
Lucas Barbosa
No espaço democrático do samba, quem o cantava com amor e carinho era valorizado nas ruas e na avenida. O Jovem Luiz Antônio sabia muito bem disso, filho de músicos, aos 10 anos, ganhou um concurso de Música cantando um samba do seu ídolo Jamelão, o prêmio foi uma lata de goiaba. Ali, ele entendeu que o samba não seria seu maior amor e, sim, a sua vida.
Sua voz era impactante onde passava e, em 1970, estreou como puxador do bloco Leão de Nova Iguaçu, que estava começando no carnaval nessa década. Já em 1971, estreou como um dos intérpretes do lendário bloco Cordão da Bola Preta, na época, o carnaval ainda era disputado na Estrada Intendente Magalhães, as escolas de samba não eram iguais às atuais e os blocos de carnaval ainda eram presentes nos desfiles (algumas até se tornaram agremiações posteriormente, como a Leão de Iguaçu).
Neguinho da Vala, como era conhecido, foi ganhando destaque não apenas por ser um dos melhores cantores, mas por ter um carisma que alegrava e trazia destaque para a escola e seu samba, que era mais valorizado. Neguinho foi rejeitado pelo Salgueiro (a sua favorita na infância), Império Serrano, Portela e Mangueira para compor a ala de compositores, entretanto, Silvestre David da Silva, conhecido como Cabana, e um dos primeiros compositores da Beija-Flor, estava a procura de um novo intérprete e compositor após a morte de Bira Quininho e viu um potencial no jovem sambista. Em 1975, foi o início de uma das mais duradouras e premiadas uniões do Samba: Neguinho e Beija-Flor.

Nos primeiros anos como compositor e intérprete da Beija-Flor, conquistou de cara um tricampeonato. Em 1976, venceu com Sonhar com Rei Dá Leão, enredo inspirado no jogo do bicho; em 1977, com Vovó e o Rei da Saturnália na Corte Egipciana, sobre a história do carnaval; em 1978, com A Criação do Mundo na Tradição Nagô, que tratava da criação do mundo na cultura Iorubá.
Sua trajetória no samba já era grandiosa, com títulos e prêmios no carnaval carioca, mas isso era pouco para Neguinho, que se tornou um dos maiores cantores do Samba, sendo O Campeão, o seu maior sucesso – cantado por, basicamente, todos os times em seus estádios, unificando as torcidas apenas pelo “Domingo, eu vou pro maracanã, vou torcer pelo time que sou fã”. Também foi, por longos anos, o intérprete da música do Carnaval Globeleza, que foi composta por ele e Jorge Aragão. Porém, entre tantos sucessos, o maior desafio foi na vida pessoal.
Em 2008, descobriu um Câncer de estágio três no intestino e precisou passar por uma complicada cirurgia para retirada do tumor e de parte do intestino. Mesmo com as sessões de quimioterapia, em 2009, foi para a Sapucaí e, antes de desfilar com a escola, se casou com Elaine Reis em plena avenida. Nesse ano, Beija-Flor terminou o carnaval na segunda colocação, perdendo apenas para o Salgueiro.

No fim de Novembro de 2024, Neguinho anunciou sua aposentadoria da Beija-Flor após 50 anos de avenida, ininterruptos, dentro da escola onde formou a sua família, seu nome, seu apelido – que, aliás, hoje faz parte do nome oficial de registro –, sua fama, sua Música e, principalmente, seu samba. Sua despedida não poderia ser diferente, o 15º título veio com um enredo de homenagem a Laíla, um dos maiores nomes da Beija-Flor, e um dos seus melhores amigos.
O fim da trajetória de Neguinho no carnaval foi um dos mais belos possíveis dentro da Sapucaí. Em 2026, não haverá mais o “Olha a Beija-Flor aÍ, gente”, que puxa o povo na avenida. Para a Beija-Flor, fica a dificuldade de suprir o buraco deixado na escola e, para Neguinho, as maiores palmas, as eternas notas 10, os maiores estandartes e o maior respeito do mundo para quem conseguiu fazer do samba, a sua vida.