Aviso: o texto contém spoiler e aborda temas sensíveis.
Guilherme Moraes
Um dos longas mais aguardados da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, O Brutalista, que fez parte da seção Perspectiva Internacional, é o clássico filme que recebe indicações na temporada de premiações. O teor biográfico, as atuações sisudas, os movimentos de câmeras sutis e uma trilha sonora pensada previamente para tomar a sala de cinema e criar algo mais sensorial são exemplos disso. No entanto, eles não foram usados de maneira vazia. Brady Corbet consegue aderir a todos os elementos que a Academia gosta para contar um épico sobre a desconstrução dos Estados Unidos como um país grandioso e terra da liberdade.
A abertura com um handshake muito forte e um trabalho de som vigoroso, feito por Steve Single e Andy Neil ao estilo Hans Zimmer, com notas graves e poderosas, tornam o ambiente dentro do container confuso, claustrofóbico e desesperador. Essa cena se contrapõe a um certo Cinema de ‘prestígio’ que virá posteriormente, com a utilização dos elementos cinematográficos de maneira mais sutil, como se escondesse a ‘podridão’ dos Estados Unidos; como se isso fosse algo sentido e não falado.
Desde sua chegada à América, László Tóth (Adrien Brody) precisa lidar com diversos problemas, como o desemprego, a falta de moradia, a fome e o preconceito. Assim como seu amigo Gordon (Isaach de Bankolé), o protagonista é visto como parte da escória da sociedade. Enquanto László é rejeitado por ser judeu, o outro sofre por ser negro. Durante as quase quatro horas de duração do filme, poucas vezes esses pontos são expressados diretamente – tudo é sentido por meio da construção atmosférica.
Apesar de parecer, a obra não é sobre um gênio de personalidade forte e que possui problemas com drogas. Essas características estão presentes em László, porém, elas não são o foco da trama. A questão de O Brutalista está muito mais em como essa figura será engolida pelo sistema e pelo racismo. O valor dele está em sua genialidade e nada mais; sua pessoa não é de interesse dos norte-americanos. Harrison Van Buren (Guy Pearce), um empresário que contrata o protagonista para construir um monumento, não liga se seu funcionário está drogado ou não, ou se eles ficarão sem trabalho, o que importa para ele é satisfazer seus desejos ególatras. É o gênio subjugado nessa falsa terra da liberdade.
Um dos momentos mais fortes do longa é a sequência em que Harrison abusa sexualmente de László como forma de estabelecer a hierarquia e demonstrar todo seu ódio e inveja. Quando Erzsébet Tóth (Felicity Jones) revela esse segredo para a família Van Buren nos instantes finais do filme, Brady Corbet traz de volta os mesmos elementos e sentimentos da cena de abertura. O handshake, a barulheira e a sensação de angústia e confusão estão de volta, pois a verdadeira face dos Estados Unidos está exposta. Talvez, o único problema do final seja o epílogo, que busca explicar didaticamente alguns pontos da obra, parecendo até um vídeo sobre easter eggs.
O Brutalista possui características estéticas fáceis de serem encontradas nas listas dos indicados ao prêmio de Melhor Filme do Oscar, como o fato de parecer uma biografia. Nesse sentido, ele lembra um pouco Maestro (2023) e Tár (2022). No entanto, o que há de diferente é a maneira como a obra utiliza essas técnicas em favor de uma ideia de narrativa, indo além de usá-las apenas para simular uma autoralidade. Apesar de passar em branco, sem vitórias, na Mostra em SP, o longa de Brady Corbet conseguiu lotar as suas sessões e tem tudo para fazer sucesso na temporada de premiações.