Guilherme Machado Leal
A pergunta “Qual é o seu filme de terror favorito?” feita pelo vilão Ghostface da franquia de filmes slasher Pânico talvez seja a mais conhecida pelo público geral. A questão exemplifica certamente o conceito do universo criado pelo célebre diretor Wes Craven: na franquia, o cerne da história é a abordagem da metalinguagem, ou seja, brincar com os estereótipos de filmes de terror na própria obra. Com a genial combinação do horror com humor, as sequências estreladas pela final girl Sidney Prescott (Neve Campbell) se destacam justamente por não se levar a sério, e é por isso que Pânico possui uma legião de fãs, os quais são extremamente aficionados pela narrativa instigante de tentar adivinhar quem está por trás dos assassinatos por parte do mascarado. Com a estreia do sexto longa-metragem, a história não seria diferente.
Após o sucesso inesperado de Scream (2022), era claro que uma sequência seria confirmada. A nova aventura, ambientada em Nova York, diferentemente do cenário habitual da cidade de Woodsboro, acompanha os sobreviventes Sam (Melissa Barrera), Tara (Jenna Ortega), Chad (Mason Gooding) e Mindy (Jasmin Savoy Brown) tentando seguir em frente após os ataques sofridos no longa anterior, mas a sede de vingança do novo Ghostface é maior do que qualquer tentativa de superação de suas vítimas. Indo na perspectiva de uma ambientação inédita – uma vez que, com exceção de Pânico 3, todos os filmes se passaram na pequena cidade do estado da Califórnia -, observa-se que toda a construção do marketing de Pânico 6 se deu em volta da Cidade Que Nunca Dorme, algo que, no filme, é totalmente descartável.
Durante a campanha de divulgação, Nova York era colocada como o foco de todas as narrativas e até usada como justificativa da grandiosidade do sexto projeto. Entretanto, infelizmente o pano de fundo usado nesse capítulo é completamente dispensável, visto que há apenas uma cena que contém a presença de algo característico da cidade – no caso, o famoso metrô nova-iorquino. Assim, o espaço em que a história se passa é pouco aproveitado pelos personagens: o enredo poderia se passar em qualquer outra cidade dos Estados Unidos. Nem mesmo a famosa Times Square é utilizada a favor da franquia, o que demonstra um certo despreparo dos roteiristas James Vanderbilt (Zodíaco) e Guy Busick (Urge) – que, mesmo com o auxílio de Kevin Williamson (franquia Scream), não acertam no tom da abordagem de Nova York dentro dos moldes de Pânico.
A ótima recepção do quinto filme da franquia serviu como uma porta de entrada dos fãs mais jovens ao subgênero slasher, já que, a partir dele, uma nova geração, comandada pelas atrizes Melissa Barrera (Em Um Bairro de Nova York) e Jenna Ortega (Wandinha), veio para substituir o trio original composto por Sidney (Campbell), Gale (Courteney Cox) e Dewey (David Arquette). De fato, um dos maiores acertos dos filmes mais recentes de Pânico é a escolha do elenco: com a adição de Ortega à franquia, cenas icônicas como a famosa abertura – altamente esperada – ganham uma nova roupagem, conversando diretamente com a geração atual. No entanto, há uma pergunta que precisa ser feita: ainda é necessária mais uma aventura comandada pelo Ghostface?
A resposta para essa pergunta seria a própria existência de Pânico VI. Ao longo de seus 122 minutos, a produção apresenta ao público uma série de novos personagens, ao mesmo tempo em que há a volta de uma peça icônica da franquia: a personagem Kirby (Hayden Panettiere), que sobreviveu aos ataques de Pânico 4 e agora trabalha como uma agente investigativa. Mesmo com todo o seu carisma, a personagem de Panettiere não consegue tempo de tela o suficiente para justificar a sua presença, fazendo com que a sua participação seja indiferente no sexto filme. Esse é um dos maiores problemas do longa: há uma desproporcionalidade entre a quantidade de personagens para serem desenvolvidos e o tempo dado a cada um dos enredos que permeiam a história.
Além disso, embora a brutalidade do Ghostface de Pânico 6 seja a melhor até o momento, a tão famosa motivação é revelada no terceiro ato de uma forma rasa – por isso, há a necessidade de se perguntar se havia material suficiente para ser abordado. É totalmente compreensível que não deve ser fácil para uma franquia, após 26 anos de seu primeiro longa, sustentar um motivo plausível para legitimar os ataques de um psicopata mascarado. As mortes estão mais gráficas, mais reais e violentas, o que levou à distribuidora a classificá-lo como proibido para menores de 18 anos.
Por mais que tenham diversas questões que fundamentam o término da franquia, há também motivos que se tornam cruciais para a persistência da sua presença. Um deles é a atuação da protagonista Sam Carpenter – que, embora em Pânico 5 não tenha agradado muitos fãs, em Scream VI é a alma do filme. Melissa Barrera transmite toda a dualidade de sua personagem, pois, diferente de Sidney – a final girl dos quatro primeiros longas -, Carpenter tem um lado psicopata muito vivo dentro de si mesma, o que permite ao público conferir uma profundidade e a luta de Sam ao lidar com a sua tendência para o mal. Os sobrinhos do icônico personagem Stu Macher (Matthew Lillard), interpretados pelos talentosos Jasmin Savoy Brown (Yellowjackets) e Mason Gooding (Booksmart), também são duas adições necessárias que somente agregam ao universo de Scream.
Outro ponto de destaque é a trilha sonora: ao ter a cantora Demi Lovato – a qual, no momento, está em sua era pop rock. Com a música inédita Still Alive, o filme dirigido por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett (Casamento Sangrento) acerta ao priorizar músicas que conversem com a dinâmica apresentada na história, uma vez que, por se tratar da franquia Pânico, é essencial que se tenha ao menos uma música marcante, como é o caso da canção Red Right Hand da banda Nick Cave and The Bad Seeds em Scream (1996). Focando em uma sonoridade mais alinhada ao rock, a trilha ainda possui a faixa In My Head, de Mike Shinoda e Kailee Morgue, feita especialmente para o filme.
De modo geral, ainda que o carisma do novo elenco dos últimos dois filmes da franquia seja a alma da história, é preciso dizer adeus ao Ghostface. O vício de Hollywood com as sequências que dão certo precisa parar, porque pode comprometer o legado – tão bem construído pelo diretor Wes Craven – de uma das franquias de terror mais famosas do mundo. Abordagens características de Pânico, como os comentários sempre muito assertivos sobre metalinguagem, aqui se tornam repetitivos e nada acrescentam à narrativa. E por mais que o sexto longa-metragem tenha a maior duração entre todos da franquia, erra ao não conseguir distribuir o tempo de tela entre os seus diversos personagens, fazendo, assim, com que certas presenças – como a de Courteney Cox (Friends) – sejam ínfimas.
Ao que tudo indica, pelo seu sucesso nas bilheterias, a franquia ganhará uma possível sequência. Caso isso aconteça, é esperado que tenha um encerramento digno de um universo tão icônico e marcante do horror e a volta de Neve Campbell – que ficou de fora de Scream VI por não ser devidamente valorizada pelo estúdio – uma última vez para enfrentar o seu inimigo mascarado. E falando em um dos, se não o mais famoso assassino de filmes de terror, seria bom dar um descanso a sua imagem e deixá-lo se aposentar como um personagem icônico em vez de torná-lo maçante e superficial. Se realmente houver uma última aventura, é dever dos diretores garantirem ao seu público fiel a noite de terror mais saborosa de suas vidas, pois certamente o icônico Ghostface o fará.
Amei a crítica! Parabéns!