A história da Pixar e como ela revolucionou o mundo do cinema

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O famoso logo da Pixar, acompanhado de alguns dos principais personagens

Gabriel Fioravante e Guilherme Reis Mantovani

Animação cinematográfica. Um gênero que sempre teve tantas especificidades e que, por muito tempo, servia apenas como entretenimento para o público infantil. Eis que surge a Pixar, uma produtora considerada um dos maiores marcos dentro do gênero por revolucionar em questões técnicas, mas principalmente em narrativas e temas.

Porém, não é desde sua origem que a Pixar possui essas características. Em 1979, George Lucas, mente por trás do universo Star Wars e fundador da Lucas Film, convidou Ed Catmull para fazer parte de uma equipe que iria desenvolver inovações na área de arte digital. Em 1983, Lucas decide criar uma divisão de animação computadorizada chamada Pixar. O jovem animador John Lasseter começa a fazer os seus primeiros trabalhos e, um ano depois, é contratado para trabalhar no curta-metragem As Aventuras de André e Wally B., que depois se tornaria o primeiro curta-metragem de animação computadorizada. Eles surpreendem o mundo do cinema e da tecnologia ao exibirem algo que jamais havia sido feito antes.

Apesar de darem o primeiro grande passo na história da animação, Lucas chegou ao limite das suas possibilidades para financiar o projeto e, em 1985, a Pixar parecia estar com os dias contados. Surge então a figura do novo milionário Steve Jobs, que fecha um acordo com Lucas e paga em torno de 5 milhões para ficar com essa divisão da empresa. Assim, os trabalhos animados continuaram.

O fato do fundador da Apple ter se tornado detentor da empresa fez com que uma nova vertente fosse seguida. Vendo que o trabalho de Lasseter havia dado bons frutos, Jobs muda a cara da Pixar, investindo em mais curtas-metragens. Os estúdios Disney seguiram de perto a evolução da Pixar e logo viraram um dos seus principais clientes. Com a criação de alguns curtas-metragens e vendo que o negócio estava se tornando lucrativo, em 1991, os estúdios Disney e Pixar anunciaram que estavam fazendo um longa-metragem totalmente computadorizado.

Em 1995, chegava aos cinemas o primeiro de muitos longas-metragens da recém criada Pixar: Toy Story, dirigido justamente por John Lasseter. Seria o primeiro filme totalmente computadorizado da história, o que exigiu a criação do software e do hardware necessários para torná-lo uma animação verossímil e revolucionária. Entretanto (e aqui é aplicada a diretriz do conjunto arte/tecnologia), dar vida a uma obra em tal âmbito não era o suficiente: naturalmente, o enredo era uma preocupação para os cineastas envolvidos no projeto.

Para tanto, cientes de que o filme não sobreviveria exclusivamente pela sua tecnologia – que, inexoravelmente, se tornaria obsoleta e ultrapassada dentro de alguns anos –, mas sim através de uma narrativa convincente, alguns bons nomes como Joss Whedon e Joel Cohen foram contratados para incorporar a equipe de roteiristas.  E assim, Toy Story nos apresentou a história do ponto de vista literal de um… brinquedo! Fora da vista das pessoas, os brinquedos demonstram que de inanimados eles não têm nada: falam, andam, pensam e, acima de tudo, sentem emoções como eu ou você.

Neste contexto, o cowboy Woody fica enciumado quando seu dono, o garoto Andy (o nome é uma homenagem a Andries “Andy” Van Dam, um professor de ciência da computação que ministrou aulas à muitos dos envolvidos no filme), ganha de aniversário o brinquedo mais badalado do momento: o patrulheiro espacial Buzz Lightyear, que acaba por roubar temporariamente o título de Woody de “brinquedo favorito do Andy”. Amargurado, Woody traça um plano mesquinho para tirar o recém chegado de cena. O plano, entretanto, sai às avessas e os dois acabam perdidos na cidade. Juntos, têm de conciliar suas rixas para voltarem à casa de seu dono.

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Woody e Buzz Lightyear, protagonistas de Toy Story (1995), primeiro filme da Pixar.

Toy Story revelou-se uma grata surpresa. A Pixar nos presenteou com um filme pioneiro entre as futuras animações computadorizadas, dotado de um visual técnico de cair o queixo para sua época e com personagens (aqui me refiro aos brinquedos, em suma) interessantíssimos devido às suas características peculiares, e instigantes por serem propensos  à identificação imediata do público: quem nunca sentiu uma forte pontada de ciúmes, de modo a entender perfeitamente as motivações de Woody? E, ainda em relação ao protagonista – reforçando: um brinquedo cujo público alvo é as crianças – é interessante ressaltar que se trata de um personagem essencialmente arrogante, egocêntrico e teimoso, configurando-se como uma escolha corajosa dos produtores, e de maneira acertada: suas cenas com Buzz são memoráveis e engraçadíssimas e, curiosamente, através de um enredo polido e bem desenvolvido, ao final da projeção, o próprio Woody passa a suscitar sua lealdade, coragem e astúcia. O filme conseguiu retratar o desenvolvimento de seu protagonista de maneira satisfatória.

Toy Story foi aclamado pela crítica, arrecadou mais de 39 milhões de dólares e recebeu três indicações ao Oscar. Não conquistou nenhum, é verdade, mas ganhou o público: muito mais que por sua inovação técnica ou mesmo por seus personagens, mas pela mensagem intrínseca presente na obra. Uma mensagem simples o suficiente para ensinar as crianças, e bela o suficiente para emocionar adultos. A mensagem de amizade. Percebemos (e isto é evidenciado pela canção “Amigo Estou Aqui”, uma das indicações ao Oscar, inclusive) que a amizade simplesmente não é um sonho, uma posse, tampouco um desejo. Ela existe – e é uma virtude. Mensagens evidentes através de seus filmes passariam a se tornar uma marca registrada da Pixar ao longo dos anos.

Três anos depois, outro clássico da produtora tomaria forma. Havíamos nos deparado com uma história sobre brinquedos; agora, contemplaríamos uma história sobre seres pequenos e aparentemente simplórios. Insetos. A mensagem deste é, suponho, a mais séria, impactante e contemporânea dentre todas as outras.

Vida de Inseto, dirigido também por John Lasseter em conjunto com Andrew Staton, estreou com grande expectativa. O filme nos apresentou a história de Flik, uma formiga ousada, mas atrapalhada, membro de um formigueiro cujo objetivo é acumular uma colheita suficiente não apenas para as formigas, mas também para gafanhotos que evocam temor sobre as formigas. Flik, em sua sede por ajudar a colônia, desenvolve uma máquina que aceleraria a colheita, mas o plano sai pela culatra e todos os suprimentos reunidos são perdidos. Os gafanhotos, furiosos, impõem uma máxima sobre as formigas: deveriam reunir todos os alimentos novamente, embora o tempo fosse escasso.  Visando consertar seu erro, Flik deixa o formigueiro e parte para a cidade, afim de buscar insetos fortes e “guerreiros” para fazer frente aos gafanhotos.

Em Vida de Inseto, temos provavelmente um dos melhores vilões criados pela Pixar: o gafanhoto Hooper é imponente, astuto, positivamente amedrontador e incorpora as principais características de um tirano. Ele e seus comparsas exploram os seres “menores e insignificantes” de forma acintosa, apesar de unirem-se em um número muito inferior. Hooper usa de sua eloquência e força bruta para desmoralizar as formigas e, como tais, “serem colocadas em seus devidos lugares: os de meras servas impotentes”.

A verdade, entretanto, é de que os tiranos temem os povos que eles oprimem, e Hooper deixa isto claro em uma brilhante cena, na qual utiliza de uma metáfora para insinuar aos seus iguais que, unidas, as formigas poderiam organizar uma rebelião. Cita também que há um “esquema” por trás desta opressão sistemática: poderíamos nos questionar, nesse sentido, se também existe um “esquema” de poder em nossa sociedade atual; aqui cabe um questionamento sobre a tal dominação: qual relação pode ser estabelecida entre consciência e libertação? Opressão e alienação? Talvez seja possível traçarmos um paralelo entre os conceitos citados baseando-se nos ensinamentos de Vida de Inseto. Tudo isso em uma animação para crianças…

E o clímax do filme retrata justamente uma revolta generalizada promovida pelas formigas lideradas por Flik – que não se adapta de forma alguma aos valores preestabelecidos – de forma intensa e sem deixar o humor de lado. Mais uma vez, a Pixar conseguia a proeza de atingir o público adulto com a mesma intensidade com que atingia o público infanto-juvenil. A recepção crítica de Vida de Inseto foi excelente, similar à de Toy Story. O estúdio Pixar, entretanto, alimentava um sonho axiomático de dar uma continuidade à história de Woody e companhia, pautado no enorme sucesso não apenas cinematográfico de Toy Story, mas também naquele junto às indústrias de brinquedos e de entretenimento. Sendo assim, Toy Story 2 estreava em 1999 sob a mesma direção de seu predecessor.

O principal – e mais simples – acerto de Toy Story 2 é dar continuidade à história original a partir do exato momento em que esta se encerrou. A trama transcorre naturalmente, utilizando de uma linguagem e de personagens já familiarizados pelo público, sendo que todo tipo de inovação aqui presente revela-se bem vinda. A narrativa, contudo, apresenta um outro teor, mais comovente que de seu original: o conceito de abandono, identificado no medo constante dos brinquedos de serem deixados de lado por seus donos.

Logo no início do filme, Woody é roubado por um fútil colecionador de brinquedos, que vê no cowboy um pote de ouro, uma vez que o boneco é uma peça rara de uma série de brinquedos aclamada no Japão e, como tal, é visado por um museu, que pretende adquiri-lo literalmente a qualquer custo. Seus antigos parceiros, no entanto, protagonizam uma missão de resgate para trazê-lo de volta ao quarto de Andy.

O desenrolar do filme é dividido entre a casa do colecionador, onde Woody conhece outros brinquedos (e aqui a temática do abandono é acertadamente inserida) e a missão liderada por Buzz Lightyear: é neste momento que o humor do filme encontra brechas certeiras para inserir referências a filmes consagrados, dentre eles Jurassic Park (na cena em que Rex é visto em perseguição pelo retrovisor de um carrinho) e Star Wars V: O Império Contra-Ataca (“Eu sou seu pai!”), dentre outras.

A evolução técnica de Toy Story 2 perante seu antecessor é mínima. Contudo, não torna negativa a afirmação de que somos contemplados com um filme visualmente maravilhoso, que acabou por afirmar definitivamente a hegemonia da Pixar no ramo, detentor de um roteiro inteligente e que fez jus à receptividade do original. Empenhada e motivada, a companhia encaminha um novo filme para o ano de 2001, sempre em parceria com a Disney.

Monstros S.A. é mais um exemplo de criatividade da empresa de animação, cuja história se passa num mundo vivido por monstros. Novamente, os detalhes particulares de cada personagem (incluindo os coadjuvantes e até os “figurantes”) impressionam inclusive os críticos mais assíduos: temos monstros baixos, altos e de colorações variáveis; peludos e com chifres ornamentados; com um olho ou dezenas; com vários braços ou várias cabeças; híbridos de formas animalescas ou exclusivamente peculiares – enfim, para todos os gostos.

A história é pautada pelo companheirismo de Mike Wazowski e Sulley, que além de amigos próximos, formam uma exímia dupla de profissionais na empresa Monstros S.A. O objetivo da firma é assustar crianças através de uma “passagem paralela entre dois mundos”, uma vez que o grito infantil é uma fonte demasiadamente grande de energia para Monstrópolis. O conflito do filme se dá quando Sulley permite acidentalmente a passagem de uma criança para seu mundo (onde a mesma é considerada altamente tóxica).

Auxiliado por Mike, Sulley trata de escondê-la do rigoroso “esquadrão de descontaminação”. Entretanto, ambos descobrem que a criança na verdade é inofensiva, meiga e amorosa, de modo a criarem um vínculo tocante, demarcado no apelido que lhe dão: “Boo”, inspirado na onomatopeia do susto. Boo materializa-se no personagem mais cativante de Monstros S.A. pela exorbitante adesão do público à sua simpatia.

Monstros S.A. obteve um total de 95% de aprovação da crítica especializada. Esse filme, tal qual os já mencionados, inspirou inclusive artigos notórios, teses embasadas e opiniões aprofundadas acerca de sua temática: podemos extrair de Monstros S.A. perspectivas de relações humanas no trabalho e mudanças organizacionais, mas também elementos mais leves, mas não menos relevantes, como a quebra de estereótipos, evidente na relação construída entre Mike e Sulley com a garotinha Boo.

Os dois próximos longas da Pixar, planejados para 2003 e 2004, trabalhariam uma temática semelhante entre si e de valor imprescindível: o apego e as relações familiares. Para conhecermos mais sobre esta mensagem, o estúdio nos convidou para um mundo igualmente vasto ao dos monstros; este, no entanto, muito mais próximo de nós: o fundo do mar.

Procurando Nemo (2003) não subestima o espectador, sendo devastador logo em seus minutos iniciais, quando um casal de peixes-palhaços é atacado por um predador. Os únicos sobreviventes são Marlin – o macho – e um solitário ovo dentre a vasta prole que causava tanta expectativa nos futuros pais. Marlin atribui ao filho o nome de Nemo, idealizado pela “esposa”, e promete, aos prantos, que nada aconteceria a ele. A projeção avança para um Nemo já crescido, e são necessários poucos diálogos para desvendarmos que a criação do peixinho fora protetora em demasia.

Infelizmente, a relação de pai e filho sofre uma ruptura após uma discussão acalorada e, após um ato infantil de rebeldia, Nemo acaba capturado por mergulhadores e levado para um aquário em Sidney. Utilizando-se da mesma estratégia vista em Toy Story 2, o filme divide-se: acompanhamos Nemo e os divertidos peixes em seu “encarceramento” no aquário, e a busca desesperada de Marlin, acompanhado pela simpática Dory, pelo filho. Temos nosso título, temos nossa história.

A tecnicidade de Procurando Nemo é fantástica: biólogos e especialistas foram consultados pela produção de modo a ser desenvolvido um design multifacetado do oceano pacífico e das criaturas marinhas que nele vivem da forma mais fiel possível – não é exagero dizer que, visualmente, é o filme mais belo da Pixar. Além disso, a trilha sonora é emocionante e se enquadra ao roteiro, a complexa fotografia submarina é sublime e os efeitos de iluminação, verossímeis.

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Marlin e Dory, protagonistas de “Procurando Nemo” (2003).

Para cada momento dramático do filme (que não são poucos), há um alívio cômico efetivo para o balanceio. E, apesar do longa soar episódico e levemente burocrático em alguns momentos, possui excelente subtextos que o tornam único dentre os filmes da Pixar até então: a “nadadeira da sorte” de Nemo é uma clara e bela alusão aos deficientes físicos, e uma tocante motivação à superação de obstáculos; o famoso mantra de Dory “continue a nadar” também nos dá a dimensão da necessidade de seguirmos em frente, mesmo que muitas vezes a vida tende a nos fazer dobrar os joelhos; e, por último, o reencontro emocionante de Marlin com Nemo, que evidencia nada mais nada menos que o inexorável amor de um pai à um filho.

O filme seguinte, Os Incríveis, segue a mesma linha de Procurando Nemo em sua mensagem familiar. É relevante ressaltar também que é o primeiro projeto da Pixar a ser protagonizado por personagens humanos – o que não deixa de tornar o universo do filme igualmente apreciativo em relação aos demais, já que se trata de um lugar onde a presença de super heróis é algo comum. Todavia, após uma série de processos contra os heróis ter início – numa divertida crítica à cultura dos tribunais dos EUA –, o governo estadunidense se vê na obrigação de criar um programa que esconde a identidade desses heróis, limitando-os a uma vida comum e entediante.

Passados quinze anos, Bob Parr (antigo Sr. Incrível) vive uma rotina monótona; seu casal de filhos mais velhos (há ainda um bebê) também não convive de forma ideal, pois igualmente dotados de super poderes, sofrem para reprimir suas habilidades. Contudo, o Sr. Incrível vê a possibilidade de voltar à ativa quando o vilão Síndrome (apesar de caricato, tão imponente quanto o gafanhoto Hooper) passa a ameaçar o mundo.

Mais uma vez, a elegância na utilização de luzes, cores e sombras dignifica a produção técnica e o cineasta (desta vez, Brad Bird) jamais deixa a história perder a fluidez. O roteiro é sagaz ao fazer a família Parr ganhar o interesse e a simpatia do espectador, que se identifica à problemática vivida pelos integrantes: é natural desejarmos uma existência menos ociosa e mais formidável, não? E mesmo quando o filme trata de assuntos unicamente “humanizados”, somos atraídos de mesma maneira: é natural também, por exemplo, nos espelharmos na preocupação da mãe, Helen, em defender seus filhos da ameaça que estão confrontando. Talvez o único elemento que deixou demais a desejar em Os Incríveis recai sobre o colo do estúdio de dublagem. (Beto Pêra, dublagem? Sério?).

Enquanto isso, os estúdios da Disney, que sempre acompanharam de perto a evolução da Pixar (e, desta forma, nunca deixaram de ser seus melhores clientes), oficializaram a união definitiva entre ambos em 2006, quando a Disney anunciou a compra da Pixar por 7.5 bilhões de dólares. Tal decisão finalmente conciliou a criatividade do cientista Ed Catmull, o talento do artista John Lasseter e a inteligência do empresário visionário Steve Jobs – este último, como consequência da negociação, tornou-se o maior acionista individual da empresa. Em junho de 2006, John Lasseter voltaria à tona, desta vez para dirigir Carros.

Num universo vivido exclusivamente por automóveis, uma grandiosa competição está em vias de acontecer; uma corrida, obviamente. O novato e egocêntrico Relâmpago McQueen (um Neymar sobre quatro rodas), o vitorioso e respeitado Strip Wheters, conhecido como Rei, e o trapaceiro Chick Hicks são os favoritos para a vitória na Copa Pistão. E o resultado após a última largada é justamente um empate técnico entre os três: deste modo, uma nova corrida é marcada para dali alguns dias, em outra pista, disputada entre eles. McQueen parte imediatamente para seu destino, mas sua rota é acidentalmente desviada, e ele acaba indo parar em uma cidadezinha esquecida chamada Radiator Springs, onde sua fama é desconsiderada. Relâmpago conhece os habitantes locais (mesmo que forçadamente) e percebe, gradativamente, que o dinheiro e a glória são dispensáveis perante a amizade e o bom caráter.

Carros com certeza fica atrás dos grandes títulos apresentados até então (sobretudo Toy Story e Procurando Nemo), contudo, está longe de ser uma decepção: apesar de soar artificial em alguns momentos (principalmente no romance tedioso de McQueen e Sally) e possuir somente o engraçado rebocador caipira Matt e o próprio McQueen como personagens decididamente positivos, tem muitos méritos justamente na paciente e bem talhada jornada comportamental e moral de seu protagonista. Além disso, a narrativa é encorpada e, principalmente o terceiro ato, aceitável.

Brad Bird, que estreara em alto nível na Pixar como diretor de Os Incríveis, voltaria em 2007 com a produção de uma história mais intimista. Conhecemos Remy, um rato que se diferencia dos demais pelo seu comportamento e interesse humano. O roedor se mostra apaixonado pela culinária e, motivado pela premissa de que “todos podem cozinhar” estabelecida por um importante chef francês de quem muito admira – Auguste Gusteau – passa a explorar ingredientes e alimentos na casa de humanos. Em uma dessas jornadas, Remy e seu irmão são vistos na cozinha de uma velinha, de modo a serem obrigados a fugir com toda a sua colônia de ratos. O protagonista se perde de seus semelhantes na fuga, e acaba indo parar nos esgotos de Paris.

Sempre em debate com sua consciência (que assume a forma do falecido Gusteau), Remy descobre o restaurante do próprio chef quando deixa os esgotos. Obviamente, é mal visto por ser um rato, mas acaba fazendo uma amizade secreta com Linguine, um rapaz desastrado, que se diz filho de Gusteau, embora não demonstre talento algum na cozinha. Com a ajuda criativa de Remy, entretanto, Linguine passa a cozinhar os melhores pratos da cidade: seu grande teste configura-se na necessidade de preparar um prato para Anton Ego, um ácido e famigerado crítico culinário, para que a reputação do restaurante não sofra severas consequências.

À tensão principal do filme, soma-se um romance genuíno entre Linguine e Colette, uma pitada de humor físico, uma porção de uma trilha sonora efusiva e eficiente, além da jornada de auto-descoberta pavimentado por Remy, e Ratatouille se materializa num ótimo título com valores essenciais sobre a importância de buscar um sonho e a coragem para se livrar das amarras naturais e sociais que o impedem de o fazê-lo.

Seguindo essa ótima linha de filmes, eis que surge o simpático Wall-E – não só o personagem, mas o filme em um todo. Trabalhado na sua pré-produção sem revelar muitos detalhes, o diretor Andrew Staton traz um filme onde o tema central é o amor e suas particularidades. A trama possui uma premissa aparentemente simples, contando a história de um robô que foi deixado isolado na Terra, enquanto os humanos vivem em uma nave no espaço, devido a grande poluição e devastação causada na Terra. Eis que tudo muda quando Wall-E, personagem-título, encontra Eve (ou Eva, traduzido para o português), uma outra robô por qual se apaixona. Dentro dessa trama, são discutidos temas como meio-ambiente (a poluição da Terra é presente em grande parte do primeiro ato), humanidade, ideologia e até mesmo cultura de massa.

Ambientado em dois momentos diferentes, na Terra e depois na nave Axiom, onde estão presentes os humanos, Wall-E encanta. Aquela fórmula da Pixar de saber entreter jovens e adultos se repete e grande parte disso, pela presença de personagens bem desenvolvidos, pela temática forte ao longo de toda projeção, mas principalmente por apostar em cheio no romance entre os dois protagonistas. Não é forçado, o roteiro a todo o momento quer deixar bem claro a naturalidade da relação entre os dois, residente nas atitudes de ambos.

E acerta em cheio, principalmente pelo fato de nenhum dos dois personagens apresentarem falas, o que é impressionante. Stanton e grande parte de sua equipe assistiram e estudaram inúmeros filmes de Charles Chaplin, a fim de desenvolver a narrativa de forma profunda, cômica, inteligível e sensível – sem utilizar falas. E esse é o principal ponto positivo do filme. A fluidez com que conseguimos nos envolver com os personagens é feita de maneira única e logo os sentimentos dos robôs (isso mesmo!), também são os nossos. Os personagens secundários, apesar de não serem tão impactantes, tem uma função bem específica dentro da trama, a de contrapor Wall-E e Eve na sua concepção propriamente.

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Wall-E e Eve, personagens principais de Wall-E.

Tecnicamente impecável, com uma fotografia incrível, que mistura cores vibrantes com cores mais secas ao tentar passar uma mensagem de que o amor não escolhe lugar e muito menos contextos, ele simplesmente acontece. As referências vão desde 2001- Uma Odisseia no Espaço (o antagonista principal é grande exemplo, quase copiando HAL9000 do filme de Kubrick) até Planeta dos Macacos. A mesclagem do tema central com as críticas sócias funciona organicamente e narrativamente é muito bem conduzido por Stanton.  Um dos destaques é a barata, companheira de Wall-E durante toda sua jornada e a excelente trilha sonora com direito ao grande Peter Gabriel nos créditos finais. Wall-E foi um marco pela sensibilidade e por abordar críticas sociais de forma inédita nos estúdios, e que foi repetido em 2009 com Up! – Altas Aventuras.

Os diretores Peter Docter e Bob Petterson viajam, literalmente, na trama de Up! – Altas aventuras. Ao sair as primeiras imagens e posteriormente os trailers, muitas pessoas ficaram com um pé atrás em relação a esse novo projeto dos estúdios Pixar. Uma casa voando com balões carregando um velho e um menino escoteiro que vão até a América do Sul, onde encontram uma rara ave colorida e um cachorro falante. Fica claro que, apesar de narrativamente ser um filme sem muitas amarrações e segredos, os elementos que compõem o filme são um tanto quanto peculiares.

A história gira em torno de Carl, um senhor de idade vendedor de balões que um dia vê sua casa ameaçada de demolição e resolve viajar até a América do Sul, já que possuía um sonho e vínculos afetivos fortes com sua falecida esposa. Nessa jornada se depara com Russel, um jovem escoteiro. A partir da chegada em seu destino, novos personagens são introduzidos, como o simpático cachorro Dug e o pássaro Kelvin. Eles entram em uma trama que envolve muito mais que apenas uma viagem para a América.

O que fica mais evidente durante a projeção é o sentimentalismo do filme, longe de ser piegas. Desde o começo, os diretores, acertadamente, utilizam de um flashback memorável para explicar o passado de Carl e sua esposa Ellie. O principal desenvolvimento do filme é na relação entre Carl e Russel e, tal como em Monstros S.A., há uma quebra de estereótipo muito bem arquitetada. Envolto em questões bem pontuais, mas que permeiam durante boa parte do filme, como família, relações pessoais e o mais forte dentre todos, o passado, esses temas são delicados e em nenhum momento soam artificiais, facilitado pelo alívio cômico excepcional.

A crítica social presente é para a artificialidade e efemeridade dos sentimentos e das relações pessoais de hoje, tal como à estrutura que envolve-as, tanto que o filme deixa bem explícito ao desenvolver o segundo e terceiro ato em uma floresta (contraponto a cidade) e com personagens diferenciados, na tentativa de transmitir uma mensagem de que não importam os elementos, mas sim os que une-os. Além disso, há uma leve pincelada na questão da preservação de espécies, já que o antagonista principal m como objetivo a captura do pássaro Kelvin. Inclusive, os diretores foram audaciosos ao mostrar em planos bem específicos esse personagem sofrendo fisicamente, quase que como uma forma de apelo às crianças e adultos.

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Up (2009)

A animação é impecável, desde a fluidez dos movimentos dos personagens até a preocupação com os detalhes, como a barba de Fredricksen, que cresce no desenrolar da história. Importante ressaltar também o cuidado na própria composição dos personagens: os traços quadrados do rosto do protagonista servem como uma representação de sua personalidade dura e rígida. Apesar de estruturalmente não ter grandes novidades, o tema e a mensagem, como de praxe pelo estúdio é o grande acerto da produção. Ao alcançar o 10º filme com essa película, a Pixar decide recorrer em seu próximo filme à uma franquia já conhecida do público. Um descanso de novas histórias, talvez?

Alguns anos se passaram e havia a expectativa de se algum dia haveria um terceiro filme da franquia de brinquedos da Pixar. Mas para onde ir, o que fazer, quem colocar na história?  Assim, depois de idas e vindas, foi decidido: haverá um Toy Story 3. A trama é simplória e não foge das premissas dos longas anteriores, continuando na zona de conforto, mas nada que seja um ponto negativo, pelo contrário, a história dos brinquedos bebe de sua própria fonte, ou seja, expande-a utilização dos mesmos artifícios: os próprios brinquedos.

Não foram criadas grandes revoluções, nem seguido caminhos muito diferentes. A trama é sobre a ida de Andy para a faculdade, o que coloca os brinquedos Woody, Buzz, Jesse e companhia com o futuro incerto. Então, são levados até a creche Sunnyside para que possam ser utilizados lá. Porém, eles não esperavam que fosse totalmente diferente do que eles imaginavam.

Torna-se convenção falar que a Pixar utiliza-se do tema amizade. Todos os seus filmes exploram esse artifício e em nenhum deles é tão bem trabalhado quanto na franquia dos brinquedos. Nesse terceiro longa, o foco não é tão ligado à amizade, mas sim a mudança (por mais que uma esteja quase que inerentemente ligada à outra). A mudança de Andy para a faculdade, dos brinquedos para a creche, de personalidade do antagonista, do abandono que leva à mudança. Sintetizados por um roteiro ágil e que não perde tempo em ficar explicando, a não ser em alguns flashbacks para desenvolvimento do protagonista Lotso, Toy Story 3 promove uma mudança no cenário das animações, pois eleva à outro patamar.

Tanto direção quanto qualquer aspecto técnico fica difícil de analisar com o tamanho cuidado dos criadores em desenvolver a narrativa a fim de proporcionar um clímax que encerre a trilogia de uma forma memorável, e é o que acontece. Para não deixar passar, destaque para Lee Unkrich, que soube trabalhar acertadamente na direção das cenas que envolvem mais tensão, como na fuga da creche e em parte do clímax. Por mais que tema como o público infantil como alvo, os momentos de tensão foram encaixados de uma forma que não prejudique essa característica. Os poucos novos personagens apresentados, apesar de serem ofuscados pela ansiedade e tensão estabelecida durante o segundo e terceiro ato, são fundamentais para história e conseguem conquistar seu espaço. Os já conhecidos do público não tem grandes desenvolvimentos, mas possuem funções específicas dentro de seu próprio arco dramático, por exemplo, Buzz servir de alívio cômico em diversas oportunidades, sendo que nos outros dois longas esse papel principal ter sido exercido por outros personagens.

Como dito, Toy Story 3 bebe de sua própria fonte. Utilizam-se mais brinquedos, suas relações, que começaram a ser construídas no primeiro longa, aqui são fortalecidas, os arcos de cada personagem chegam ao fim. Mudar e seguir em frente são dilemas não apenas humanos, mas universais. Envelhecer junto com esses personagens foi uma experiência única, e a Pixar sabe disso ao nos entregar uma obra terna, sensível e reflexiva. No fim, Toy Story 3 é um belo filme sobre a passagem do tempo e as transformações da vida.

Depois de uma continuação de grande sucesso de público e crítica, chegava a hora de  apostar em outra franquia: Carros 2 tem como principal destaque a tentativa de mostrar uma nova história dentro do mundo do Relâmpago McQueen e consegue com proeza. McQueen tem as férias interrompidas após o milionário do ramo da energia Sir Miles Axlerod convidá-lo para participar de um campeonato pelo Japão, Itália e Inglaterra com seu novo combustível limpo, não poluente, a fim de reduzir o consumo de gasolina no planeta. Só que certos poderosos não gostam muito da ideia e tentam sabotar a competição, o que atrai a atenção do espião Finn McMissile e da agente Holley, que estão atrás do responsável pelos ataques ao campeonato.

Por causa de um mal entendido, ambos pensam que Mate, o reboque caipira amassado e enferrujado, é um agente aliado a eles, e o carregam para todos os cantos do mundo atrás dos vilões, instantaneamente tornando-o o novo protagonista do longa. Realmente uma nova história e com um protagonista muito mais carismático. Mate vira o centro não só da trama, mas também das atenções, aproveitando a grande fama que obteve no primeiro longa de 2006. Apesar disso, o arco de McQueen fica reduzido a uma disputa com seu oponente Francesco Bernoulli, destoando completamente da trama principal, uma forma de o roteiro explorar o personagem e não abandoná-lo.

Porém, se no conceito a ideia é boa, na execução essa recriação de um filme de James Bond não deu muito certo. O primeiro sinal de que a Pixar realmente errou é quando começamos a perceber que, pela primeira vez, seu filme funciona somente com as crianças, e não com os adultos que as acompanham; até então, suas histórias funcionavam bem com ambos em todos os projetos da empresa. Seguindo uma linha dos filmes de ação, Carros 2, tem várias referências a filmes de espionagem, possui um ritmo rápido mas que aos poucos vai perdendo força devido ao roteiro falho em tentar “encher” a trama com plot twists e paralelismos de arcos que soam completamente desinteressantes.

Basicamente o que sustenta o filme do início ao fim são o carisma e simpatia do personagem principal. Não por isso, facilmente cairia na armadilha da produtora rival Dreamworks, que aposta em histórias e personagens aparentemente complexos e com muitas dimensões, mas que no fundo é muito mais superficial e clichê.

O visual é extremamente bem definido e montado com uma precisão incrível. A fotografia ao longo das cidades que se passam na tela é de cair o queixo, ou seja, tecnicamente é claro uma evolução dos estúdios. Apesar disso, a trilha sonora é piegas ao extremo, apelando para faixas dramáticas em momentos sem necessidade e que tentam trazer um ar mais sério à película. E, quando tudo parecia definido, vem o pior: com um discurso altamente duvidoso, Carros 2 joga fora a ideia do politicamente correto, da preservação do meio ambiente, para se entregar a frases que dizem coisas como ‘a gasolina é insubstituível’, com sorrisos e música alegre que induzem as crianças a um pensamento bastante questionável. Uma empresa ser verde hoje em dia é essencial para que ela seja bem vista pelo mercado, mas a Pixar parece ir justamente contra isso abraçando as potências poluidoras – o que soa irônico quando lembramos que ela retirou seus brindes de fast foods justamente por esse tipo de comida não fazer bem à saúde alimentar das crianças. Pode-se considerar, pelo menos narrativamente, que Carros 2 é o primeiro fracasso da Pixar.

Deixando de lado momentaneamente as continuações, eis que os primeiros reflexos da compra da Pixar pela Disney surgem. Valente, filme dos diretores Mark Andrews e Brenda Chapman, primeiro a ser co-dirigido por uma mulher dentro dos estúdios, é ambientado em um mundo que a Disney um dia dominou e conta a história da Princesa Merida, que cansada de aguentar as obrigações da realeza feminina, decide fugir e mudar o seu destino através de uma bruxaria; atitude que obviamente traz mais problemas do que soluções. A Pixar parece ter sido alvo de feitiço parecido, pois desde que cometeu o equívoco Carros 2, viu seu nome, até então irretocável, começar a criar dúvidas onde antes havia certezas. Valente, então, é a tentativa da empresa de reconquistar a crítica e o público, entregando algo totalmente diferente do que seu público está acostumado a assistir.

O tom de Valente é relativamente sério em seu desenvolvimento, o que causa estranhamento. O ambiente meio viking também contribui para isso, onde é comum vermos cenários fechados, castelos mal iluminados e noites sombrias e chuvosas que escondem mitos. As cores vivas só são vistas nas florestas, onde o verde contrasta de forma natural com seus ruivos e já marcantes cabelos e não a toa o local onde ela se sente mais a vontade.

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Cena do filme “Valente”

Apesar de ser tecnicamente excepcional, desde a concepção dos cachos ruivos da protagonista principal até na construção das paisagens, esse atípico da Pixar erra justamente por sair da zona de conforto da produtora. Erra em não possuir algo que sobrava nos longas anteriores: identidade. Basicamente o filme permeia assuntos variados, mas são quase ignorados, sendo o que possui um pouco mais de destaque, a relação familiar. Ainda assim, nenhum é aprofundado, dificultando a criação de um ponto chave na trama que a torne memorável, ou ao menos que possua um prazo de validade na cabeça das pessoas um pouco maior.

Vindo de um momento um pouco apático em relação a leva de filmes de alguns anos atrás, a Pixar resolver retomar a franquia dos monstros em 2013. Novamente, uma continuação de um longa de sucesso. Seria a quarta aposta do estúdio, sendo que apenas os filmes da franquia Toy Story haviam dado o retorno de crítica esperado. Universidade Monstros tem como desvantagem o fato de que, de todos os filmes da Pixar, Monstros S.A. é o que menos parecia dar margem para sequências, o que implica em uma recepção um tanto desconfiada, ou mesmo fria, por parte da crítica e mesmo do público, inclusive por conta da ausência da Boo, a personagem mais fofa já criada pelo estúdio. Por outro lado, tem como vantagem principal o resgate da dupla Mike e Sulley, contando como os dois se conheceram, na universidade de Monstrópolis, em um primeiro contato não muito amigável. Mike, desde pequeno, sonha em ser um grande assustador de crianças e vai para a universidade para se tornar o maior de todos, embora sua aparência não seja nem um pouco intimidadora. Sulley, por outro lado, vem de uma descendência de grandes assustadores, e tem um porte físico digno dos maiores monstros da cidade, mas não é aplicado nos estudos e acha que pode se tornar o maior apenas com base em seus talentos naturais. Depois de um acidente envolvendo os dois e a temida diretora da universidade, a dupla deve se unir a um grupo de monstros fracassados para ganhar uma gincana acadêmica que promove os melhores alunos, a fim de não perderem a bolsa de estudos.

Desde de Up! Altas Aventuras, não se via tanto cor em um filme da Pixar. Ao apostar em cores vibrantes, desde as aparências físicas de cada personagem até nos cenários, os criadores apelam ao visual para buscar cada vez mais o público. Além disso, as piadas e todo o tom cômico que permeiam durante a projeção é acertado pelo diretor Dan Scalon, envolvendo o conflito entre a dupla principal e através desses momentos mais pontuais, consegue dar leveza ao filme. Aliás, trabalhar com monstros, por mais que eles sejam coloridos, envolve certa sutileza dos produtores. A partir daí, a tônica do filme é estabelecida e se desenvolvendo continuamente com a narrativa. O principal conflito de Mike conduz grande parte da trama, porém não com o seu oposto Sullivan, mas sim com ele mesmo: Mike possui uma grande dificuldade em aceitar o fato de que ele não consegue ser o monstro assustador que sempre sonhou. Assim, o tema e a mensagem trabalhada em Universidade Monstros, não é o clichê da superação das dificuldades, nunca desistir dos sonhos, mas sim da auto aceitação e da importância de aceitar suas próprias limitações. (lição bastante oportuna para crianças, que costumam relutar em aceitar um “não”, e mesmo para adultos, no fim das contas).

Embora esteja moldado em bases bastante inferiores às de outros filmes da Pixar, essa sequência consegue divertir adultos e crianças sem a necessidade de muitas apelações (embora existam algumas aqui e ali). É engraçado, bem produzido, talvez um tanto moralista (a mensagem principal é explícita e em muitos momentos os produtores aparentam querer forçar os ensinamentos do filme), mas genuinamente divertido, como há certo tempo a Pixar não conseguia ser. O foco dado ao personagem Mike serve também para quebrar um pouco aquela imagem carrancuda e antipática do primeiro filme, o que de certa forma até enriquece o capítulo original. A maior ausência do filme é também o principal ponto negativo: faltou uma Boo, o “fator fofura” do primeiro trabalho, para tornar Universidade Monstros uma animação mais marcante. Sem ela, parece que algo ficou faltando, afetando mesmo a sintonia entre Mike e Sulley.

Acostumada a lançar anualmente um filme, os estúdios Pixar tiveram em 2014 seu primeiro ano longe das telas de cinema. Devido a problemas criativos na produção do filme O Bom Dinossauro que estava programado para este ano, o mesmo teve que ter sua estreia adiada. Então, em 2015, com uma diferença de apenas seis meses, a produtora anuncia o lançamento de dois filmes no mesmo ano, algo inédito. O primeiro a ser lançado foi Divertida Mente, filme que tinha uma difícil missão de relançar a Pixar no mercado cinematográfico depois de um ano sabático. Porém, além de retomar em alta as animações da produtora, Divertida Mente alcançou um nível de qualidade que há muito tempo não se via.

A película tem sua trama centrada na história de Riley, uma jovem menina que passa por mudanças na sua vida. Assim, suas emoções são materializadas em personagens, como a Alegria, Tristeza, Raiva, entre outras, mostrando o funcionamento da cabeça da menina durante suas atitudes. A princípio, uma história complexa de ser contada e difícil de ser trabalhada principalmente no âmbito do roteiro. Como unir tudo isso e transformar as motivações de cada personagem-sentimento em algo orgânico à história sem soar superficial e até mesmo piegas? Pois bem, Divertida Mente acerta justamente nesse ponto. Ao apresentar uma história original, emocionante, e como de praxe à produtora, reflexiva, Peter Docter, diretor principal da animação, parece entregar uma obra narrativamente perfeita. Mesmo depois de assistido outra vezes, fica difícil encontrar algo erro claro. Meg LeFauve, roteirista do longa, merece aplausos por sintetizar tanta coisa em apenas pouco tempo. E todo esse trabalho reflete durante a narrativa. Tem um ritmo na medida certa e coerente, amarrando toda o paralelismo das histórias (a que se passa na cabeça de Riley e da própria personagem em si). Além disso, é inegável que outro acerto é o tom de humor do filme, baseando principalmente nas mais diversas relações entre os personagens-sentimentos.

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As emoções de Riley, em “Divertida Mente”

E pela primeira vez também, Divertida Mente por mais que tenha seu nicho estabelecido no público infantil, funciona mais para os jovens e adultos, principalmente pelo fato de rodear assuntos de vertente psicológica, tal como um próprio estudo das influências dos nossos sentimentos e emoções na rotina. O filme também explora a influência do passado e traça um paralelo interessante e que é ponto chave do longa, entre a tristeza e alegria que sentimos, como uma afeta e molda a outra e suas consequentes atitudes baseadas nessas emoções. É obvio que as cores, os personagens carismáticos e a empatia pela personagem Riley vão atrair um público infantil, mas mesmo assim Divertida Mente realmente parece aplicar um minicurso de psicologia para os mais velhos. A Pixar estava de volta, mostrando serviço e arrancando muitas lágrimas de quem não se esperava.

Alguns meses depois, O Bom Dinossauro finalmente chega às telas. Os problemas criativos causaram o afastamento do diretor Bob Peterson do projeto, a mudança em praticamente todo elenco de dubladores, a demissão de 67 funcionários e fechamento da filial da empresa no Canadá. Tudo isso devido à Peterson não abrir mão de sua ideia do terceiro ato para moldá-lo aos padrões Pixar. Assim, Peter Sohn que havia dirigido apenas um curta, assume o posto de direção e o roteiro é retrabalhado inúmeras vezes, passando pelas mãos de várias pessoas. Assim, depois de indas e vindas, O Bom Dinossauro conta história de Arlo, um dinossauro que vive em uma Terra que não foi afetada pelo asteroide que extinguiu os dinossauros à milhares de anso atrás. Arlo é um dinossauro desajeitado, que busca uma maneira de deixar sua marca como os pais e irmãos já fizeram. Porém, depois de um acidente que o leva para muito longe de casa, ele precisa não apenas achar o caminho de volta, mas também buscar o seu eu interior que o faça crescer e superar seus medos.

De uma maneira geral, é um filme bem coerente com toda a filmografia do estúdio. A história apresenta características similares a de um road movie e busca muitas referências narrativas, principalmente em Procurando Nemo. Arlo é um personagem preso às suas origens, que não sabe o seu papel e vê nos irmãos um obstáculo para se entender como dinossauro. Precisou ir para muito longe de casa, em uma jornada com um jovem humano, que na verdade nesse mundo onde se passa a animação, os humanos exercem um papel quase como um animal de estimação, para poder descobrir o seu próprio caminho. Essa relação entre os dois é quase que copiada da dobradinha Woody/Buzz em Toy Story, porém, aqui é mais aprofundada em termos afetivos, como, por exemplo, a cena do filme onde ambos explicam o que é a família através de gravetos e um círculo na areia. Em certo momento, seu pai diz: ‘se um dia se perder, siga o Rio que encontrará sua casa novamente’. Assim Arlo o faz, mas é curioso notar que o personagem só começa a se conhecer de fato justamente quando se afasta do rio, sendo uma metáfora clara para os jovens de que às vezes é necessário se perder para poder realmente se encontrar. O rio é aquilo que o ligava com sua casa, era a ligação que ele precisava quebrar para poder então crescer.

O Bom Dinossauro não é das histórias mais originais do estúdio. Além das referências já citadas, possui ganchos narrativos, concepção de personagens e arcos praticamente idênticos ao de Rei Leão. Assim, já era de se esperar um forte apelo dramático e apresenta um tom muito mais pesado do que de costume da Pixar. Excessivamente é utilizada violência em cenas das quais poderia descartar essa característica, presentes nos antagonistas, que não são desenvolvidos, apenas estão lá, pois é necessário. Os outros personagens secundários são interessantes (destaque para os T-Rex’s), porém também superficiais, resumidos em pequenas histórias e alguns ganchos que o roteiro deixa em aberto sobre os mesmos. Roteirizado também por Meg LeFeauve, do antecessor “Divertida Mente”, há um claro esforço em tentar recriar os sentimentos e emoções que a Pixar despertou nas mais variadas pessoas em longas que possuíam uma temática parecida e uma jornada interior de conhecimento e busca. Porém, estruturalmente é muito falho, algumas soluções de roteiro são completamente fora dos padrões Pixar e é mal desenvolvido. Apesar disso, a parte técnica é memorável, criando um realismo nunca antes visto, quase como uma foto retrato das paisagens das terras norte-americanas. A concepção visual dos personagens não deixa a desejar, em especial do protagonista principal, de longe a que mais se evidencia.

Com O Bom Dinossauro alcançando números pífios dentro do mercado norte-americano e da crítica especializada, além de anúncios de novas continuações ao invés de novos mundos sendo explorados, corre um rumor de que existe certa crise criativa dentro dos estúdios Pixar. Em 2016, são 21 anos do primeiro lançamento dos estúdios e é notável que muito se manteve, inclusive a qualidade dos longas, apesar de algumas falhas pontuais. O aspecto técnico conseguiu atingir um nível incrível e cada vez mais tende a evoluir. E os temas e as mensagens passadas aos telespectadores foram o maior destaque desses 21 anos e 16 filmes. Nenhuma produtora no ramo cinematográfico, inclusive de filmes live-actions, soube trabalhar tão bem assuntos como amizade, família, perda, superação, medo, adolescência, quebra de estereótipos e amor.  E não obstante à grande massa de filmes que tentam explorar esses temas, a Pixar se destaca por levar o público infantil à diversão, mas aos jovens e adultos, diversão acompanhada de reflexão. Aliás, é através desse exercício que construímos conhecimento e a Pixar tem sido ao longo desses anos uma grande produtora, não limitando-se à produção de filmes, mas sim também de conhecimento (e lágrimas).

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