Ana Laura Ferreira
Com as tecnologias a que temos acesso hoje, somos vigiados 24 horas por dia, seja através de câmeras ou de check-ins feitos por nós mesmos. Entretanto, chega a ser assustador saber que sempre há alguém nos observando. Imagine como seria, então, descobrir que desde antes do seu nascimento você está sendo filmado e que faz parte de um grande programa de TV no qual é a estrela. Essa é a realidade abordada em O Show de Truman, uma ficção que se assemelha muito com a nossa vida.
Truman Burbank (Jim Carrey) é a primeira criança a ser adotada por uma emissora de televisão e desde a sua gestação é televisionado para todo o mundo. Vigiado por milhares de câmeras durante quase 30 anos, ele contracena com atores que interpretam os papéis de todos a sua volta, incluindo seus pais e até sua esposa e melhor amigo. Truman é o único que não atua e que não sabe que está em um programa de televisão.
A ilha de Seahaven, a cidade onde tudo se passa, é na verdade uma grande redoma na qual tudo é controlado; do clima ao nascer e pôr do sol, sempre há alguém por trás. Porém, próximo ao seu trigésimo aniversário, Truman passa a suspeitar que está sendo observado e então inicia a sua fuga.
O criador e diretor do show, Christof (Ed Harris), desenvolve desde a infância do garoto diversas artimanhas para mantê-lo dentro de Seahaven. A mais significativa é a morte do pai de Truman, que se afoga durante uma tempestade. Isso faz com que ele tenha medo do mar e se torne, assim, incapaz de sair do perímetro de terra no qual vive.
Uma das análises mais importantes feitas sobre o filme é a sua comparação com o Mito da Caverna de Platão. Truman, neste caso, teria passado sua vida inteira apenas observando as sombras projetadas de uma realidade. Quando ele parte em busca de sua liberdade e de explicações, é como se naquele momento ele tivesse saindo da caverna e vislumbrando pela primeira vez o sol e o mundo da verdade.
Ter uma vida relativamente boa, um bom emprego, um casamento feliz e poucos, mas bons amigos faz com que a personagem se apegue àquela realidade e não a questione. Durante o próprio filme é levantada a questão de como se pode iludir Truman durante quase trinta anos sem que ele desconfie. Em resposta, é dito que nós acreditamos na realidade que nos é mostrada. Sendo aquela a única realidade de Truman, ele chega a pensar que está enlouquecendo ao começar a questioná-la.
A sensação de estar sendo observado, que desencadeia todos os acontecimentos do filme, pode ser explicada cientificamente. Esse fenômeno foi muito estudado pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake. Ele criou a A Teoria dos Campos Mórficos para comprovar que aquela sensação não era meramente fruto da nossa imaginação. No longa, Truman caracteriza esse sentimento de vigília, independentemente de saber quem o observa.
O Show de Truman é a mais perfeita ilustração do que vivemos nos dias atuais. A busca por atenção faz com que nos submetemos a apenas absorver e reproduzir o mundo a nossa volta, sem questioná-lo. Passamos a ser dirigidos por grandes empresas e a nos conformar com a exposição extrema de nossa vida pessoal. Assim, o filme nos leva a repensar a nossa realidade e se não vivemos todos como Truman.