Guilherme Moraes
Em 1973, William Friedkin lançava O Exorcista, uma película de terror que logo se tornaria um clássico e mudaria o modo de se fazer filmes de demônio. No início da década de 2010, longas de terror psicológico começaram a fazer sucesso no Cinema pelas metáforas de medos sociais reais, como o racismo, a misoginia e a depressão, os transformando em algo concreto, como um ser místico ou, até mesmo, assassinos. Esse é o caso de filmes como A Bruxa (2015), Corra! (2017) e O Babadook (2014). Nesse sentido, O Exorcismo, de Joshua John Miller, tenta emplacar uma narrativa sobre depressão, alcoolismo, abuso e paternidade, ao mesmo tempo que faz uma referência ao clássico, porém, a obra acaba se tornando enxuta em seu conteúdo e rasa em sua forma.
Em princípio, o filme fala sobre as gravações de um longa-metragem de terror, em que o ator que interpreta o padre morre no set de filmagens, com isso, o diretor passa a procurar um outro ator para interpretar o personagem. Anthony Miller (Russell Crowe), um pai pouco presente e ‘ex-bebum’, decide fazer um teste para o papel; paralelamente a isso, ele tenta se reaproximar da filha, em uma busca de redenção e de ajustar a sua vida. No entanto, o protagonista acaba sendo possuído pelo demônio que matou o primeiro intérprete e, assim, acaba revivendo seus antigos traumas.
A obra se assume como um drama psicológico de maneira metalinguística, falando sobre o filme dentro do filme e, dessa forma, tenta esconder as suas fragilidades, principalmente quando se trata de trabalhar com o medo e a tensão típicos do gênero de terror. Nesse sentido, falta criatividade para Joshua John Miller. Ele até consegue trabalhar bem com os cenários, como a casa do Anthony sendo muito fechada, escura e claustrofóbica – as escadas conseguem imprimir um estado de alerta no espectador –, mas a montagem das cenas sugere sempre um drama relacionado ao trauma do personagem, e essa tentativa não consegue equilibrar o terror tradicional com o psicológico, tornando os dois rasos.
O longa exibe traços da obra original de William Friedkin: a trama focada na possessão e na relação pai e filha – em O Exorcista, era mãe e filha –; a construção da casa cenográfica; a iluminação esverdeada e azulada nas cenas do exorcismo; a maquiagem sobre o rosto transfigurado naquele que foi possuído. Essas características se tornaram típicas depois do clássico de 1973 e, aqui, são utilizadas como referência e uma tentativa de emular o horror que a personagem da Regan gerava. Porém, não conseguem alçar a mesma potência, pois, enquanto O Exorcista e, também, o remake O Exorcista – O Devoto, escolhem uma criança para ser a ‘endemoniada’, O Exorcismo escolhe o pai problemático, o que causa menos empatia.
Esses filmes tem uma relação de automutilação e profanação com corpo possuído, pois o demônio não oferece perigo apenas àqueles que estão rondando o personagem, mas também e, principalmente, à pele que ele tomou. É nesse sentido que a escolha por Anthony como “casca” enfraquece o horror, pois causa menos agonia ver um corpo de um homem adulto, “impuro”, sendo rondado pela morte. No entanto, aí reside algo de interessante, pois o corpo do protagonista se torna o melhor “receptáculo” para o monstro, visto que existem traumas e pecados que o tornam fraco perante ele.
Na cena final, a iluminação esverdeada e azulada, junto com a maquiagem que apodrece o corpo, elevam a sensação de nojo e horror. Isso acontece na obra original, porém, nesse filme, a impressão que passa é de que todas essas técnicas foram usadas achando que, por si só, já bastassem, sem um uso específico e criativo, tornando a cena do exorcismo muito estéril. Assim como em toda cena que buscava implementar uma tensão, essa também contém cortes a todo momento para relembrar o trauma de abuso que o Anthony sofreu e, nessa última cena, fica mais evidente a fragilidade dessa ideia, pois há um contraste muito grande do cenário frio e esverdeado, do presente, com o quente e vermelho, do passado, causando uma certa estranheza.
Até mesmo as questões dramáticas do protagonista são mal exploradas, porque The Exorcism (no original) é tão atulhado de informações que eles nem sabem o que trabalhar. A fita até instiga o espectador a pensar que tudo é uma consequência, ou seja, os problemas com a filha são resultado da relação problemática com a sua ex-mulher, que são efeito da ‘bebedeira’ e depressão que, por sua vez, são frutos do abuso quando era criança. Todavia, nenhuma dessas problemáticas são realmente aprofundadas, todas são exploradas de maneira intercalada durante o longa, reaparecendo de maneira burocrática, como toda cena com a filha parece lidar com paternidade, porém sendo esquecido em todos os outros momentos.
É de se esperar que, uma película com Kevin Williamson na produção e Russell Crowe como protagonista, seja recheada de boas ideias e sonhe alto, mas a execução de tudo isso foi mal feita, seja por falta de criatividade, por ser enxuta demais ou, até mesmo, pela falta de tempo, pois é uma obra curta para os padrões atuais. De maneira geral, é um filme que busca ser interessante e profundo, no entanto, gera o efeito contrário, se tornando, na verdade, raso em sua confecção.