Há 5 anos, Norman Fucking Rockwell! consagrava Lana Del Rey como uma das melhores compositoras do século XXI

Na imagem da capa do álbum 'Norman Fucking Rockwell!', vemos a cantora Lana Del Rey ao lado de Duke Nicholson. Ambos estão em um barco com o mar e o céu azul ao fundo. Lana veste uma blusa verde neon e estende a mão para frente, com uma expressão esperançosa olhando para a frente. Duke, vestido com uma camisa preta e calças brancas, está ligeiramente à frente, estendendo o braço em direção ao horizonte, como se estivesse apontando algo à distância. Atrás deles, uma bandeira americana está parcialmente visível, flamulando no vento. Ao fundo, também é possível ver uma cidade em chamas, provavelmente Los Angeles. O título do álbum está posicionado no canto superior esquerdo em um estilo que lembra uma explosão de quadrinhos, e as iniciais 'LDR' (Lana Del Rey) estão no canto inferior direito, em um estilo semelhante.
Na capa de Norman Fucking Rockwell!, Lana Del Rey e Duke Nicholson, neto do ator Jack Nicholson, navegam em direção ao horizonte, fugindo da nostalgia norte-americana em chamas (Foto: Interscope Records)

Arthur Caires

Caramba, moleque/Você me fodeu tão gostoso que eu quase disse ‘Eu te amo’” é a primeira frase que Lana Del Rey diz em seu sexto álbum de estúdio, Norman Fucking Rockwell!. A letra faz parte da faixa-homônima do disco, cujo nome é referência ao famoso pintor do século XX, conhecido pela sua representação do American Dream. Em meio a uma bela produção orquestral, Del Rey canta sobre esse homem prepotente, autodepreciativo, tóxico emocionalmente e, bem, um homem. É a forma brilhante que a artista encontra de introduzir a temática que irá se estender: uma reflexão sobre o mundo contemporâneo sob suas lentes melancólicas, ambientalizada na Califórnia da década de 1960.

Lançado em agosto de 2019, Norman Fucking Rockwell! foi e é, até hoje, o álbum mais aclamado criticamente de Lana Del Rey, totalizando uma média de 87 no agregador Metacritic. Seu single de maior sucesso foi a deliciosa reinterpretação de Doin’ Time, da banda Sublime, em que no clipe, uma versão gigante da cantora  anda pelas ruas de Los Angeles. O disco, produzido, em sua maioria, por Jack Antonoff, é uma cápsula daquele ano, representando o momento cultural e social da época e que consagrou a intérprete como uma das melhores compositoras do século XXI.

Desde o começo de sua carreira, Lana Del Rey canta sobre mitologia e glória norte-americana. Referências a lendas como James Dean e Elvis Presley, carros velozes nas rodovias de Los Angeles e a vontade de dançar o pop rock orquestral da década de  1960 como uma forma de escape são exemplos disso. Por cima desses cenários, ela escreve sobre amores intensos, mas perigosos e autodestrutivos, interpretando – e vivendo – uma personagem vulnerável e melancólica, porém, autoconsciente. 

Essa representação foi o motivo de muitas críticas ao longo dos anos, que alegam que a artista ‘glamouriza’ o abuso, o que Del Rey contrapôs em sua carta aberta, em Maio de 2020: “Eu fui honesta e otimista sobre os relacionamentos desafiadores que tive. Novidades! É o jeito que as coisas são para muitas mulheres. E essa, infelizmente, foi minha experiência até o ponto que aqueles álbuns foram feitos”.

Em seus trabalhos anteriores, a cantora realmente usava o American Dream e suas relações interpessoais complicadas para criar uma estética e um universo, porém nunca apenas por uma lente positiva. A compositora também critica a superficialidade e os perigos da idealização. Suas letras podem sugerir uma luta interna entre a atração pelo glamour e a consciência das falhas estruturais e morais da sociedade norte-americana. 

Lana Del Rey está ajoelhada no convés de um barco, usando uma blusa verde neon. Ela olha para cima com uma expressão contemplativa enquanto segura um pequeno modelo de barco de papel com várias velas, levantando-o em direção ao céu. O fundo da imagem mostra o mar tranquilo e um céu parcialmente nublado. A luz suave e os tons de azul e verde criam uma atmosfera de sonho e serenidade.
Com um toque de delicadeza e vulnerabilidade, Lana Del Rey segura um barco de papel contra o céu, simbolizando sonhos e jornadas emocionais longínquas (Foto: Chuck Grant)

Em Norman Fucking Rockwell!, Lana Del Rey ainda utiliza suas referências temáticas usuais, mas tem como principal foco seu autodescobrimento, a atmosfera californiana e o contemporâneo norte-americano. Cinnamon Girl e Happiness is a butterfly são a típica representação de sua personagem, presa em um relacionamento incerto: “Se ele é um assassino em série, então o que de pior/Que pode acontecer a uma garota que já está machucada?”. Porém, The Greatest é um desejo de nostalgia pelos tempos mais simples em contraste com o presente caótico. A artista sente falta da Música e do bar que os Beach Boys tocavam, enquanto canta “O Havaí acaba de escapar de uma bomba/Los Angeles está em chamas, está ficando quente/Kanye West está loiro e desaparecido/Life On Mars não é apenas uma música/Oh, a transmissão está quase começando”.

Mariners Apartment Complex, outro grande destaque do álbum, é a faixa que mais explicitamente mostra o desenvolvimento pessoal de Del Rey. A compositora deixa de lado a postura delicada e submissa e assume a direção do barco com “Eu sou o raio,o relâmpago, o trovão/O tipo de garota que vai te fazer pensar”. Ao mesmo tempo, reflete e reconhece seus erros: “Eles confundiram minha gentileza com fraqueza/Eu estraguei tudo, eu sei, mas Jesus/Uma garota não pode apenas fazer o melhor que consegue?”. Além de ser uma ótima canção de autodescoberta, também é uma representação da experiência da mulher na sociedade. Ver a evolução da narrativa feminina na obra de Lana Del Rey é impressionante, considerando o impacto que causa em seu público. Como Billie Eilish disse no Coachella de 2024: “Ela é a razão da existência de metade de vocês, vadias.

Uma fotografia de uma paisagem marítima, mostrando águas calmas que se estendem em direção a um pequeno quebra-mar à direita, onde um barco está ancorado. O céu está claro com poucas nuvens, criando uma atmosfera serena e tranquila. No canto superior esquerdo da imagem, há um gráfico no estilo de uma explosão de quadrinhos com as letras 'LDR', que fazem referência a Lana Del Rey. Ao longe, pequenas aves podem ser vistas voando perto do barco, adicionando um toque de vida à cena pacífica.
O tranquilo cenário costeiro captura a essência serena do mar, a energia que Lana Del Rey nos convida a explorar nas profundezas da melancolia de Norman Fucking Rockwell! (Foto: Chuck Grant)

Em conjunto das letras impecáveis, o que torna ‘NFR! um excelente disco é sua produção. É envolvente a forma como Antonoff e Del Rey, entre outros colaboradores, conseguiram fazer com que todas as faixas soassem como um verão norte-americano de comercial da década de  1960, em que estamos assistindo ao pôr-do-sol na praia e ouvindo o rádio vindo de um Mustang ao fundo. O exemplo mais notório é a extensa Venice Bitch, com seus nove minutos e trinta e sete segundos, que, representando uma viagem psicodélica, coloca o ouvinte no mesmo ambiente inebriante que os artistas. Fuck it I love you e Love Song também se destacam, em que a voz angelical da cantora se sobressai e nos faz acreditar que ela pode fazer qualquer canção à capela e já seria uma obra de Arte.

A coesão, tanto temática quanto atmosférica, sempre esteve presente nos discos de Del Rey, sendo Norman Fucking Rockwell! a epítome dessa característica, ao lado do recente Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd, de 2023, e Honeymoon, de 2015. É estonteante como a compositora consegue transformar os nossos pensamentos mais contraditórios e complexos em poesia. “Não pergunte se eu estou feliz, você sabe que eu não estou/Mas o melhor que eu posso dizer é que não estou triste”, ela reflete na faixa de encerramento, hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but i have it. Nem tudo é feito de extremos, a ausência de felicidade não implica tristeza e a esperança realmente pode ser um sentimento perigoso de se ter, mas precisamos dela para seguir em frente.

Deixe uma resposta