Arthur Caires
“Caramba, moleque/Você me fodeu tão gostoso que eu quase disse ‘Eu te amo’” é a primeira frase que Lana Del Rey diz em seu sexto álbum de estúdio, Norman Fucking Rockwell!. A letra faz parte da faixa-homônima do disco, cujo nome é referência ao famoso pintor do século XX, conhecido pela sua representação do American Dream. Em meio a uma bela produção orquestral, Del Rey canta sobre esse homem prepotente, autodepreciativo, tóxico emocionalmente e, bem, um homem. É a forma brilhante que a artista encontra de introduzir a temática que irá se estender: uma reflexão sobre o mundo contemporâneo sob suas lentes melancólicas, ambientalizada na Califórnia da década de 1960.
Lançado em agosto de 2019, Norman Fucking Rockwell! foi e é, até hoje, o álbum mais aclamado criticamente de Lana Del Rey, totalizando uma média de 87 no agregador Metacritic. Seu single de maior sucesso foi a deliciosa reinterpretação de Doin’ Time, da banda Sublime, em que no clipe, uma versão gigante da cantora anda pelas ruas de Los Angeles. O disco, produzido, em sua maioria, por Jack Antonoff, é uma cápsula daquele ano, representando o momento cultural e social da época e que consagrou a intérprete como uma das melhores compositoras do século XXI.
Desde o começo de sua carreira, Lana Del Rey canta sobre mitologia e glória norte-americana. Referências a lendas como James Dean e Elvis Presley, carros velozes nas rodovias de Los Angeles e a vontade de dançar o pop rock orquestral da década de 1960 como uma forma de escape são exemplos disso. Por cima desses cenários, ela escreve sobre amores intensos, mas perigosos e autodestrutivos, interpretando – e vivendo – uma personagem vulnerável e melancólica, porém, autoconsciente.
Essa representação foi o motivo de muitas críticas ao longo dos anos, que alegam que a artista ‘glamouriza’ o abuso, o que Del Rey contrapôs em sua carta aberta, em Maio de 2020: “Eu fui honesta e otimista sobre os relacionamentos desafiadores que tive. Novidades! É o jeito que as coisas são para muitas mulheres. E essa, infelizmente, foi minha experiência até o ponto que aqueles álbuns foram feitos”.
Em seus trabalhos anteriores, a cantora realmente usava o American Dream e suas relações interpessoais complicadas para criar uma estética e um universo, porém nunca apenas por uma lente positiva. A compositora também critica a superficialidade e os perigos da idealização. Suas letras podem sugerir uma luta interna entre a atração pelo glamour e a consciência das falhas estruturais e morais da sociedade norte-americana.
Em Norman Fucking Rockwell!, Lana Del Rey ainda utiliza suas referências temáticas usuais, mas tem como principal foco seu autodescobrimento, a atmosfera californiana e o contemporâneo norte-americano. Cinnamon Girl e Happiness is a butterfly são a típica representação de sua personagem, presa em um relacionamento incerto: “Se ele é um assassino em série, então o que de pior/Que pode acontecer a uma garota que já está machucada?”. Porém, The Greatest é um desejo de nostalgia pelos tempos mais simples em contraste com o presente caótico. A artista sente falta da Música e do bar que os Beach Boys tocavam, enquanto canta “O Havaí acaba de escapar de uma bomba/Los Angeles está em chamas, está ficando quente/Kanye West está loiro e desaparecido/Life On Mars não é apenas uma música/Oh, a transmissão está quase começando”.
Mariners Apartment Complex, outro grande destaque do álbum, é a faixa que mais explicitamente mostra o desenvolvimento pessoal de Del Rey. A compositora deixa de lado a postura delicada e submissa e assume a direção do barco com “Eu sou o raio,o relâmpago, o trovão/O tipo de garota que vai te fazer pensar”. Ao mesmo tempo, reflete e reconhece seus erros: “Eles confundiram minha gentileza com fraqueza/Eu estraguei tudo, eu sei, mas Jesus/Uma garota não pode apenas fazer o melhor que consegue?”. Além de ser uma ótima canção de autodescoberta, também é uma representação da experiência da mulher na sociedade. Ver a evolução da narrativa feminina na obra de Lana Del Rey é impressionante, considerando o impacto que causa em seu público. Como Billie Eilish disse no Coachella de 2024: “Ela é a razão da existência de metade de vocês, vadias.”
Em conjunto das letras impecáveis, o que torna ‘NFR!’ um excelente disco é sua produção. É envolvente a forma como Antonoff e Del Rey, entre outros colaboradores, conseguiram fazer com que todas as faixas soassem como um verão norte-americano de comercial da década de 1960, em que estamos assistindo ao pôr-do-sol na praia e ouvindo o rádio vindo de um Mustang ao fundo. O exemplo mais notório é a extensa Venice Bitch, com seus nove minutos e trinta e sete segundos, que, representando uma viagem psicodélica, coloca o ouvinte no mesmo ambiente inebriante que os artistas. Fuck it I love you e Love Song também se destacam, em que a voz angelical da cantora se sobressai e nos faz acreditar que ela pode fazer qualquer canção à capela e já seria uma obra de Arte.
A coesão, tanto temática quanto atmosférica, sempre esteve presente nos discos de Del Rey, sendo Norman Fucking Rockwell! a epítome dessa característica, ao lado do recente Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd, de 2023, e Honeymoon, de 2015. É estonteante como a compositora consegue transformar os nossos pensamentos mais contraditórios e complexos em poesia. “Não pergunte se eu estou feliz, você sabe que eu não estou/Mas o melhor que eu posso dizer é que não estou triste”, ela reflete na faixa de encerramento, hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but i have it. Nem tudo é feito de extremos, a ausência de felicidade não implica tristeza e a esperança realmente pode ser um sentimento perigoso de se ter, mas precisamos dela para seguir em frente.