Marina Debrino
Com raras falas e uma estética minimalista, “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, causará estranhamento para quem está acostumado com as animações dos estúdios de Hollywood. O filme foi o representante brasileiro no Oscar em 2016, concorrendo na categoria de Melhor Animação, e já carrega mais de 40 prêmios nacionais e internacionais na bagagem. No Festival Internacional de Animação de Annecy na França, uma das mais importantes premiações do gênero, venceu dois dos prêmios principais – o Prêmio Cristal de Melhor Longa e o Prêmio do Público, ambos no ano de 2014. Além disso, foi o primeiro latino-americano a concorrer na categoria domingo (28) no Oscar.
O enredo gira em torno de um menino cujo pai abandona a vida rural para trabalhar na cidade. Diante disso a criança parte em busca dele e vai conhecendo realidades distintas, saindo do campo para o ambiente urbano. O principal contraste representado é o campo e a cidade, visualmente explícito pela escolha de cores. No primeiro, as cenas são coloridas para representar a natureza que cerca a casa do garoto com acompanhamento de uma trilha sonora alegre enquanto no segundo são tons em cinza e marrom com uma trilha pesada, completando o cenário industrial que aparece nas cenas da cidade. As cores do filme refletem o estado de espírito das pessoas presentes nos lugares, opondo a alegria da vida rural ao caos industrial do contexto urbano, onde as pessoas são mais infelizes.
Um aspecto interessante sobre o filme é a maneira de abordar temas complexos através dos olhos infantis. Em certa parte, o menino entra em uma fábrica têxtil e vai observando a dura vida dos trabalhadores. Em seguida, a substituição desses por máquinas e a perda do emprego, tudo isso através da ingenuidade de uma criança. Outro ponto no qual isso é representado são as cenas em que os objetos são retratados como animais, os tanques de guerra, o navio que transporta os containers, transformam-se pela visão do garoto. Aparecem no filme também temas como o bombardeamento da publicidade, o impacto da industrialização e do capitalismo como um todo, assim como desmatamento, poluição e a ausência da figura paterna.
Além da diversidade temática, “O Menino e o Mundo” utiliza diferentes técnicas para sua composição, mas abandona o 3D. O diretor, Alê Abreu, conta em entrevista ao G1 que “usou tudo o que tinha na mesa para desenhar: canetinha, giz de cera, tinta”. Essa escolha fica muito clara na estética visual do filme, as imagens são simplistas e lembram desenhos feitos por crianças. Outro efeito que aparece são as colagens, que compõem os anúncios e o cenário relativo à cidade. Para abordar o desmatamento e a destruição causada pelo avanço urbano, rompe-se o universo da animação e entram cenas dos documentários “Iracema”, “Ecologia” e “ABC da Greve”. “O Menino e o Mundo” conta ainda com a música “Aos olhos de uma criança” interpretada pelo rapper Emicida, reproduzida nos créditos finais.
O custo de produção do filme girou em torno de 2 milhões de reais, pequeno quando comparado ao seu maior concorrente, “Divertida Mente”, cujos gastos foram de 700 milhões de reais, 350 vezes maiores. Para a sua divulgação nos Estados Unidos, a produtora brasileira “Filme de Papel” lançou uma campanha de crowdfunding visando atingir 100 mil reais, porém esse valor foi ultrapassado e está hoje em torno dos 150 mil. “O Menino e o Mundo” é um filme promissor que deu visibilidade para o mundo da animação no Brasil, agora visto com outros olhos. Independente da escolha da Academia no último domingo, o Brasil já tem como prêmio a própria existência do filme.