Nádia Linhares
Quando se trata de longas de animação japonesa, talvez o nome mais conhecido seja o de Hayao Miyazaki, diretor de A Viagem de Chihiro, O Castelo Animado e Meu Amigo Totoro. O Studio Ghibli é a cara da animação japonesa no ocidente, mas há outro estúdio que, apesar de sua maioria de lançamentos ser de animes seriados, produziu longas que merecem destaque, entre eles os dirigidos por Satoshi Kon.
Satoshi dirigiu (e escreveu) pela Madhouse quatro filmes: Perfect Blue, Millenium Actress, Tokyo Godfathers e Paprika. Por que tão poucos? Antes de terminar de dirigir seu quinto filme, Dreaming Machine, ele descobriu que tinha câncer de pâncreas e morreu em 2010, com apenas 46 anos.
Seu estilo envolve o surrealismo e a distorção da realidade. Ele remove o muro que divide o consciente e o subconsciente, permitindo que o lado fantasioso permeie a realidade do personagem. Completando uma década ano passado, a história de Paprika representa bem o estilo de Satoshi.
Baseado no livro homônimo de Yasutaka Tsutsui, o longa foi lançado em 2006 e traz o mundo da ficção científica onde um aparelho chamado DC Mini permite compartilhar sonhos, como o aparelho do filme Inception (que inclusive foi inspirado pela animação), e que também podem ser vistos por quem está acordado controlando o aparelho. A companhia que o desenvolveu pretende usá-lo como uma ferramenta em tratamentos psicológicos, porém, alguns dos aparelhos foram roubados e os cientistas vão atrás do ladrão que começou a tomar conta do consciente de outras pessoas ainda acordadas, as colocando em um sonho da qual elas não conseguem acordar. É aí que entra Paprika. Ela é a salvadora do mundo dos sonhos que agora salvará a realidade.
A animação ganhou três prêmios: o de Escolha do Público no Festival do Cinema Novo de Montreal, Prêmio da Crítica no Fantasporto e o de Melhor Animação no Newport Beach Film Festival. E foi indicado ao prêmio de Leão de Ouro no 63º Festival Internacional de Filmes de Veneza.
Satoshi dirigiu um filme que vai muito além de “uma obra sobre sonhos”. Explora as relações entre os personagens e suas personalidades, trazendo características como a obesidade, a homossexualidade, a obsessão, a deficiência e o sonho de seguir a carreira artística, tratando não apenas sobre a realidade dos personagens, mas como lidam com a realidade em que vivem.
A história é imprevisível, segue um ritmo que não cansa e, por mais que a história pareça confusa, permite o espectador acompanhar o enredo. Satoshi tinha uma “técnica-estilo”, que é o match cut, isto é, fazer a transição entre cenas usando posições ou movimentos semelhantes. Essa técnica cria uma conectividade entre as cenas, que valorizou o conceito dos sonhos invadindo a realidade e dá liga na confusão da história.
O cineasta consegue misturar suspense com fantasia, alternando cores frias com cenas extravagantes de tão coloridas, criando contraste entre a realidade e os sonhos e uma dinamicidade. A trilha sonora também colabora para imergir o espectador na distorção da realidade, com a própria distorção dos vocais e o uso de instrumentos elétricos. Tudo ficou bonito e fluído – ponto pra Madhouse!
Talvez, por Satoshi ter morrido tão jovem com poucos filmes no currículo, seu nome não ficou conhecido no ocidente. Ou, quiçá, por ter estado associado a um estúdio cujo forte não eram os longas, mas os animes transmitidos na televisão japonesa. Seja o que for, merece quebrar esse monopólio de atenção que Miyazaki possui junto ao Studio Ghibli. Paprika é uma das provas disso.
*Texto realizado por Nádia Linhares para a disciplina de Filosofia, da graduação em Jornalismo da UNESP.
Parabéns!!
Belissimo texto =)