo aquele ouro a suga e a machuca tanto quanto os outros aspectos daquela relação.
Durante todo o clipe podemos ver homens com marcas de tiro em seus peitos, assim como vemos Rosalía carregando uma arma ao decorrer do vídeo. Porém, enquanto os homens sangram pela frente, quase como se tivessem sido alvejados quando suas parceiras tentavam se defender, a cantora é a única que sangra pelas costas de modo a lembrar uma facada. No mesmo framing ainda podemos ver um touro indo em direção a ela, fazendo uma analogia direta as famosas touradas espanholas, um esporte extremamente violento e quase que inteiramente masculino.
Na cena seguinte Rosalía aparece cercada por mãos que formam um arco em sua cabeça, lembrando muito o aspecto de uma santa, o que se relaciona com a capa de seu álbum além de trazer a ideia de pureza, fragilidade e sofrimento. As mesmas ideias aparecem mais para o final do clipe onde podemos ver uma boneca de porcelana que representa a própria cantora. Ela que está cercada por cigarros e uma garrafa de bebida alcoólica é destruída por um homem extremamente agressivo.
Entretanto, a passagem mais chocante de todo o clipe seja talvez a mais verdadeira. Podemos ver Rosalía cercada por homens armados, com facas, espingardas, bastões e revólveres apontados em sua direção. Ela, apesar oprimida não parece intimidada, se levanta e começa a caminhar mostrando que mesmo perseguida não desisti da sua liberdade. Em sua última cena vemos a cantora de pé em cima de um caminhão tombado com seu nome, seus cabelos esvoaçante a fazem lembrar uma super-heroína que conseguiu enfim sair de seu relacionamento abusivo.
O clipe ainda conta com milhares de outras referências à amores tóxicos, como também a cultura flamenca, muito presente em todos seus trabalhos. Porém, o grande destaque de sua obra é a verdade que ela traz: estima-se que a cada hora seis mulheres são mortas por seus companheiros ou familiares no mundo. No Brasil os números se tornam ainda mais preocupantes, com dados que mostram que em 2018 nove mulheres foram vítimas de agressão a cada minuto.
Do mesmo modo que muitas se pronunciaram no dia 8 de Março, implorando por suas vidas, Rosália usa de sua arte para pedir socorro. A própria cantora, bem como milhões de outras mulheres ao redor do mundo, diz já ter estado em um relacionamento abusivo do qual conseguiu se libertar. Assim, com um grito de empoderamento ela reivindica o direito de viver em nome de todas as mulheres do mundo.
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