Laura Lopes
Escrita e produzida por Blake Crouch, a produção de Matéria Escura foi baseada no livro homônimo escrito pelo mesmo autor norte-americano. A trama de ficção científica, lançada pela Apple TV+ em Maio de 2024, traz consigo elementos primordiais da filosofia ocidental, como a discussão proposta pelo existencialista francês Jean Paul-Sartre (1905 – 1980) e, principalmente, pela teoria do pessimista alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860). Enquanto o primeiro se debruça sobre o fato de a liberdade humana ser angustiante; o segundo, em sua ilustre obra literária O Mundo como Vontade e Representação (1818), estuda, a grosso modo, como o ser humano sempre deseja aquilo que não tem. Dark Matter (no original) é uma mistura de tudo isso.
Logo no início do primeiro episódio, Você está feliz com a sua vida?, o público se depara com Jason Dessen (Joel Edgerton), um professor universitário de física frustrado, em uma aula em que fala quase com as paredes sobre o famigerado ‘Gato de Schrödinger’, cuja teoria pode ser definida como o substrato da série toda. O mesmo ocorre em Dark, produção consagrada pela audiência e conhecida como uma das ‘queridinhas’ da Netflix. A diferença é que, na série alemã, a famosa teoria do gato, que existe e não existe ao mesmo tempo dentro de uma caixa, aparece apenas no final.
“Eu costumava pensar que o objetivo da vida era chegar a um destino perfeito. Como ainda não tinha chegado lá, eu me sentia incomodado. Mas já tinha visto a perfeição. Já tinha chegado lá, e estou começando a suspeitar que são as imperfeições da vida que equivalem a um tipo de perfeição”.
– Essa é uma das frases mais marcantes de Jason Dessen, protagonista da série. A conclusão que tal sentença carrega, todavia, não é alcançada pelo professor no começo da temporada.
Dessen vive uma vida de classe média baixa em Chicago, com sua esposa Daniela (Jennifer Connelly) e o filho Charlie (Oakes Fegley). O professor vê seu grande sonho profissional ser vivido pelo seu melhor amigo Ryan (Jimmi Simpson), um físico renomado e premiado. Com uma pegada de Efeito Borboleta (2004), Jason tinha a liberdade sartriana para escolher entre dois caminhos no seu passado: casar-se com Daniela, o amor da sua vida, e criar os filhos que eles estavam esperando, de modo a deixar sua carreira de lado ou abandoná-la, obrigando a abortar seus filhos e seguir sua promissora carreira de físico que, certamente, levá-lo-ia à fortuna.
Ele escolhe a primeira opção, que, embora tenha o levado à felicidade no amor, implicou, por outro lado, uma carreira amargurada, que pouco ou nada o recompensa nas esferas econômica e emocional, e sem qualquer perspectiva de melhora a curto e longo prazo. O que ele ainda não sabe, porém, é que sua realidade pode ser bem diferente – para a alegria dos telespectadores que acompanham a trama que discorre ao longo de nove episódios bem construídos e pensados para fazer o público maratonar.
Em uma realidade paralela, dentro do multiverso de Schrödinger, Jason tomou a opção que privilegiava sua carreira e, por conseguinte, tornou-se um endinheirado empresário, que vive um relacionamento com a sedutora psicóloga Amanda (Alice Braga). Ao contrário do primeiro Jason, no entanto, esse segundo é infeliz por ter ficado sem Daniela, seu verdadeiro e único amor.
Tal infelicidade impulsiona o segundo Jason a construir uma caixa de Schrödinger gigante e ir em busca de sua amada na realidade do primeiro Dessen, professor frustrado, o que irá embaralhar a vida de todos aqueles que estão ao redor dos Jasons. Como previu Schopenhauer, o ser humano nunca está satisfeito com aquilo que está em suas mãos. Destaca-se aqui a atuação impressionante de Joel Edgerton ao dar vida aos dois principais Jasons da produção: o ator, apesar de continuar com o mesmo rosto e demais características físicas, encarna personagens cujas personalidades são diametralmente opostas, o que faz com que a audiência perceba a diferença entre um e outro apenas pelo olhar de cada um.
Drama, física quântica, filosofia e reviravoltas fazem parte do enredo de Matéria Escura, com menção à atuação espetacular da atriz brasileira Alice Braga – que prova, mais uma vez, que seu talento está indiscutivelmente no sangue – e ao cenário soturno, que beira as distopias clássicas. A capacidade do enredo de fazer com que os telespectadores entendam teorias complexas sem quebrar a cabeça também é digna de nota. A série tenta matar a saudade de Dark e faz com que reflitamos sobre a insaciabilidade dos nossos desejos e sobre onde nossa liberdade de escolha pode nos levar – e isso é bom. Com um final dominado pelo ‘gostinho’ de quero mais, a série foi renovada, com lançamento da segunda temporada ainda sem data certa. Que seja tão boa quanto a primeira.