Gabrielli Natividade da Silva
Não é segredo que Harry Styles sabe fazer uma boa Música. Já tendo acumulado mais de cinco anos de carreira solo e alguns grandes prêmios (incluindo um Grammy), o cantor lançou, no dia 20 de maio, seu novo álbum, Harry’s House, formando sua santíssima trindade perfeita. Se Harry Styles narra um amor trágico e Fine Line é um equilíbrio entre quedas e acertos, o caçula é revigorante como a trilha sonora de um clássico filme romântico. São treze novas faixas muito empolgantes e aconchegantes que refletem otimamente que o britânico está em sua melhor fase, cada vez mais seguro de si, de sua vida e, claro, de sua Música.
A ideia de casa e conforto foi muito bem pensada, apesar de reciclar uma estratégia de marketing do álbum lançado em 2019. Muitos fãs provavelmente se recordam do “surto” para desvendar os mistérios de Eroda. Para promover o clipe de Adore You, Harry escolheu vender a ilha fictícia como um verdadeiro destino turístico, sem revelar que estava por trás de toda a obra. O mesmo foi feito com Harry’s House: meses antes do anúncio do disco, foram criadas contas no Twitter e no Instagram para a suposta loja de decoração You Are Home – houve até anúncios em jornais locais. Tudo começou a ficar suspeito quando a marca passou a postar nada mais que frases no Twitter e imagens atrás de uma porta semiaberta no Instagram. Se confirmaram as teorias de que o terceiro álbum realmente estava vindo quando Styles seguiu todos os perfis nas redes sociais.
Em entrevista para Zane Lowe, Harry comentou sobre a proposta geral para o álbum: “É sobre um dia na minha casa, pelo que eu passo. Um dia na minha mente. Na minha casa eu estou tocando músicas divertidas, músicas tristes, alegria, dor, um dia na minha vida”. De fato, o disco faz com que o ouvinte se sinta próximo e íntimo do cantor, como se estivesse acompanhando-o a um passeio com muita conversa. Não haveria título melhor para refletir essa ideia e, apesar de haver especulação sobre a sua origem ter relação com a música Harry’s House/Centerpiece, de Joni Mitchell, Harry disse, na mesma entrevista, que é uma referência ao cantor japonês Hosono, que lançou o álbum Hosono House. De qualquer forma, ambos os projetos foram lançados na década de 1970 e conversam bem com o estilo de acordes suaves e instrumentos de sopro utilizados por Harry.
A tracklist, como um todo, é muito intrínseca e vulnerável. Grande parte das músicas dialoga entre si, demonstrando diversos ângulos de um grande amor que pode andar em círculos, até que os envolvidos tenham força para se adaptar às mudanças e aos desafios. Todavia, Matilda carrega uma fragilidade incomparável. A faixa é delicada ao máximo, sendo um conselho direto do próprio Harry para todos que cresceram sem receber o amor que deveriam e sentem a culpa por isso, incentivando a autocompaixão e a libertação de relações tóxicas. “Eu acho que as pessoas sentem muita culpa por coisas que elas não necessariamente deveriam sentir. É seu direito proteger o espaço ao seu redor e ser protetor consigo mesmo e cuidar de você mesmo”, declarou Styles para a NPR.
Para falar sobre as prováveis inspirações para o novo trabalho do britânico, é necessário apontar que Styles é muito influenciado por grandes artistas dos anos 1970 e 1980, como Queen, Fleetwood Mac e Mick Jagger. Esses exemplos sempre estiveram presentes nas músicas do ex-One Direction – especialmente em seu primeiro álbum, quando Harry ainda estava buscando seu próprio estilo e espaço – e não foi diferente com a leva mais recente. A referência oitentista ligada ao jazz, às baladas e ao rock clássico, misturados ao pop, funcionaram muito bem, apesar de não ser uma ideia totalmente inédita. Dua Lipa e The Weeknd, por exemplo, alcançaram o topo das paradas, em 2020, com essa mesma tática, e o mesmo é esperado para o britânico com Harry’s House.
Daydreaming é outro exemplo da mistura entre o contemporâneo e as influências do final do século passado. A faixa é consolidada como uma das mais divertidas do álbum e isso pode ser explicado por ter feito uso do sample de Ain’t We Funkin’ Now, de autoria do The Brothers Johnson. Com a bateria, o baixo e o trompete bem característicos, a música de 1978 tem tudo o que é necessário para a de 2022 funcionar – Quincy Jones, produtor musical da dupla, elogiou Styles e agradeceu pelos créditos. Trazer esse estilo para as outras músicas ficou por conta de Harry e seu time, o cantor escolheu trabalhar novamente com Kid Harpoon e Tyler Johnson, além de seu guitarrista Mitch Rowland. O trio participou, junto ao cantor, no processo de criação dos dois álbuns lançados anteriormente e, novamente, fizeram um ótimo trabalho.
Passando para a ordem das faixas, Harry expôs para a iHeart sobre os desafios para encontrar a sequência perfeita. “Sequenciamento é, provavelmente, a parte que eu acho mais estressante, porque está essencialmente finalizado e você só tem que ouvir de várias formas diferentes”. Bom, todo o esforço compensou, pois o álbum passa uma energia decrescente que é muito interessante de se ouvir, começando com a animação dos trompetes de Music For a Sushi Restaurant, até chegar nas batidas calmas de de Love Of My Life. Contudo, não dá para negar que o cantor está em sua era invertida, isso é visto na própria capa do álbum, no início de Boyfriends e até mesmo no vídeo promocional divulgado quase um mês antes do lançamento, que contém o áudio invertido da última música do disco. Levando tudo isso em conta, é possível concluir que, talvez, a sequência “correta” de Harry’s House também é invertida, mesmo fazendo sentido dos dois modos, sendo uma genialidade impressionante, como de costume para Styles.
“To boyfriends everywhere…fuck you!”, assim foi anunciada a 12ª faixa do álbum em pleno Coachella. Faltando pouquíssimos dias para o lançamento do álbum, Harry estreou Boyfriends em um dos maiores festivais de Música do mundo (diga-se de passagem, todo o seu show foi uma apresentação de ouro). A faixa, apesar de subestimada por muitos, é, provavelmente, uma das mais sinceras de todo o disco, seguindo o tempo todo um ritmo acústico e com enfoque total na voz do britânico, passando claramente a mensagem sofrida de uma pessoa que, apesar de se doar muito, foi magoada por um namorado ruim. Além dela, também foi performada Late Night Talking, a música, que só confirmou a vibe disco que o álbum teria, também narra sobre se doar inteiramente a alguém, sem pedir nada em troca.
Harry sempre foi bom em se colocar no mapa com bons singles: em 2017 foi Sign Of The Times, em 2019 foi Watermelon Sugar e agora, em 2022, foi As It Was. A música, que alcançou números incríveis muito rápido, se sustenta como uma boa representação de todo o álbum, com uma batida nostálgica e uma letra reflexiva. “É sobre metamorfose, se perder e se encontrar. Abraçar o fato de que a vida te atinge em momentos diferentes, não quando você espera. Isso é maravilhoso, mas com essas coisas maravilhosas vêm algumas jornadas emocionais complexas”, disse Styles para a NPR. A coreografia do clipe, criada por Yoann Bourgeois e inspirada em um de seus trabalhos antigos, carrega perfeitamente a ideia de forçar um ciclo vicioso que já não funciona mais. O vídeo como um todo, porém, casa com a proposta de libertação e aceitação da mudança, a arte foi criada por um time inteiramente ucraniano, liderado pela diretora Tanu Muino.
Com um disco muito empolgante e inspirador, Harry expõe mais umas vez seus amores e suas dores, de um jeito diferente de seus outros trabalhos, mas ainda sim muito coerente à sua essência original. O poder de Harry’s House, com certeza, foi reconhecido como merece. Todas as 13 faixas ocuparam um lugar na lista da Billboard Hot 100 na semana de lançamento do disco (contabilizando a semanada do dia 30 de julho, As It Was ocupa o pódio do chart por 16 semanas) e Styles chegou ao primeiro lugar da Hot 100 Songwriters. É previsto um caminho próspero para essa nova era, talvez até mesmo um segundo gramofone de ouro para a casa de Harry.