Guilherme Moraes
Apostar em uma maior cadência depois do sucesso do primeiro filme, que foi inspirado no clássico Lady Snowblood, é um desafio. No entanto, Kill Bill – Volume 2 mostra que essa foi uma escolha acertada ao encerrar a saga dando mais substância à protagonista. Quentin Tarantino nos surpreende ao diminuir a violência em tela, mostrando que o caminho que a personagem trilhava era em direção ao fim do ciclo sangrento em que ela vivia, mas que, paradoxalmente, exigia o sacrifício de mais alguns personagens.
No primeiro filme, o diretor nos apresenta a história de Beatrix Kiddo (Uma Thurman), uma mulher que ficou quatro anos à beira da morte após ser atacada no dia do seu casamento, enquanto estava grávida, por seus ex-colegas assassinos e seu antigo mentor, amante e pai de sua filha, Bill (David Carradine). Após despertar do coma, a personagem começa sua busca por vingança e, ainda no primeiro volume, ela consegue se vingar de dois de seus algozes. O longa se encerra com a revelação de que a filha de Beatrix, diferente do que se pensava, está viva.
O segundo volume da saga começa mostrando o que aconteceu momentos antes do ataque. É revelado, pela primeira vez, o rosto de Bill, além do motivo do atentado, que foi uma forma de vingança por Kiddo tê-lo deixado. A primeira metade da fita segue os moldes da anterior, mas com uma diferença fundamental: os outros dois sobreviventes do Esquadrão Assassino de Víboras Mortais não serão mortos pela noiva. Isso gera um certo estranhamento no público, e é nesse sentido que o filme se mostra mais contido que o primeiro.
Quentin Tarantino e Uma Thurman, os roteiristas do longa, desenharam uma jornada menos mortífera para Beatrix, o que possibilita à personagem uma mudança de paradigma. No entanto, essa abordagem não torna a jornada da protagonista menos perigosa; pelo contrário, já que é nesse filme que a vemos, pela primeira vez, impotente ao enfrentar seus algozes.
As figuras em tela são movidas pela crueldade e pela morte, como se fosse algo cotidiano e natural a eles. Budd (Michael Madson) mantém a espada de Hattori Hanzo, independente de sua situação financeira ou ganância, como se fosse parte de sua essência, e Elle (Daryl Hannah) se diverte vendo o personagem agonizando antes do veneno fazer efeito. O que melhor explicita esse ciclo de violência, no entanto, são as cenas de Bill. Da presença de espadas na sala às conversas sobre vida e morte ou dos filmes violentos às brincadeiras de armas, o antagonista nem mesmo percebe que está naturalizando na sua filha, B.B. (Perla Haney-Jardine), essa vida bárbara.
O capítulo final de Kill Bill é o mais interessante, e isso se reflete na escolha de colocar Bill e Beatrix em um embate psicológico. Aqui, a protagonista se vê forçada a encarar seus sentimentos pelo vilão e, mais que isso, sua própria brutalidade, ao admitir que matar seus algozes lhe trouxe satisfação. No entanto, apesar do que a personagem sente, ela também enxerga a inevitabilidade de uma luta até a morte, pois enquanto o pai de sua filha estivesse vivo, armas, sangue e violência seriam cotidianos.
Dessa forma, a jornada se torna contraditória, pois Kiddo precisaria encerrar o ciclo de violência com mais violência. Mas, então, surge a questão: como ela conseguiria proteger sua filha desse mundo se ela mesma não consegue lutar contra sua própria natureza? Essa jornada Tarantino deixa que elas trilhem sozinhas, mas Beatrix já busca uma mudança para B.B., trocando os ‘ninjas assassinos’ por desenhos infantis.
Quentin Tarantino é um cineasta que deixa suas referências muito evidentes. Em Kill Bill, ele faz cenas de ação que assumem um tom mais farsesco com movimentos mais bruscos, prezando mais pela plasticidade dos combates do que pelo realismo. Além disso, ele traz uma sanguinolência evidentemente falsificada que é atípica no cinema americano pós anos 2000. Essas características são clássicas dos filmes de ação do cinema de Hong Kong, especialmente nas obras de John Woo e Bruce Lee. Esse misto de referências, estilos, culturas e gêneros é o que torna essa obra marcante até os dias de hoje, apresentando alguns conceitos do cinema oriental para um público massivo no ocidente, convidando tal público a conhecer algo diferente.
Com um final menos sangrento do que o esperado, mas não menos marcante, a saga se despede num filme que mescla diálogos interessantes, com direito a referências da cultura pop e muitas cenas de ação visualmente ricas. Beatrix teve uma jornada longa e perigosa – assim como Uma Thurman, que se acidentou durantes as filmagens –, mas Kill Bill – Volume 2, finalmente, oferece à protagonista um pouco de paz e sossego ao lado de sua filha.