Daiane Tadeu
Lançado em 2006 e dirigido pelo mexicano Guillermo del Toro, O Labirinto do Fauno se consagrou como uma grandiosa fábula moderna. Ambientado na Espanha no ano de 1944, o filme se passa logo após o desfecho da guerra civil espanhola. A vitória das tropas Falangistas, lideradas pelo general Francisco Franco, deu origem a um regime ditatorial de extrema direita no país.
Devido a esse contexto que Ofélia, personagem principal da obra, uma imaginativa menina de 10 anos muda-se da cidade para uma mansão nas montanhas, tendo sido levada por sua mãe Carmen que se encontrava grávida e enferma. Ali reencontram seu padrasto Vidal, que era capitão do exército fascista, um homem que exalava disciplina, autoridade e tinha como propósito caçar os últimos rebeldes pela região.
Entretanto, o filme possui como trama paralela a “real” história de Ofélia: a menina seria a reencarnação de uma princesa que escapou de um submundo nos subterrâneos, universo habitado por criaturas fantásticas como fadas, faunos e monstros.
A essência do filme se baseia na correlação entre as duas realidades vividas por Ofélia. Ao mesmo tempo em que a menina suporta todas as mudanças ocorridas a partir do casamento de sua mãe com o capitão, seu novo e detestado pai, possui a árdua missão de cumprir três tarefas que a levarão de volta ao seu reino no submundo. Essas tarefas eram ministradas pelo Fauno, uma criatura metade homem, metade bode.
A guerra civil espanhola é um tema que já havia sido explorado por Del Toro em uma obra anterior: A Espinha do Diabo, lançado em 2001, o quarto filme do diretor. Alternando-se entre os gêneros de terror e aventura, a película conta a história de Carlos, um garoto de 12 anos que é deixado em um orfanato por seu pai em meio a guerra. Segundo Guillermo, os dois filmes não fazem parte de uma sequência, ou possuem alguma relação entre si. A ideia de escrever outra história que se relacionasse ao conflito vem da percepção do diretor de que muito ainda deveria ser dito, visto que o confronto foi um dos acontecimentos mais importantes no período entre guerras, sendo demarcado como o primeiro combate aberto entre tropas fascistas, comunistas e anarquistas.
Em Labirinto do Fauno podemos encontrar diversas alegorias que dialogam entre si. Assim, Ofélia é a representação máxima da infância fundamentada na inocência, insolência e pureza. Em contraposição temos Vidal personagem obediente, porém cruel, violento e extremamente pragmático, característica que faz com que o mesmo ignore as subjetividades ao seu redor e se torne vulnerável. A boa atuação de Ivana Baquero (Ofélia) cria uma grande simpatia do expectador para com a personagem. No entanto, o real destaque vai para o ator Sergí López (Vidal) que consegue desenvolver muito o seu papel escapando de uma atuação caricata e realçando as nuances da intensa e doente personalidade do general.
As outras duas alegorias centrais no filme são a do Fauno: representante da natureza principalmente da terra e das florestas simbolizando a vida desprendida da ganância humana. E Carmen, uma figura frágil e enferma representando a omissão e passividade que podem surgir diante de grandes dificuldades. Dessa maneira, cabe a realidade fantasiosa afastar a menina do autoritarismo violento do padrasto e da negligência da mãe.
A criada Mercedez e o médico, também são figuras importantes para a trama. Ambos estão infiltrados na mansão buscando informações e materiais que possam ajudar o exército rebelde. Mercedez se sobressai como uma importante figura feminina, menosprezada pelo capitão exatamente por ser mulher, consegue participar da resistência ao regime de forma discreta, porém decisiva. O Doutor se distingue e cativa através da insubordinação ao regime franquista diante das condutas que considerava moralmente desprezíveis.
Apesar da aproximação com os contos de fada devido ao enredo “princesa injustiçada que perde o seu trono e busca retomá-lo com a ajuda de seres fantasiosos”, O Labirinto do Fauno é uma fábula completamente divergente das que são lançadas normalmente e se enquadram no padrão dos estúdios Disney. Toda a obra, sobretudo os personagens e cenários possuem um caráter macabro e assombroso. Del Toro fez com que muitas sequências como a em que Carmem sofre uma hemorragia adquirissem uma atmosfera de suspense e terror.
Sem dúvidas o maior mérito da obra e consequentemente o que a torna tão grandiosa é a harmonização do enredo. O filme comporta as duas histórias sem que uma se sobreponha a outra, sendo a direção acurada de Del Toro um dos aspectos mais importantes para que isso ocorra.
Um belíssimo destaque dentro das noções técnicas foi a caracterização dos personagens fantásticos. É impressionante perceber que o Fauno e o Homem Pálido foram feitos a partir de figurinos e maquiagem, sem que ocorresse uma grande utilização de CGI no filme. Esse é um atributo característico da filmografia do diretor, que trabalhou por dez anos como supervisor de maquiagem, se destacando tecnicamente em Hellboy.
Na fotografia a predominância de uma paleta de cores terrosas, mais escuras e o uso de sombreados cercando as imagens remetem aos contos de fada antigos. A trilha sonora, inteiramente orquestrada, feita especialmente para o filme pelo compositor espanhol Javier Navarrete é um grande destaque.
Ao terminar de ver O Labirinto do Fauno as sensações de fascínio e encantamento associadas a melancolia são inevitáveis. O mundo fantástico explorado por Ofélia passa a parecer um bom refúgio, independente de sua existência ser fruto da imaginação da menina ou não. Podemos definir o filme da mesma forma que o narrador encerra a história de Ofélia: “ela deixou para trás pequenos sinais de sua passagem pelo mundo, visíveis para aqueles que sabem onde olhar.”