Em Numanice #3 (Ao Vivo), Ludmilla sabe que a preta venceu

Capa do álbum Numanice 3. Na imagem, a cantora Ludmilla está centralizada com foco em seu tronco e rosto. Ela é uma mulher negra retinta com olhos castanhos escuros e cabelos pretos lisos de comprimento médio. Está sorrindo e veste um top cropped de mangas, que é metade laranja e metade amarelo. Ao fundo, elementos gráficos nas cores amarelo e laranja se inserem formando uma espécie de aura ao redor da artista.
Cada vez mais perto do ouro, Ludmilla mete marcha no doce do eclético (Foto: Warner Music Brasil)

Jamily Rigonatto 

Descrever Ludmilla em termos simplistas e centralizados é uma tarefa cada vez mais difícil, afinal, a cantora está Do funk ao pagode, dominando tudo”, com uma maestria que a MC Beyoncé – primeiro vulgo da artista – provavelmente não imaginava. Em faixas envolventes e dignas de serem chamadas de Arte, o trabalho mais recente da cantora, Numanice #3 (Ao Vivo), é um deleite para as mulheres que amam suas mulheres, as minas de periferia e, é claro, os apaixonados por sunsets e bons pagodes. 

Com 18 faixas e sete parcerias, o disco gravado ao vivo materializa a brisa quente de uma tarde de domingo em volta da churrasqueira. Na multiplicidade de influências rítmicas que se juntam ao pagode, a sensação de improviso acertado das milenares rodas de samba se intensificam. Apesar de calculado, o mérito de Numanice #3 (Ao Vivo) está na facilidade com a qual conversa com diferentes manifestações musicais e seus públicos. 

Foto da cantora Ludmilla nas gravações de Numanice 3. Ela está vestindo um conjunto de cropped e calça verdes. Seus cabelos são longos, castanhos escuros e ondulados, compostos com a pele negra retinta. Ao fundo, há um letreiro vermelho com os dizeres “Numanice”.
“Se nem a Alcione te emocionar, é que você já morreu por dentro” (Foto: Steff Lima)

Entre os pontos a se destacar quando o assunto é a rainha da favela, fica o respeito a quem veio antes, seja na escolha de escrever um bom pagode sobre ser amante, chamado 26 de dezembro com o Belo – o que depois de certas polêmicas pode ter ganho outro significado – ou na delicadeza de citar gigantes como Alcione, Péricles e Sorriso Maroto, que inclusive já dividiram o palco com a cantora. De um lado a outro, a carreira de Ludmilla e sua movimentação para outros ritmos é embasada pela referência.

Em contrapartida, o trabalho da artista não pode ser classificado como um ‘copia e cola’ exatamente pelo tom de inovação escolhido para explorar o ato de criar sem se distanciar dos pilares que a sustentam. Assim, é possível ver uma transição tênue que faz do Numanice, agora em sua terceira edição, um sucesso estabelecido, original e extremamente bem embasado. Do primeiro para cá, as mudanças são transgressoras, mas inseridas com sutileza. 

Mantendo a receita de fazer um show com ‘quê’ de descontraído e integrar isso à artistas que a acompanham em interpretações únicas, a principal transformação vem do modo como Ludmilla aproveita os ares mercadológicos em benefício próprio sem perder a fidelidade de seus fãs e conquistando novos territórios. Até porque, não aproveitar a chance de uma parceria com um dos ‘queridinhos’ dos jovens, o Veigh, seria desperdício. 

Apostando tudo nessa habilidade, o disco vem com um gosto de roupagem nova e, certamente, o trap caiu como uma luva nas batidas do pandeiro quando os artistas declamam “Para de brincar com o meu coração!” e a leveza ganha solidez até em quem deu play só para chorar com pagode. O movimento se repete junto de outros ritmos, como é o caso do pop, com Carol Biazin, e sertanejo, com Mari Fernandez. 

Para além de integrar facetas da Música, a cantora ainda mixa canções improváveis ao universo, criando releituras tão distintas, quanto apaixonantes. Afinal, ver Cedo ou Tarde, do NX Zero, no clima de uma ‘tardezinha’ não parecia uma boa ideia até termos isso em voz, percussão e céu aberto. Realmente, estávamos completamente errados ao pensar que não funcionaria.  

Foto do ao vivo de Numanice 3. Na imagem, a cantora Ludmilla está centralizada com foco em seu tronco e rosto. Ela é uma mulher negra retinta com olhos castanhos escuros e cabelos pretos lisos de comprimento médio. Está sorrindo e veste um top cropped de mangas, que é metade laranja e metade amarelo.
Após apresentação no Coachella, na Califórnia, Ludmilla e Bruna ganharam admiradores no mundo todo (Foto: Steff Lima)

Ainda sobra espaço nessa mistura para um aspecto que merece reconhecimento: o amor sáfico. Seja nas linhas mais travessas de Baile Charme ou na lista de motivos para ser apaixonada por Bruna Gonçalves exposta em Ela, Ludmilla faz declarações musicadas que as lésbicas, bis e pansexuais sabem que também fariam. Nesse aspecto, é interessante ver como o amor entre duas mulheres se insere no pagode de uma forma tão inédita. 

Ineditismo esse que não é recente quando se trata de alguém que saiu de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, para o mundo – como a própria diz – e se tornou a cantora afrolatina mais ouvida do Spotify, dona de mais de 72 estatuetas de premiações diversas e uma influenciadora cultural capaz de esgotar os ingressos de um show em apenas 33 minutos. Ludmilla é um recorde próprio!

Não tendo motivos para que exista uma ressalva sequer, Numanice #3 (Ao Vivo) nasceu como um dos melhores álbuns de 2024. Com letras viciantes, beats originais e o equilíbrio exato entre pop e pagode, a produção é do tipo que transborda boa energia, dá vontade de dançar, faz a ‘sofrência’ bater na porta e devolve até as saudades de uma boa ‘conchinha’ em um dia de verão. Um combo capaz de agradar até o cliente mais exigente. 

Seja em um navio sofisticado ou na cozinha de casa com a família falando alto em volta da mesa, o disco é uma bela pedida para compor o clima de alegria. Os pouco mais de 55 minutos de boa Música só trazem alguns pequenos alertas consigo: cuidado para não chorar, sair apaixonado, ligar para o(a) ex ou, por falta de organização, esquecer de garantir o copo de caipirinha ou o litrão geladinho.

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