Pedro Henrique Vogt
Em meio a tantas apostas questionáveis de Hollywood para a criação de universos ficcionais compartilhados, é surpreendente que o MonsterVerse da produtora Legendary Entertainment tenha sido um acerto tão grande. A mais nova adição para essa narrativa é Godzilla e Kong: O Novo Império e, apesar de não ser livre de defeitos, o longa entrega uma aventura divertida, com cenas de ação monumentais dignas dos dois monstros gigantes mais icônicos da cultura pop.
O filme começa quando Godzilla é despertado de sua soneca por razões desconhecidas e volta a sair pelo mundo fazendo o que sabe de melhor: esmagar tudo à sua frente. Enquanto isso, o gorila Kong é obrigado a retornar à superfície por uma terrível dor de dente, onde acaba reencontrando a sobrevivente da Ilha da Caveira Jia (Kaylee Hottle) que, ao rever seu grande amigo, sente uma ameaça se aproximando. Ao observar todos esses fenômenos, a Doutora Ilene Andrews (Rebecca Hall) decide montar uma expedição para a Terra Oca, o lar dos monstros gigantes, para descobrir a causa desses comportamentos estranhos.
A direção é comandada por Adam Wingard, conhecido por seus filmes de terror pouco convencionais (e o icônico Death Note, da Netflix). Recentemente, no entanto, ele decidiu se aventurar no mundo das mega produções, dirigindo Godzilla vs. Kong em 2021, um sucesso que resultou no convite para participar da sequência. A maior característica do diretor nessa fase de sua carreira é a autoconsciência trazida para a narrativa do MonsterVerse: um exemplo disso é o enredo deixar claro, desde o começo, que não busca nada inovador. Porém, essa forma da obra de enxergar a si mesma não é um demérito, mas uma de suas maiores qualidades, pois a diversão vem do carisma de seus protagonistas e de como se desenrola a ação.
A narrativa é a mais funcional possível; o necessário para uma história minimamente coesa está ali. Contudo, a maior preocupação é como chegar até o espetáculo de forma rápida. Para o roteiro de Terry Rossio (franquia Piratas do Caribe), Jeremy Slater (Cavaleiro da Lua) e Simon Barrett, tudo é válido. Esse trio eclético decidiu que se a volta de Kong à superfície pode render uma cena de luta interessante, essa ideia não seria descartada, ainda que uma dor de dente tenha que ser o motivo para tal. A filosofia aplicada é a de que, se a audiência está assistindo para ver batalhas cada vez maiores, a trama vai garantir que elas aconteçam.
A principal inspiração para o MonsterVerse é o gênero Kaijuu, que tem como uma de suas principais características criar seus monstros com personalidades e emoções distintas. Isso é bastante visível no personagem do Kong, que tem o papel de ser o coração do filme. Toda a nova mitologia apresentada na história está diretamente relacionada ao primata titã que, nos 115 minutos de duração do longa, desenvolve uma relação paterna com um filhotinho de gorila; tenta criar uma aliança com seu antigo rival; luta para salvar seu povo da opressão; e aprende mais sobre o mundo e si mesmo. Sem precisar dizer uma palavra, ele passa por todos os arcos que um protagonista de Blockbuster desse tamanho merece.
Por outro lado, o Godzilla basicamente não tem nenhum desenvolvimento, e parece não compartilhar o mesmo protagonismo de Kong, pois tirando algumas mudanças estéticas, ele termina a história (literalmente) do mesmo jeito que começou. Apesar de se destacar nas cenas de ação mais empolgantes, permanece a sensação de que elas poderiam ser ainda melhores se o monstro tivesse mais destaque fora das brigas. Deixar esse personagem de escanteio é uma decisão peculiar, visto que a Legendary Entertainment lançou recentemente uma série própria do gigante, Monarch – Legado de Monstros, disponível na Apple TV+ e que também faz parte do mesmo universo compartilhado dos filmes.
Com o lançamento recente de Godzilla Minus One, produção japonesa vencedora da categoria de Melhores Efeitos Visuais no Oscar 2024, foi chamada a atenção do público em como as adaptações do personagem são diferentes quando se trata do cinema hollywoodiano. Enquanto a encarnação mais recente de Godzilla em sua terra natal foi uma personificação dos traumas do pós-guerra, em um drama histórico cheio de autocríticas à sociedade japonesa, a sua versão MonsterVerse é bem mais empática. Ao invés da representação visual das dores de um povo, o lagarto radioativo é escrito pelos norte-americanos como uma espécie de herói rabugento que, apesar de causar destruição pelo mundo, é necessário para o equilíbrio da natureza.
No entanto, se engana quem pensa que isso seria uma deturpação do protagonista. Uma das influências mais claras para a construção do MonsterVerse é a primeira fase da franquia Godzilla no Japão, a chamada Era Showa (1954 – 1975). Diversos filmes dessa fase buscavam um estilo de entretenimento ‘mais família’ e não economizavam nas batalhas malucas de Kaijuu, colocando Godzilla e Mothra como os principais protetores da Terra. As produções mais representativas dessa fase são A Guerra dos Monstros (1965) e O Despertar dos Monstros (1968).
Como o enredo de Godzilla e Kong: O Novo Império está muito focado na monumentalidade, é perceptível que o núcleo de personagens humanos é o mais fraco do filme. Kaylee Hottle e Rebecca Hall, que voltaram aos papéis de Jia e Dra Andrews, não conseguem captar aqui o mesmo carisma e apego emocional que marcaram as suas participações anteriores. Outro ator que retornou para a franquia é Brian Tyree Henry (Atlanta), que interpreta um personagem de alívio cômico extremamente ‘água com açúcar’. Contudo, um destaque positivo no elenco é Dan Stevens, que já trabalhou com Adam Wingard em O Hóspede e fez sua estreia no MonsterVerse interpretando um personagem caricato e divertido, como a obra se propõe a ser.
Apesar de ser abertamente um longa-metragem de ação sem preocupações em ser inovador ou revolucionário, Godzilla e Kong: O Novo Império, com suas cenas grandiosas, cumpre excelentemente com a sua função de entreter. É um filme que vale a pena ser assistido, seja pelos efeitos especiais, pelo carisma dos monstros gigantes ou para experimentar um cinema Blockbuster diferente e refrescante. É um belo exemplo de que o espetáculo pelo espetáculo nem sempre é ruim.