Gabriel Leite Ferreira
O que fazer quando a vida é interrompida por uma tragédia? É possível superar o trauma ou restará a lembrança dolorosa dos que se foram para sempre ali, como uma ferida incurável? O diretor Kenneth Lonergan tenta responder a esse questionamento em seu novo longa-metragem Manchester à Beira-Mar e, de certo modo, é bem-sucedido nisso.
O filme tem como protagonista Lee (Casey Affleck), zelador de uma pequena cidade na costa norte-americana que tem sua vida revirada pela morte do irmão, Joe (Kyle Chandler). Ao ler o testamento do finado, descobre ser o guardião de seu sobrinho, Patrick (Lucas Hedges), o que o obriga a retornar para a cidade do título e, por consequência, encarar os fantasmas de um acontecimento traumático do passado. A premissa é interessante. Todavia, o desenvolvimento da trama frustra, menos pelo roteiro, mais pelo elenco da produção.
Talvez a única saída para sobreviver à perda de pessoas amadas seja seguir a vida normalmente, a fim de tentar mitigar a depressão. Lonergan sabe disso – está aí seu acerto –, ao passo que a dupla de protagonistas não faz jus ao enredo dramático. Affleck limita sua performance a um olhar morto e distante, o que seria adequado não fosse este o semblante dele em todo e qualquer momento da película. Hedges, por sua vez, não abandona o estereótipo de adolescente pouco responsável um segundo sequer, passando longe de ser um destaque na trama.
Decorre desses elementos problemáticos a grande deficiência de Manchester à Beira-Mar: a banalização da tristeza. Affleck não se entrega à desgraça emocional de seu personagem nem mesmo nos momentos mais dolorosos, como quando Lee reconhece o corpo de Joe no hospital, circunstâncias que demandam catarse mesmo que contida. Em vez disso, a apatia quase total, que poderia ser transformada em aspecto favorável à trama se as atuações de Affleck e Hedges ao menos convencessem. Isso não acontece, e cenas na teoria impactantes tornam-se mera documentação do cotidiano de ambos – o colapso mental de Patrick diante da necessidade de armazenar o corpo do pai em um frigorífico até o enterro propriamente dito por conta do inverno rigoroso e, em flashback, a (falta de) reação de Affleck após a tragédia que arruinou sua vida anos antes, para citar dois exemplos.
Os flashbacks, aliás, guardam os melhores momentos de Manchester à Beira-Mar. O modo como eles são inseridos no filme faz com que duas narrativas se entrelacem. As performances tocantes de Kyle Chandler como Joe e Michelle Williams como Randi, a ex-mulher de Lee, assim como os conflitos familiares dos dois irmãos trazem a dose de dramaticidade que falta aos protagonistas. As passagens que envolvem as viagens de barco de Lee, Joe e Patrick são quiçá os momentos mais bonitos do filme, nos quais Lonergan aposta em cores fortes e paisagens pacíficas contrastantes com o resto da obra, opondo o passado e o presente de Lee com eficiência.
A fotografia de Manchester à Beira-Mar reflete diretamente o fracasso emocional de Lee, sendo baseada em cores frias e pouca luz – chuvas e nevascas são recorrentes na produção também. Esses elementos são tão bem explorados que, junto da trilha sonora, transmitem as emoções de Lee melhor que o próprio Affleck, o que é sintomático.
Porém, nem fotografia nem flashbacks bastam para evitar a sensação mista ao final do filme: de um lado há um roteiro forte e, do outro, atuações fracas que falham em comover o espectador. A falta de entrega impede até mesmo qualquer forma de compaixão para com Lee e Patrick, uma vez que eles não parecem desejá-la. Está tudo bem, a vida segue, medíocre como sempre foi. Só resta esconder as feridas.