Matéria Escura, de Blake Crouch, tenta matar a saudade de Dark

Da esquerda para a direita: Jason Dessen (Joel Edgerton), um homem branco, com olhos claros, cabelo loiro escuro, barba rala e vestido com um casaco preto olha para sua frente com a boca aberta e expressão facial de alguém impressionado. Ao seu lado, está Amanda (Alice Braga), uma mulher branca, com cabelo castanho escuro, olhos escuros e vestida com um casaco cinza. Ela carrega a mesma expressão facial impressionada de Jason. No fundo, há uma parede de concreto e uma paisagem arborizada, que dividem a cena com um céu azul acinzentado.
Lançada em Maio de 2024, a série Matéria Escura presenteia o público com uma mistura de ciência e filosofia, com esplêndida atuação da atriz brasileira Alice Braga (Foto: Apple TV+)

Laura Lopes

Escrita e produzida por Blake Crouch, a produção de Matéria Escura foi baseada no livro homônimo escrito pelo mesmo autor norte-americano. A trama de ficção científica, lançada pela Apple TV+ em Maio de 2024, traz consigo elementos primordiais da filosofia ocidental, como a discussão proposta pelo existencialista francês Jean Paul-Sartre (1905 – 1980) e, principalmente, pela teoria do pessimista alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860). Enquanto o primeiro se debruça sobre o fato de a liberdade humana ser angustiante; o segundo, em sua ilustre obra literária O Mundo como Vontade e Representação (1818), estuda, a grosso modo, como o ser humano sempre deseja aquilo que não tem. Dark Matter (no original) é uma mistura de tudo isso.

Logo no início do primeiro episódio, Você está feliz com a sua vida?, o público se depara com Jason Dessen (Joel Edgerton), um professor universitário de física frustrado, em uma aula em que fala quase com as paredes sobre o famigerado ‘Gato de Schrödinger’, cuja teoria pode ser definida como o substrato da série toda. O mesmo ocorre em Dark, produção consagrada pela audiência e conhecida como uma das ‘queridinhas’ da Netflix. A diferença é que, na série alemã, a famosa teoria do gato, que existe e não existe ao mesmo tempo dentro de uma caixa, aparece apenas no final. 

“Eu costumava pensar que o objetivo da vida era chegar a um destino perfeito. Como ainda não tinha chegado lá, eu me sentia incomodado. Mas já tinha visto a perfeição. Já tinha chegado lá, e estou começando a suspeitar que são as imperfeições da vida que equivalem a um tipo de perfeição”. 

– Essa é uma das frases mais marcantes de Jason Dessen, protagonista da série. A conclusão que tal sentença carrega, todavia, não é alcançada pelo professor no começo da temporada.

Dessen vive uma vida de classe média baixa em Chicago, com sua esposa Daniela (Jennifer Connelly) e o filho Charlie (Oakes Fegley). O professor vê seu grande sonho profissional ser vivido pelo seu melhor amigo Ryan (Jimmi Simpson), um físico renomado e premiado. Com uma pegada de Efeito Borboleta (2004), Jason tinha a liberdade sartriana para escolher entre dois caminhos no seu passado: casar-se com Daniela, o amor da sua vida, e criar os filhos que eles estavam esperando, de modo a deixar sua carreira de lado ou abandoná-la, obrigando a abortar seus filhos e seguir sua promissora carreira de físico que, certamente, levá-lo-ia à fortuna. 

Ele escolhe a primeira opção, que, embora tenha o levado à felicidade no amor, implicou, por outro lado, uma carreira amargurada, que pouco ou nada o recompensa nas esferas econômica e emocional, e sem qualquer perspectiva de melhora a curto e longo prazo. O que ele ainda não sabe, porém, é que sua realidade pode ser bem diferente – para a alegria dos telespectadores que acompanham a trama que discorre ao longo de nove episódios bem construídos e pensados para fazer o público maratonar.

Em uma realidade paralela, dentro do multiverso de Schrödinger, Jason tomou a opção que privilegiava sua carreira e, por conseguinte, tornou-se um endinheirado empresário, que vive um relacionamento com a sedutora psicóloga Amanda (Alice Braga). Ao contrário do primeiro Jason, no entanto, esse segundo é infeliz por ter ficado sem Daniela, seu verdadeiro e único amor. 

Da esquerda para a direita: Jason Dessen (Joel Edgerton), um homem branco, com olhos claros, cabelo loiro escuro, barba rala e vestido com uma blusa preta está cabisbaixo, com um olhar de tristeza. Ao seu lado, está sua esposa Daniela (Jennifer Connelly), uma mulher branca, de olhos  claros, cabelo preto e curto, vestida com uma blusa de manga comprida preta, de gola v. Ela olha para o marido com um olhar de desconfiança. Ao fundo, há uma sala de estar borrada, com luzes baixas, que entram predominantemente pela janela localizada do lado esquerdo, atrás de Jason.
Jason Dessen, interpretado por Joel Edgerton, tenta superar as escolhas do seu próprio ‘eu’ para ficar com o amor de sua vida, vivida por Jennifer Connelly (Foto: Apple TV+)

Tal infelicidade impulsiona o segundo Jason a construir uma caixa de Schrödinger gigante e ir em busca de sua amada na realidade do primeiro Dessen, professor frustrado, o que irá embaralhar a vida de todos aqueles que estão ao redor dos Jasons. Como previu Schopenhauer, o ser humano nunca está satisfeito com aquilo que está em suas mãos. Destaca-se aqui a atuação impressionante de Joel Edgerton ao dar vida aos dois principais Jasons da produção: o ator, apesar de continuar com o mesmo rosto e demais características físicas, encarna personagens cujas personalidades são diametralmente opostas, o que faz com que a audiência perceba a diferença entre um e outro apenas pelo olhar de cada um.

Drama, física quântica, filosofia e reviravoltas fazem parte do enredo de Matéria Escura, com menção à atuação espetacular da atriz brasileira Alice Braga – que prova, mais uma vez, que seu talento está indiscutivelmente no sangue – e ao cenário soturno, que beira as distopias clássicas. A capacidade do enredo de fazer com que os telespectadores entendam teorias complexas sem quebrar a cabeça também é digna de nota. A série tenta matar a saudade de Dark e faz com que reflitamos sobre a insaciabilidade dos nossos desejos e sobre onde nossa liberdade de escolha pode nos levar – e isso é bom. Com um final dominado pelo ‘gostinho’ de quero mais, a série foi renovada, com lançamento da segunda temporada ainda sem data certa. Que seja tão boa quanto a primeira.

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